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Lucas Veiga

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Como promover saúde mental no Brasil?

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Imagem: iStock
Lucas Veiga

Colunista do VivaBem

14/09/2021 04h00

A pandemia da covid-19 levou as discussões sobre saúde mental a ocupar os noticiários e as redes sociais com uma frequência e uma intensidade que possivelmente não havia ocorrido antes no Brasil. O tema, em alguma medida, se popularizou. Por todo canto ouve-se falar em terapias, práticas de autocuidado e dicas para manter a saúde mental em dia.

Por um lado, é muito interessante que mais pessoas tenham acesso não só à discussão, mas também aos dispositivos de cuidado oferecidos pelo SUS, como os CAPs (Centros de Atenção Psicossocial), as Unidades Básicas de Saúde, os NASF (Núcleos Ampliados de Saúde da Família), bem como outros espaços onde é possível receber acompanhamento psicológico gratuito, como em algumas universidades e ONGs. Por outro lado, o aumento da demanda pelos serviços de saúde mental aponta para o trauma que a pandemia produziu, em especial, num país que já se encontrava em profunda crise social, política e econômica.

De acordo com pesquisa desenvolvida pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, já no primeiro semestre de 2020 os casos de ansiedade e de depressão haviam crescido 80% e 50%, respectivamente, no país. O que esses dados revelam?

A ansiedade é um estado psíquico que, na maioria das vezes, está diretamente relacionada com o afeto de medo. Nestes tempos pandêmicos, o medo comparece de múltiplas formas, como o medo de contrair o vírus, o medo de morrer, de perder alguém próximo, medo de ficar sem trabalho, entre vários outros, e este afeto sendo experimentado constantemente, já que a pandemia ainda não acabou, gera em praticamente todas as pessoas, em maior ou menor grau, ansiedade.

A depressão é um quadro clínico complexo que pode ser desencadeado por diversos fatores. Considerando o contexto atual, podemos compreender o aumento dos casos de depressão a partir da noção de que, em muitas situações, o transtorno comparece em experiências de perda de algo ou alguém que dava sustentação emocional e existencial para a pessoa, como a perda de um emprego ou de um ente querido, por exemplo.

Além disso, o modo como vivíamos foi abruptamente interrompido pela pandemia, limitando o convívio social, a circulação pela cidade e a própria perspectiva de futuro, já que a sensação imperante é a de estarmos num presente trágico e interminável, o que também pode contribuir para a entrada num quadro depressivo.

Se entendemos que o aumento dos casos de ansiedade e depressão estão diretamente relacionados com as condições de vida atuais, promover saúde mental passa, necessariamente, por uma transformação no estado de coisas. As terapias e demais práticas de cuidado são fundamentais na redução dos danos que a gestão da pandemia no Brasil tem produzido na população, mas elas por si só não são suficientes para aplacar o mal-estar que nos assola, porque este mal-estar não é apenas da ordem do indivíduo, mas é um problema político.

Dessa forma, a melhora da saúde mental da população será possível conforme o contexto sociopolítico for menos nocivo, e isso passa por aceleração da vacinação, condução política da situação que siga as diretrizes da OMS (Organização Mundial da Saúde), garantia de renda básica à população em condição de vulnerabilidade econômica, fortalecimento do SUS, dentre outras mudanças estruturais sem as quais promover saúde mental no Brasil se torna semelhante ao trabalho de Sísifo.

Que cada vez mais pessoas tenham acesso a espaços de cuidado para com sua saúde mental e, ao mesmo tempo, que não percamos de vista a dimensão política do sofrimento psíquico presente na população.