'Aceita que dói menos?': como lidar com as coisas que não podemos controlar

Nesta semana, precisei me afastar alguns dias do trabalho e, inclusive, atrasar a entrega desta coluna, porque estou sentindo a pior dor de garganta da minha vida. Ela irradia para os ouvidos, que parecem que estão a ponto de explodir, e me faz chorar de desespero a cada vez que preciso engolir a saliva.
Você já parou para pensar quantas vezes a gente engole saliva em um dia? Perguntei para várias inteligências artificiais e o número variou bastante, mas ao longo do dia algumas pessoas chegam a engolir saliva milhares de vezes.
Depois de dois hospitais, alguns diagnósticos e mais uns tantos remédios pra conta, continuo a sentir dores fortes e não há nada que eu possa fazer além de tomar um chá de gengibre caseiro e esperar que isso acabe logo. Logo eu, que convivo com dores crônicas há quatro anos e já estou acostumada a sentir dor o tempo inteiro, preciso novamente lidar com o fato de que algumas coisas fogem do meu controle.
Tive de cancelar compromissos e descumprir prazos, parar com a minha rotina de exercícios tão duramente conquistada, me trancar em casa e viver apenas de líquidos e sopas. Sim, eu sei, isso pode acontecer com todo mundo.
Alguns dias atrás, uma grande amiga veio me contar que se lesionou praticando atividades físicas e precisa ficar de repouso. Assim como no meu caso, os remédios não estão funcionando na melhora da dor, e ela precisou interromper os planos de treinamento para a próxima Corrida de São Silvestre.
É uma ilusão achar que a nossa vida está nas nossas mãos, porque somos pegos de surpresa o tempo todo. E uma coisa que eu tenho aprendido nos últimos meses é que lutar contra os imprevistos e nos revoltar com coisas que não podemos mudar torna tudo muito mais pesado. Fosse algum tempo atrás, eu estaria absolutamente furiosa de precisar passar horas no hospital, perder noites de sono e desmarcar planos.
Mas, a partir do momento que eu aceitei que não havia outra escolha, esperei ser atendida pelo médico com certa tranquilidade. Um dia, em uma daquelas sessões catárticas de terapia, minha analista me fez uma pergunta: se você não tem controle sobre alguma coisa, não seria exatamente esse o motivo para relaxar?
Parece bobo, mas é impressionante como pequenas mudanças de pensamento e atitude podem tornar a nossa vida mais leve. Às vezes, o clichê "aceita que dói menos" pode ser bastante literal (e aqui estou falando apenas das coisas que não temos como mudar).
Depois que virei a chave do modo revolta para o modo aceitação, as dores de garganta até diminuíram um pouco. Não é algo que eu posso resolver, não é algo que posso escolher quando e se vai melhorar.
Eu vivo isso na prática há anos, porque convivo diariamente com dores que não passam. Há muito tempo desisti das medicações, e aprendi que o alívio pode vir de lugares que nunca imaginaríamos —cozinhar um prato gostoso, sair com os amigos para me divertir, ouvir música, ver filmes e me distrair com atividades manuais. Da revolta? Nunca.
Desejar que a dor desapareça a todo custo seria como tentar sair de uma crise de ansiedade com ainda mais desespero e urgência. Spoiler: não funciona
Para além das dores, eu também tenho aplicado isso em várias áreas da minha vida, principalmente em relação às minhas obrigações do dia a dia. É claro que eu não queria lidar com burocracias do convênio médico, gastar um dinheiro não planejado em remédios, trabalhar aos finais de semana e cuidar das tarefas da casa, mas ter em mente que não tenho muita escolha sobre isso faz com que tudo seja menos pior.
Minha amiga que se lesionou me enviou um meme que dizia "sei que dias melhores virão, mas preciso de datas", e lembrei que, no início das minhas dores crônicas, tudo que eu conseguia pensar era "até quando precisarei aguentar tudo isso". Quatro anos se passaram, e não sei se algum dia irei melhorar. Também não sei quando vou me curar dessa dor de garganta, e essa amiga também não faz ideia de quanto tempo irá precisar para se recuperar e voltar a se exercitar.
Conversando com ela, chegamos à conclusão de que estamos sempre tentando tirar alguma lição de tudo que acontece com a gente. Talvez essa lesão seja um sinal para que ela consiga descansar e entender que não pode controlar tudo? Ou talvez não exista lição nenhuma? Eu, que costumo ver significado em tudo, prefiro ficar com a primeira versão.
* Larissa Agostinho Teixeira (@dadoreoutrosdemonios) é jornalista formada pela USP com mais de 10 anos de experiência como repórter, redatora e editora de vídeos e documentários. Escreve sobre dor crônica em uma coluna em VivaBem e produz conteúdo para o Canal UOL.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.