Opinião

'Um dia de cada vez': como lidei com dor e ansiedade em tempos de Carnaval

Como uma pessoa que vive com dor crônica há alguns anos, posso dizer que aprendi, a duras penas, a respeitar os meus limites. Eu sempre achei que deveria fazer o que os outros esperavam de mim, com medo de decepcioná-los, e passei boa parte da vida me sentindo no lugar errado, com as pessoas erradas.

Mas uma doença chega como um furacão, e quando ela se cronifica, você é obrigado a repensar todas as suas decisões e rever tudo o que acredita. Dizer não se torna não apenas uma possibilidade, mas uma escolha fundamental, principalmente se você convive com dores no corpo 24 horas por dia.

Tive que recusar dezenas de convites, e, quando aceitava, passava dias sofrendo sem saber se poderia ir. Eu não conseguia fazer planos de médio e longo prazo, porque morria de medo de precisar cancelar - e, de novo, desapontar o outro. Mas o que acontecia é que, quando eu me perdia em pensamentos ansiosos, tentando prever o que iria acontecer, geralmente não conseguia cumprir com a "obrigação".

Não acho que deixei de ser uma pessoa ansiosa, mas, de uns tempos pra cá, tenho tentado viver um dia de cada vez (considerei até mesmo tatuar esse clichê no braço, tamanho o esforço necessário para assumir esse compromisso). Talvez isso pareça um papo meio chato de meditação e mindfulness, mas a diferença é realmente gritante.

Isso quer dizer que estou mais tranquila com a ideia de tomar decisões de última hora, de observar meu corpo e o ouvir que ele está dizendo, de não roteirizar minuciosamente uma viagem, de não fazer planos para o final de semana na segunda-feira. Em vez disso, sentir o que eu estou afim de fazer quando acordar no sábado.

Essas coisas me pareceriam terríveis alguns anos atrás, mas percebi na prática o quanto isso pode me trazer serenidade. Fiz essa experiência nos últimos finais de semana, e a verdade é que sempre aparecem surpresas no meu caminho e, ainda melhor, consigo ser fiel ao que eu realmente desejo, e não os outros.

Neste Carnaval, fiquei em São Paulo e não marquei nada. Esses grandes eventos já são cansativos para todos, mas para alguém com dor crônica pode parecer uma prova de resistência do Big Brother. Acordei todos os dias sem saber o que eu iria fazer, e isso me deu uma liberdade enorme.

Consegui ir a dois bloquinhos e voltar pra casa sem chorar de dor nos pés e nas pernas, como já aconteceu inúmeras vezes (obrigada, academia!). Assisti ao Oscar com meus melhores amigos e pulei quando levamos o primeiro troféu do Brasil. Passei dois dias inteiros sozinha em casa, vendo filmes e cozinhando.

Na segunda-feira, quando eu já estava encarando o meu segundo bloco (e por vontade própria!), um amigo me disse que ficava feliz quando me via fazendo coisas que eu não imaginava que conseguiria. Talvez eu tenha chorado no meio da rua. Às vezes, nos apegamos às certezas arraigadas no nosso cérebro e paramos de arriscar. Quem disse que eu não posso pular Carnaval?

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Quando uma pessoa tem dor crônica, é muito comum que ela crie conexões entre certos comportamentos, movimentos, atividades e até lugares com algo que provoca dor. Eu mesma, um tempo atrás, cismei de ter medo de ir ao cinema, pois sempre sentia muito incômodo (é claro que, em alguns, as cadeiras de fato não ajudavam - posso escrever um guia sobre os lugares mais desconfortáveis de São Paulo.)

Mas não era o cinema que me causava dor, e sim o fato de associá-lo a algo perigoso. Isso acontece o tempo inteiro com pessoas que vivem com dor - abandonam suas atividades favoritas porque elas se tornaram sinônimos de sofrimento. Caminhar, fazer exercício, viajar, sair com os amigos - tudo pode se tornar algo penoso se a gente acreditar que vai nos fazer mal.

E se, em vez disso, tentássemos fazer um pouquinho por dia? É claro que eu não estava 100% segura de que poderia encarar uma maratona de Carnaval, mas consegui fazer do meu jeito e nos meus termos. Assim como voltei a frequentar salas de cinema aos poucos (e a tempo de ver "Ainda Estou Aqui" na telona!), tenho perdido lentamente o medo de viver.

E sempre repetindo meu novo mantra: um dia de cada vez.

* Larissa Agostinho Teixeira (@dadoreoutrosdemonios) é jornalista formada pela USP com mais de 10 anos de experiência como repórter, redatora e editora de vídeos e documentários. Escreve sobre dor crônica em uma coluna em VivaBem e produz conteúdo para o Canal UOL.

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