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Nuno Cobra Jr

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que amamos odiar?

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Imagem: iStock

Colunista do VivaBem

21/10/2021 04h00

Tenho pesquisado sobre as motivações psicológicas que movem as nossas paixões políticas, competições e luta por poder.

Observando o que acontece com as nossas relações cotidianas, reparei que essa luta e competição pelo controle da narrativa —e, consequentemente, pelo respeito e aprovação dos outros— está presente em diversas esferas.

Por exemplo, uma pessoa muito próxima a mim cultivava uma sólida amizade com uma amiga do coração, uma relação de mais de 20 anos.

Elas se falavam quase diariamente, uma era a maior parceira e confidente da outra. Nas redes sociais, podíamos acompanhar na linha do tempo depoimentos emocionados e contundentes desse amor "incondicional".

Pois bem, como nada dura para sempre e o amor é infinito enquanto fizer sentido, de uma hora para outra, tudo desmoronou de forma trágica, se não fosse cômica.

Embora elas já tivessem morado juntas por alguns anos, quando uma das amigas prometeu ajudar a outra na recuperação de uma enfermidade e se dispôs a passar algumas semanas em sua casa, essa convivência harmônica começou a azedar.

De perto, ninguém é normal, dessa forma, tolerar e conviver com as manias do outro não é tarefa fácil. Naquele momento específico, as manias de uma entraram em conflito com as manias da outra.

Resultado: duas semanas depois, essas duas amigas inseparáveis tornaram-se inimigas passionais, e, clamando o papel de vítima na história, começaram a articular e competir para provar o seu ponto de vista junto ao seu grupo de amizade —que, de longe, acompanhava a narrativa de ambas e tentava se posicionar para decidir a quem apoiar, o que rachou o grupo.

Como podemos notar, a política é uma arte que está intimamente presente em nossa vida.

A briga da família Medina

Como sou o treinador mental do surfista Ítalo Ferreira, sigo as histórias do esporte e acompanhei o desenrolar desse conflito familiar que se tornou uma das fofocas favoritas da mídia.

Gabriel Medina está passando por uns dos sofrimentos mais difíceis, tendo que ficar no meio de uma briga agressiva e ofensiva entre a sua mãe, seu pai (ou seja, seu núcleo familiar mais íntimo) e a sua esposa.

O meu pai passou por isso quando se separou da minha mãe, depois de 31 anos de casado, e afirma que esse sofrimento foi a coisa mais difícil que ele já passou na vida.

Durante muitos anos, vivemos um distanciamento e um conflito com a nova esposa dele, devido a circunstâncias que não vale a pena comentar. Para agravar a situação, a nova esposa passou a ser sócia de meu pai, rompendo uma empresa familiar que já estava estabelecida há muitos anos. Imagina só o rolo que isso deu!

No fim, tudo foi apenas um processo natural e saudável de mudança, não sem muita dor e terapia familiar pelo caminho. Como minha mãe diz hoje, a separação foi um movimento extremamente positivo, já que o relacionamento tinha chegado a um esgotamento. Na época, o difícil foi lidar com a perda de poder e controle que ela tinha, além do porto seguro de amor e afeto que se quebrou.

Para Gabriel Medina, isso se traduziu em uma sublimação profunda, resultando no melhor ano da sua carreira esportiva. Faz sentido, no meio de uma dor imensa, ele teve que se agarrar ao surfe para conseguir sobreviver.

No fundo, estes conflitos se alimentam de uma competição por afeto, reconhecimento, controle e poder.

Por que o ódio é tão aderente?

No Brasil, assim como em diversas partes do mundo, o extremismo roubou a atenção e o protagonismo, alavancando políticos profissionais (jogadores que têm interesse em alimentar esse jogo), pois isso valida e fortalece a sua posição no tabuleiro.

Veja só que ironia, os inimigos são interdependentes, a sua existência depende da manutenção da luta ao seu principal opositor, mantendo esse fogo aceso e vigoroso.

Assim como duas crianças, esse jogo é baseado no grito, na provocação e na reatividade, alimentando a escalada da violência, do ódio e da intolerância.

O ser humano tem uma herança tribalista, o mal é sempre projetado para fora do nosso grupo de convivência, fortalecendo diversos mecanismos psicológicos, como a necessidade de acolhimento e pertencimento, ou a certeza apaziguadora de que estamos do lado certo, lutando pelo bem comum, engajando, mobilizando e trazendo sentido à nossa existência.

