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Nuno Cobra Jr

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O vencedor pode ser o perdedor: um novo conceito de 'loser'

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Imagem: iStock

Colunista do VivaBem

04/11/2021 04h00

Em meu livro "O músculo da alma", desenvolvi uma variante pouco conhecida do conceito de "loser" (perdedor).

Nessa nova versão, ampliada e revisada, ser um "loser" é ser capturado e tapeado pelo marketing do consumo e ter os seus valores, foco e energia vital aprisionados aos bens materiais, como forma de status e sentido de vida.

Ser um "loser" é ser escravo de um sistema de trabalho vazio e massacrante, que só visa o lucro e o acúmulo de riqueza.

Ser um "loser" é perseguir uma ilusão de felicidade que nunca se realiza, por meio da fama, do dinheiro e do sucesso.

Quando entendemos isso, finalmente descobrimos por que o mundo está ao contrário. Vivemos um excesso de atividade cerebral, uma forma mecânica e racional de se entender o mundo.

Somos escravos de uma mente acelerada, que está sempre no controle. E, assim, nos desconectamos do momento presente. A vida passa a ser apenas uma sequência de tarefas para que possamos atingir determinados resultados.

Nesse processo, perdemos o nosso equilíbrio, nos desconectamos de nós mesmos e, consequentemente, da energia vital do universo, esta energia que dá vida a tudo, a qual chamamos de Deus.

"Existe um fenômeno chamado 'a maldição dos ganhadores' --o custo de tantas fantasias e ilusões perdidas. Como diz um antigo provérbio: 'Por vezes, quando os deuses querem nos punir, eles atendem as nossas preces.' Conseguir boa parte daquilo que desejamos pode nos deixar com menos do que tínhamos no início."
Eduardo Giannetti, filósofo

"O nosso negócio é fazer as mulheres infelizes com o que têm"

Essa frase foi dita em 1953, pelo então presidente de uma grande rede de cosméticos nos Estados unidos.

Hoje, a indústria da beleza movimenta 200 bilhões de dólares anualmente, e essa confissão soa mais verdadeira do que nunca, onipresente em todos os meios de comunicação através de um marketing cada vez mais sofisticado e sedutor, alavancado pelas descobertas do neuromarketing e do marketing sensorial.

Se felicidade, da forma como ela é definida pela psicologia moderna, é a capacidade de estar contente com aquilo que temos, então a publicidade é a arte de instalar o descontentamento.

A tarefa do marketing é nos convencer profundamente que seremos mais felizes ao comprar algum novo produto ou serviço.

As técnicas de convencimento surgiram no século 5, na Grécia, desenvolvendo a ciência da retórica, a arte de influenciar e conduzir a forma como pensamos e tomamos decisões. Hoje, ela está por trás da polarização política, do ódio ideológico e de todos os principais mecanismos de controle social.

Na polarização ideológica, esse controle é obsceno, somos praticamente um "papagaio de pirata", repetindo ao pé da letra todo o roteiro que nos é soprado diariamente com base nas cartilhas dominantes.

Dessa forma, sem que possamos perceber, a nossa vida é conduzida de acordo com valores e comandos que são fixados em nossa mente, como um chip pré-programado.

Por exemplo, para o mercado atual é essencial induzir as pessoas a se sentirem gordas, feias e inadequadas. A fórmula é simples, quanto menos gostamos do nosso corpo, mais propensos estamos a ceder à sedução do mercado de consumo.

Aqui entram os modelos de beleza e as imagens subliminares, em todos os veículos de mídia, exibindo corpos cada vez mais perfeitos e inatingíveis, corpos de Photoshop ou corpos fabricados à custa de muita dor e sofrimento.

Com esse modelo, interiorizado e assimilado por nossa mente, somos uma presa fácil. Por mais lindo e perfeito que o seu corpo esteja, nunca será o suficiente.

Bingo! Mais um potencial cliente para consumir as centenas de novidades que surgem anualmente. O sarrafo não para de subir, o corpo da moda é um corpo cada vez mais magro e musculoso --e essa obsessão tornou-se um grave problema de saúde pública.

