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Fernanda Victor

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Antes de tudo, não fazer mal': ultrassom de tireoide não é exame de rotina

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Imagem: iStock
Fernanda Victor

Colunista de VivaBem

21/10/2021 04h00

Não é incomum ouvirmos relatos de pessoas que realizaram ultrassom de tireoide e se depararam com um nódulo. Na grande maioria dos casos, esse diagnóstico gera muita angústia e ansiedade.

Mas não há motivo para pânico! Nódulos tireoideanos são frequentes e geralmente benignos. Estima-se que eles podem ser encontrados em até 3 de cada 4 exames de ultrassom realizados na população geral, sendo mais comum esse achado em idosos, mulheres e pessoas que foram expostas à radiação na região do pescoço.

O fato de cerca de 90% dos nódulos representarem lesões benignas permite tranquilidade no acompanhamento, evitando procedimentos invasivos desnecessários.

Os aparelhos atuais de ultrassom, com alta resolução, conseguem detectar nódulos muito pequenos (de cerca de 2 mm).

O problema é que esses achados são interpretados como doença potencialmente grave, mesmo sem qualquer repercussão negativa na saúde, e ainda podem gerar muito transtorno e custos ao paciente.

No entanto, quando bem indicado, após criteriosa avaliação médica, o ultrassom é uma ferramenta excelente, sendo o melhor exame para detectar, caracterizar e monitorizar os nódulos.

O que acontece (e muito!) é que a solicitação de exames em excesso induz ao maior uso de procedimentos terapêuticos, sem necessariamente significar maior cuidado com a saúde.

O ultrassom de tireoide solicitado sem indicação precisa ou sem critérios adequados resulta geralmente em mais intervenções (punções, cirurgias) e em maior risco de complicações. Pode parecer um círculo sem fim.

Aqui, cabe o mais importante preceito hipocrático para o exercício da medicina: "Primum non nocere" (Antes de tudo, não fazer mal).

O aumento exponencial do número de casos de câncer de tireoide, em especial de lesões malignas menores que 1 cm, conhecidas como microcarcinomas, está associado ao uso indiscriminado de exames de imagem nas últimas três décadas.

Então você pode se questionar: e se justamente o meu nódulo cair nos 5-10% malignos? Não seria interessante detectar precocemente e tratar logo? A grande questão é que, mesmo com um maior número de diagnósticos, não tem sido observada diferença na mortalidade ou na sobrevida desses pacientes.

Estudos realizados na população americana não identificaram aumento na mortalidade, mesmo triplicando os casos de câncer de tireoide. Já os sul-coreanos, que incentivaram o método de rastreamento ultrassonográfico nos anos 2000, aumentaram em 15 vezes esse achado, sem qualquer alteração na taxa de mortalidade.

E o que isso significa? Os dados refletem o comportamento não agressivo do câncer de tireoide, apesar de ser assustador o seu diagnóstico. Logo, tratá-lo, sem um benefício evidente, pode causar mais danos.

Assim sendo, as sociedades médicas atualmente recomendam que o ultrassom de tireoide seja incluído no rastreio investigativo nas seguintes situações:

  • pacientes com um nódulo clinicamente detectado, ou seja, palpado por um médico durante o exame;
  • ou aqueles pacientes que apresentam um maior risco de desenvolver nódulos malignos, como os indivíduos que possuem parentes com câncer de tireoide, que foram expostos à radiação no pescoço ou que já apresentam alguma doença na tireoide.

Mesmo um simples ultrassom precisa ser solicitado após cuidadosa avaliação médica, não havendo necessidade de incluí-lo nos seus exames de check-up sem que haja uma indicação clara.

Referências:

Davies L, Hoang J. Thyroid Cancer in the USA: current trends and outstanding questions. The Lancet Diabetes & Endocrinology. 2021; 9 (1): 11-12.

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Hoang JK, Nguyen XV, Davies L. Overdiagnosis of Thyroid Cancer. Academic Radiology. 2015; 22:1024-1029.
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