Nem dipirona, nem morfina: com dor crônica, não sinto alívio com remédios

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Um dia, uma amiga que estava com muita dor de garganta me perguntou como era possível "tomar um remédio e a dor não passar." Olhei pra ela e pensei: bem-vinda ao clube.
Todo mundo aprende desde cedo que, quando ficamos doentes, basta tomar um comprimido para a dor ir embora. Eu acreditei nessa história até os 28 anos —não existe uma lenda por aí de que essa é a idade em que ocorrem grandes transformações?
Sempre que a dor de cabeça vinha, eu tomava um medicamento e ela costumava melhorar. Até o dia em que não melhorou mais. Na verdade, nunca mais passou, e muitas dores vieram junto com ela.
No auge da minha ignorância, experimentei todos os analgésicos que encontrei pelo caminho, e a dor continuava como se eu tivesse tomado água. No hospital, cheguei a tomar morfina, que não me deu nada além de muito enjoo, e até mesmo cetamina na veia —anestésico que, na hora, não melhorou minha dor, mas me fez ter conversas incrivelmente profundas com o médico.

Estávamos numa pequena sala de hospital com uma janela enorme, com vista para a avenida e muitas árvores. Perguntei para ele: então não vai passar mais?
É muito difícil lidar com um olhar de interrogação na cara do médico —e isso é algo com que estou bastante acostumada. Porque, infelizmente, a gente ainda não sabe como curar uma dor crônica, e ele não tinha como me dar respostas. Existem, sim, explicações científicas que desvendam parte do problema, mas falham em oferecer boas soluções (contei nesta coluna como funciona o processo da dor).
Eu lido o tempo inteiro com profissionais que não fazem a menor ideia do que estou falando. Na verdade, às vezes parece que ninguém sabe o que eu estou falando. Como explicar que não, eu não quero o seu remédio para dor de cabeça, uma dipirona 1 g não vai funcionar, sim, eu já fiz todos os exames, sim, eu já testei esse tratamento.
Não demonizo remédios, e inclusive tomo comprimidos com bastante frequência. Eu sei como funcionam as minhas dores e (na maioria das vezes) sei quando preciso tomar uma medicação (olá gastrite, rinite, dor de garganta, cólica e enjoo).
Mas com a dor crônica é diferente. Ela está sempre aqui comigo, não importa o que aconteça, variando sempre de intensidade, de sensação e de local (difícil explicar, né?). Por se tratar de uma doença que afeta o sistema nervoso central, na maioria dos casos ela não pode ser resolvida por analgésicos comuns.
É claro que o uso de medicações não é igual pra todo mundo: o que não funciona pra mim pode servir pra você. A cetamina, por exemplo, tem sido utilizada em estudos e tratamentos para dor crônica com resultados promissores, e os antidepressivos podem ser grandes aliados em devolver a qualidade de vida aos pacientes.
Eu acho que ninguém imagina a quantidade de dor que eu carrego comigo por aí, e o quanto eu preciso me esforçar pra fazer as coisas mais simples. Às vezes eu só preciso fingir, mas aprendi a ser uma pessoa funcional e vivo com a toda a intensidade possível. Me divirto e tenho momentos incríveis apesar da dor. E talvez isso me traga mais alívio do que qualquer remédio que já tomei na vida.
* Larissa Agostinho Teixeira (@dadoreoutrosdemonios) é jornalista formada pela USP com mais de 10 anos de experiência como repórter, redatora e editora de vídeos e documentários. Escreve sobre dor crônica em uma coluna em VivaBem e produz conteúdo para o Canal UOL.
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