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Equilíbrio

Cuidar da mente para uma vida mais harmônica


OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

De Sydney-2000 a Tóquio-2020: ainda bem que muita coisa mudou

Tim Clayton - Corbis/Corbis via Getty Images
Imagem: Tim Clayton - Corbis/Corbis via Getty Images
Roberto Shinyashiki

03/08/2021 04h00

A ginasta Simone Biles voltou a competir depois de desistir de participar de várias finais da ginástica artística nas Olimpíadas de Tóquio. Imagino que os psiquiatras que estão dando suporte a ela apoiaram essa decisão, já que algo pior pode acontecer do que simplesmente ir mal na prova.

Antes de continuar, é preciso dizer que não tenho informações privilegiadas e faço essa análise baseado no que leio na imprensa e na minha experiência com atletas que viveram situações semelhantes.

Certamente, Simone Biles está fazendo um serviço maravilhoso para a humanidade, assumindo seu problema emocional porque, se fosse há alguns anos, "inventariam" uma contusão para justificar a sua não participação nas competições.

Quando um ídolo assume uma condição, abre as portas para a necessidade de olharmos com mais cuidado para essa questão. Agora precisamos entender que existem problemas psicológicos e problemas psiquiátricos, e que cada uma dessas dificuldades precisa de uma abordagem precisa e específica.

Estamos entrando em um novo portal de consciência

Nas Olimpíadas de Sydney-2000, fui o primeiro médico psiquiatra que o COB (Comitê Olímpico Brasileiro) levou para uma edição de Jogos Olímpicos, e posso dizer que houve uma série de resistências contra o meu trabalho.

Me lembro do treinador de um time que fez um comentário com as suas atletas: "Pessoal, quem estiver com medo, procure o Shinyashiki. Quem não estiver amarelando, fica com a gente." Esse treinador achava que suporte psicológico era algo desnecessário.

O diretor de uma confederação disse aos atletas: "No tempo que estão conversando com o Shinyashiki, vocês estão deixando de treinar."

Essa orientação da liderança fez com que muitos atletas fossem me procurar pedindo que eu não conversasse com ninguém sobre o atendimento porque eles iriam ser ridicularizados.

Algumas vezes tive de entrar pelas portas dos fundos dos hotéis para trabalhar com times de futebol para não dar a impressão à imprensa que a equipe estava "amarelando".

Felizmente esse preconceito diminuiu muito, pois se fui o único profissional para dar suporte psicológico em Sydney, já nos Jogos Olímpicos de Atenas (2004), o COB levou três profissionais de preparação mental; em 2008, foram seis; em 2012, foram 12; e em 2016, eram 26 profissionais de preparação mental dentro e fora da Vila Olímpica.

Você pode me perguntar: "Roberto, por que é que você está fazendo esses comentários?" Porque, até há pouco tempo, as pessoas desqualificavam as dificuldades psicológicas.

O primeiro sinal de que essa mentalidade está mudando veio quando o Esporte Clube Pinheiros, em São Paulo, de onde saíram muitos atletas olímpicos consagrados, também no ano 2000, me contratou para montar uma equipe para dar suporte a todos os atletas do seu projeto olímpico.

Ainda escuto pessoas me perguntando: "Roberto, se alguém explicasse para ela o que está perdendo de não competir, ela iria para as competições."

A situação dela não é simplesmente uma falta de visão das consequências, mas, sim, um transtorno metabólico, que causa uma dificuldade dramática: imagine que você coloque uma pessoa que tem medo de altura em um elevador panorâmico para ver a paisagem de uma cidade a 200 metros de altura: ela pode ter uma síncope cardíaca.

Talvez você pense, "mas ninguém vai fazer isso com um ser humano", só que é exatamente isso que faz a Associação dos Grandes Slams de tênis quando multa a tenista japonesa Naomi Osaka por não atender a imprensa quando diz que está com uma depressão grave.

Quando o nadador americano Michael Phelps compartilha que teve uma depressão profunda e pensou seriamente em suicídio é preciso considerar que essa crise não é simplesmente uma dificuldade psicológica.

Uma das lições mais importantes que aprendi em meu treinamento de psiquiatria foi de que toda vez que uma pessoa diz que está pensando em cometer suicídio ela pode realmente se matar.

É preciso compreender que a pessoa que está passando por uma situação dessa precisa de uma intervenção mais profunda.

Considero importante entender que há vezes em que o psicólogo não é suficiente, e será necessário ter o suporte de um psiquiatra. E, logicamente, é preciso que seja um psiquiatra, um médico que tenha a vivência de psicoterapeuta e de esporte, porque a dinâmica é muito específica.

Com toda a certeza, Naomi Osaka não vai resolver a questão dela só com orientação psicológica, e a multa só vai piorar o estado mental da atleta.