Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Competir com dignidade, o verdadeiro espírito olímpico
O primeiro ouro olímpico a gente não esquece!
Depois de tantos anos acompanhando as Olimpíadas, desde 1984, em Los Angeles, finalmente o ouro olímpico chegou ao meu currículo como treinador mental de atletas.
Depois de cinco anos de parceria com o Ítalo Ferreira, um título mundial, muita dedicação e centenas de mensagens, temos muito a comemorar.
Nos tornamos o país do surfe e do skate.
Um pouco antes do Ítalo entrar na disputa final, voltei a pé para casa, às 2h da manhã. Eu estava assistindo às Olimpíadas no meu primo, a 20 minutos de onde moro, e o celular ficou sem bateria. Estava muito frio e acelerei para chegar em casa antes da final!
Fiz questão de conversar com o Ítalo e saber se ele precisava de ajuda.
O surfista do Rio Grande do Norte é a personificação da garra brasileira, um cara que não desiste nunca.
Um cara com o coração gigante.
Se tem alguém que merecia esse título, esse alguém é ele.
Não pude conter o choro.
O Ítalo escreveu o seu nome na história do surfe.
Eu tinha certeza de que ele iria conseguir. Só não podia dizer isso a ele, senão, seria ainda mais pressão nas suas costas.
O Medina foi roubado?
A rivalidade tóxica representa o oposto do espírito olímpico. O que estamos ensinando aos nossos jovens? A competir com dignidade e elegância, o verdadeiro espírito do esporte, ou que vale tudo para se chegar à vitória, mesmo que isso implique em jogar sujo e prejudicar o seu adversário, de uma forma desonesta?
O mundo do surfe ficou estarrecido com a atitude do Medina na final em Pipeline, em 2019, quando ele impediu que o seu adversário, seu amigo e conterrâneo, Caio Ibelli, pudesse fazer o que era de seu direito, surfar a sua última onda. As regras permitiam essa manobra tática, mais a ética do esporte abomina o jogo sujo.
Depois desse episódio, tiveram que mudar a regra da interferência intencional. A malandragem brasileira tóxica, a ordem para executar tal manobra, partiu do seu técnico e padrasto, alguém que deveria servir de bom exemplo ao atleta.
No entanto, temos que ter muito cuidado em julgar ao próximo, tenho certeza que o Medina tem uma boa índole e um bom coração, como já demonstrou diversas vezes.
A mídia não perdoa e cai em cima dos famosos e dos atletas em qualquer mínimo deslize, sambando em cima dos seus erros.
O Medina ainda é jovem, ainda tem muito a aprender, e só os tombos, equívocos e frustações nos ensinam, não tem outro caminho.
É triste, em nossa sociedade a fofoca vende muito mais que a notícia positiva.
Afinal, por que temos tanta necessidade de falar mal dos outros?
Esse processo nos confere um prazer irresistível, a sensação de superioridade e a expiação dos nossos pecados, duas coisas irresistíveis à fraqueza do espírito humano.
Essa é uma lei básica da psicologia humana, quando mais insegura e recalcada é uma pessoa, mais necessidade ela sente de se colocar num papel de superioridade. A fofoca cai como uma luva, cumprindo essa função.
A delicada tarefa dos juízes
Para finalizar, na minha opinião, o Medina merecia ganhar a bateria da semifinal olímpica, mas não podemos cravar que foi roubo, de modo algum. A margem de julgamento e interpretação dos juízes naquela manobra incrível do surfista japonês Kanoa Igarashi era bem ampla.
Devemos nos lembrar que o julgamento depende do olhar de quem julga, ou seja, se você convocar vinte juízes diferentes, chegará a vinte julgamentos distintos. Devemos confiar que nas Olimpíadas foram convocados alguns dos maiores profissionais dessa área, cada um de uma nacionalidade diferente, com a devida neutralidade. Eles possuem recursos e critérios que não dominamos, como repetir em câmera lenta cada detalhe da manobra executada.
A reação à derrota do atleta brasileiro foi exagerada, fora do tom, o que já rendeu diversas matérias e fofocas, fazendo a festa da imprensa.
O Medina precisa entender uma questão importante: aquilo que ele fala, a forma como reage, é algo que pode se voltar contra ele mesmo, prejudicando a sua imagem como atleta.
O espírito olímpico lhe pedia para estar na praia na final, torcendo pela vitória do seu país.
Poucos esportes ainda valorizam a elegância esportiva, a ética e o respeito acima de tudo, como o tênis, uma modalidade na qual os atletas costumam aplaudir o seu adversário após uma jogada genial, ou se desculpar após um lance de sorte na partida, entre diversos outros protocolos e gentilezas.
O Barão de Coubertin, que resgatou as Olimpíadas em 1896, depois de 16 séculos de hibernação, tinha um lema em relação ao esporte: "O importante não é vencer, mas competir, e com dignidade." Quase todo mundo se esquece desse detalhe ao final da frase, realçando o espírito da dignidade.
Coubertin lutou a vida toda para manter o caráter amador do esporte, não permitindo que atletas profissionais participassem das Olimpíadas. Parece-me que ele já intuía o que aconteceria mais de 100 anos depois.
Ao invés do ideal romântico, de se praticar esportes para incrementar a saúde e praticar atividades lúdicas de uma forma digna, colaborativa e respeitosa, o que se viu foi exatamente o oposto.
O esporte se tornou um grande business, um negócio bilionário em que impera a lei da competição, do individualismo e do narcisismo, reproduzindo o que o mundo capitalista e competitivo tem de pior.
O esporte se tornou um mundo cão, onde o indivíduo é massacrado e exigido além do seu limite corporal, mental e emocional. Uma guerra, em que só os mais fortes sobrevivem e as exigências por desempenho e competitividade são cada vez mais radicais e severas. Obviamente, essa é apenas uma face sombria do esporte atual, ele ainda continua tendo a sua face solar e saudável.
Mas do que nunca, o mundo precisa resgatar os princípios da dignidade, da honestidade e do respeito, estimulando uma forma de competir que não seja tóxica e negativa, seja na política, seja no esporte.
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