Resetar o sistema

Esta é uma pequena homenagem a um grande estudioso da psicologia comportamental, o criador do conceito de "Flow", falecido na semana passada, aos 86 anos, o Prof. Mihaly Csiksz.

Sintetizando décadas de estudo, ele nos deixou um caminho possível de como lidar e como reeducar a nossa própria consciência.
Segue um breve compilado dos seus estudos:

"Como nos sentimos em relação a nós mesmos e à alegria que extraímos de viver depende diretamente de como a nossa mente filtra e interpreta a experiência cotidiana. Ou seja, a nossa felicidade depende dessa harmonia interior e não do controle de fatores externos.

Certamente, devemos continuar aprendendo a lidar com o ambiente externo, porque a nossa sobrevivência depende disso, mas esse domínio não determina a nossa percepção individual de bem-estar e felicidade (...).

Não alcançamos a felicidade indo deliberadamente atrás dela, como um eterno círculo de esforço e recompensa. É no pleno envolvimento, em cada detalhe de nossa vida, bom ou ruim, que encontramos a felicidade, não tentando ir diretamente à sua procura.

O psicólogo austríaco Viktor Frankl resume lindamente esse conceito:

Não almeje o sucesso —quanto mais visá-lo e fizer dele um alvo, mais vai errar. Pois o sucesso, como a felicidade, não pode ser perseguido: ele deve acontecer, como um efeito colateral de um envolvimento profundo e prazeroso com o seu cotidiano, uma forma não intencional de dedicação pessoal a um curso de ação maior do que você, algo que colabore realmente para o bem coletivo (...).

Quando novas necessidades são elaboradas, novos desejos surgem, e isso pode contribuir para o círculo vicioso da insatisfação.

Na verdade, não existe problema em buscar novas metas, contanto que o esforço empreendido seja motivo de uma fruição prazerosa e positiva. O problema surge quando a pessoa fica tão obcecada com o que quer alcançar que deixa de extrair prazer do momento. Quando isso acontece, ela abre mão da oportunidade de contentamento (...).

Embora as evidências demonstrem que a maioria das pessoas fica presa nessa frustrante roda-viva de expectativas crescentes, muitas encontram maneiras de escapar delas. São pessoas que, independentemente das suas condições materiais, conseguiram melhorar a qualidade de vida e tornar o que as cercam mais gratificante.

Quantas pessoas você conhece que genuinamente apreciam o que fazem, sentem-se razoavelmente satisfeitas com aquilo que possuem, não lamentam o passado e olham para o futuro com genuína confiança?

A velha fábula continua a reverberar pelos séculos. Os consultórios dos psiquiatras vivem cheios de pacientes ricos e bem-sucedidos, entre quarenta e cinquenta anos, que de repente acordaram para o fato de que uma casa grande, carros luxuosos e educação nas melhores faculdades não são suficientes para lhes trazer paz de espírito (...).

Capturadas em uma roda-viva de controles sociais, as pessoas ficam tentando alcançar um prêmio que se desmancha em suas mãos assim que o alcançam. Caso sigam com esse autoengano, logo inventarão uma nova meta a ser perseguida. Mas a qualidade de vida não pode ser melhorada dessa maneira. Só o desfrute direto da experiência, a capacidade de apreciar momento a momento tudo o que fazemos, pode superar os obstáculos para a realização pessoal (...).

A maioria de nós passa grande parte da vida no trabalho e nas relações sociais, especialmente com membros da família. Logo, é crucial aprender a transformar o emprego em uma atividade geradora de flow e pensar em modos de tornar o relacionamento com pais, cônjuges, filhos e amigos mais prazeroso."

Como você pode notar ao ler esse texto, a felicidade não está onde dizem que ela está. O caminho que nos foi indicado é uma rota direta em direção à ansiedade, à angustia e à insatisfação.

Nós tentamos alterar esse padrão de comportamento, fazendo meditação, seguindo grandes gurus, e etc...mas o chip foi instalado bem fundo em nosso cérebro.

O problema é que a mudança efetiva não é uma teoria, mas sim uma prática.

Chegou a hora de resetar velhos condicionamentos e informações e redefinir o caminho!

Vida com qualidade é uma prática diária, ela acontece sempre hoje, não amanhã.