Como bem resume esse vídeo de humor, do genial Monty Python:

"A grande vantagem da polarização ideológica é que ela te prove de inimigos.

A vantagem de ter inimigos é que você pode fingir que toda a maldade do mundo está em seus inimigos e toda a bondade está em você.

Tentador, não é! "

Monty Python

Odiar é tão sedutor porque estimula a nossa bile, produz hormônios altamente estimulantes, nos fazendo sentir um imenso prazer e euforia.

Com o avanço das milícias digitais e das bolhas ideológicas, odiar tornou-se uma estratégia eficiente de manipular aquilo que as pessoas pensam, trazendo-as para o seu lado e criando inimigos de uma forma conveniente e estratégica.

Sentir-se superior, o detentor de verdades secretas e pertencente a um grupo especial de pessoas que "sabem a verdade", mesmo que elas sejam mentiras bem formatadas ou meias verdades, são alguns dos aspectos que mobilizam um engajamento fiel ao ódio ideológico.

Somos todos juízes, odiamos ser julgados, porém estamos julgando tudo e a todos, em tempo integral. Essa é a função desse mecanismo de projeção: aquilo que mais nos incomoda nos outros é exatamente aquilo que está escondido em nós mesmos, mas não podemos olhar e assumir.

Por isso, criamos o nosso duplo, aquela figura que irá acolher a nossa própria sombra, nos redimindo e nos inocentando. Assim, de forma inocente, perpetuamos o mal, mesmo sem ter consciência disso.

Polarizar tornou-se um esporte nacional

Você já polarizou hoje?

Em um mundo altamente tecnológico e competitivo, a luta pelo controle da narrativa torna-se um jogo perverso e ostensivo.

Voltamos aos tempos do faroeste, a internet é uma terra sem lei, permitindo que o ódio ideológico se espalhe com extrema facilidade e rapidez, nos conduzindo ao caos político, social e econômico.

Um político não é nada sem um bom inimigo. Elimine esse inimigo e você pode, consequentemente, eliminar o seu apelo junto aos ouvintes. Nesse antagonismo, o desgaste político sofrido por um lado alimenta o crescimento do outro lado.

Como sabemos, nesse contexto, vale a lei do quanto pior, melhor. Por exemplo, o extremo desgaste do lulopetismo alavancou e elegeu o antipetismo —e, agora, estamos caminhando para um movimento reverso.

No entanto, a democracia funciona de forma a se autorregular, um movimento engendra o próximo, ou seja, a exemplo do que ocorreu nos EUA, a tendência será fugirmos dos extremos nos próximos anos. Uma hora as pessoas se cansam, ficam esgotadas de alimentar lutas tóxicas e abusivas e as nuvens começam a se dissipar.

Estamos em meio a uma guerra política agressiva, na qual um lado busca se posicionar contra as afirmações e bandeiras políticas do outro lado, mesmo que isso fuja à realidade dos fatos, ou seja, produto de fake news.

A escalada da violência só pode se desenvolver quando os dois lados de um conflito sustentam e alimentam esse processo

É como se, em meio a um grupo diversificado e heterogêneo, dois líderes começassem a brigar de forma agressiva e feroz, mobilizando as atenções, por um longo período, tentando arrastar todos os outros a essa batalha polarizada e cruel. Não se pode relativizar ou discordar das polaridades, fugir das cartilhas dominantes significa trair a luta e ser atacado por ambos os lados. Nesse contexto, eleger o opositor direto apenas manterá essa guerra viva e acesa, perpetuando esse conflito.

Duas pessoas gritando não constroem um diálogo, ao contrário, destroem qualquer possibilidade de se estabelecer uma conversa saudável.

O difícil, agora, será as pessoas abrirem mão do espaço cativo que o ódio ideológico conquistou em seus corações.

O ódio é uma brasa acesa, trazendo um enorme desgaste e sofrimento a quem o carrega, com a firme intenção de jogá-la sobre o inimigo, enquanto ela queima as suas próprias mãos. Odiar é um sentimento exigente, funciona como um sacerdócio, uma escravidão. Por outro lado, ele proporciona uma energia explosiva, um enorme vigor, dá sentido e mobiliza as nossas ações.

O ódio serve como uma boa desculpa moral para eliminar e matar os seus opositores e, mesmo assim, sentir-se um grande defensor da moralidade e do bem comum.

Cultivar o ódio significa projetar o mal no outro, enquanto o mal criou raízes profundas em seu próprio coração.