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Nuno Cobra Jr

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Cuidado com a intoxicação do amor próprio

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Imagem: iStock

Nuno Cobra Jr.

Colunista do VivaBem

04/02/2021 04h00

Arrogância: suposta superioridade moral, social, intelectual ou de comportamento, que assume atitude prepotente ou de desprezo com relação aos outros. Analisando a definição de arrogância, com mais cuidado, talvez tenhamos que admitir que todos nós sejamos arrogantes em determinadas situações. Vamos refletir.

Recentemente, assisti ao documentário que homenageia os 100 anos de Ingmar Bergman. O filme é revelador, uma ode ao processo criativo e um desnudamento do homem por trás do mito.

Bergman é um dos cineastas mais consagrados da história do cinema, ganhou dois Óscares, algumas Palmas de ouro em Cannes, leão de ouro em Veneza, globo de ouro e diversos outros prêmios. Depois de mais de uma década realizando filmes medianos, Bergman encontrou a fórmula para ser verdadeiro: falar sobre si mesmo, investigar suas inquietações e, assim, colocar um holofote sobre a sua própria psique.

O seu cinema pode ser entendido como um processo terapêutico em contínua evolução e transformação. Quando abre a porta do seu inconsciente, o que emerge de lá é um turbilhão de imagens e diálogos profundos e inquietantes.

Porém, algo me chamou a atenção nesse documentário. Lá, pude acompanhar o processo de idolatria e de endeusamento que, aos poucos, transformou Bergman em um tirano ególatra, em uma espécie de monumento vivo e cristalizado.

Vou tentar explicar com cuidado como age a roda da fortuna. Quando você fica cheio de si, sentindo-se superior e todos lhe dizendo que você é genial, você, naturalmente, se coloca em um pedestal e, a partir desse momento, entrará na rota para, futuramente, ser entronado como um monumento vivo.

Ao se apegar a essa posição, você passa a se repetir e estaciona, confortavelmente, sobre uma fórmula que já deu certo. Ou seja, você se transforma em um cover de si mesmo. Já vi isso acontecer com grandes diretores de cinema, gurus, políticos e atletas. Os grandes artistas da música Pop e as bandas do Rock são o exemplo mais bem-acabado dessa teoria. Quantas bandas vivem em uma gaiola de ouro, tocando os mesmos sucessos há 30 anos? Quantas celebridades tornam-se escravas da própria imagem que criaram?

Vivemos em um mundo narcisista, no qual o culto ao sucesso e as celebridades propagam um modelo de vida focado no auto interesse e na necessidade de autoafirmação. Atualmente, nosso valor de mercado é medido pelo número de pessoas que nos seguem nas redes sociais, ou seja, quanto mais autopromoção e narcisismo, melhor. Como não se apaixonar pelo espelho no mundo moderno? Eis a questão!

O erro de cálculo

Sentir-se superior é um erro de cálculo, um autoengano estratégico a alimentar nossa vaidade, uma característica comum de nossa humanidade. Em uma sociedade que valoriza a padronização, é como se tivéssemos uma necessidade psicológica de reafirmar, primeiramente, a nós mesmos, o quão especial e diferenciados nós somos A necessidade de autoafirmação se espalha por todos os setores da nossa vida.

Quantos de nós, e me incluo também, não se sentem superiores devido à sua inteligência, posição social, beleza física, consciência, espiritualidade, escolhas alimentares (ex.: veganos) ou escolhas políticas, entre outros?

Todos nós estamos em busca de reconhecimento e autoafirmação, como moscas no mel. Quando você aceita ser colocado em um pedestal ou em um altar, é o fim da linha para a sua criatividade. Ali mesmo, ela pode se acomodar e começar a se repetir. Por isso, me dá calafrios observar como certas pessoas tratam os gurus espirituais. Isso, obviamente, não faz bem a eles, afinal, ter alguém te idolatrando deve afetar a psique de alguma forma.

Olhando esses mestres, deve ser sedutor pensar que sejam seres evoluídos. Na maioria das vezes, nada disso resistiria a um mergulho na sua intimidade. Esse é apenas mais um estranho paradoxo, a sedução da vaidade persegue os grandes mestres, como não ser vaidoso com um séquito voraz te lembrando a todo instante o quão iluminado e especial você é? Esse é o ser humano: um paradoxo ambulante.

O Santo

Ninguém que viva sobre terra é sobre-humano, os santos são ainda mais raros que a nossa capacidade de autocrítica e humildade.

Para um psiquiatra, racional e pragmático, o santo pode ser entendido como uma espécie de profissional da caridade, alguém que foi reforçado pela sociedade em sua bondade, sentiu prazer na imagem que viu refletida no espelho e, a partir daí, ficou obcecado em repetir essa experiência. É bom lembrar que, na medida certa, a vaidade é positiva, afinal, no outro extremo, a sua ausência denota baixa autoestima e falta de autoconfiança. Todos somos vaidosos, uns mais, uns menos, é tudo uma questão de equilíbrio.

Afinal, alguém pode ser chamado de um ser evoluído, uma alma superior? Superioridade não denota arrogância? Iriamos nos aproximar mais da realidade se percebêssemos que evoluir é um processo contínuo, em constante movimento e transformação. Não existe uma linha de chegada, evoluir é um trabalho para a vida inteira. Quem já se acha evoluído, sem perceber, parou. Quando nos apegamos a determinado status ou posição, passamos a gastar muita energia para mantê-lo e, assim, não sobra energia para, a exemplo da própria vida, seguir em frente e continuar em processo de criação.

O fluxo da vida pede desprendimento, coragem e abertura ao novo.

A roda da fortuna é caprichosa, quando você atinge o topo, em seguida, devido a uma intoxicação do amor próprio, pode despencar e cair de cara no chão. Se tiver autocritica e humildade, esse processo será construtivo e novamente poderá te reconduzir ao topo.

Mas, afinal, que topo é esse que tanto buscamos? Por que estamos sempre querendo chegar a um lugar ideal que nunca se realiza? Não busque o topo achando que isso é a solução para a sua felicidade. A fama e o sucesso podem corroer a alma e tem um enorme potencial de destruir vidas.

A propósito, quer saber o segredo da felicidade? Não confiar em fórmulas da felicidade passadas por outras pessoas. Cada um tem o direito de ser feliz do seu jeito. Viver é algo que tem que ser inventado de forma autoral, como no caso de Ingmar Bergman.