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Nuno Cobra Jr

Você segue uma estratégia saudável de treinamento? Tem certeza?

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Imagem: iStock

Colunista do VivaBem

12/11/2020 04h00

Para responder essa questão de forma assertiva, primeiro você precisa ter acesso a novas informações, complementares e opostas ao senso comum associado às formas hegemônicas de treinamento.

Como costumo dizer, o bem-estar tornou-se um mal-estar. Caso o seu bem-estar seja sustentado por um mal-estar, isso é, uma forma de estar no mundo que seja restritiva ou que lhe traga sofrimento, esse bem-estar não é saudável e consciente.

O que você deveria saber?

O primeiro conceito, como já detalhei por aqui, em artigos anteriores, vai fazer você entender que saúde e performance são os dois extremos do treinamento físico, ou seja, quanto mais você se aproxima do espectro da performance, colocando o foco na estética corporal e acelerando os resultados, menos saudável será o seu treinamento.

O equilíbrio entre saúde e performance só poderá acontecer no meio desse espectro, um modelo no qual a busca por resultados proponha estratégias de treinamento equilibradas, moderadas, conscientes e, consequentemente, saudáveis no médio e longo prazo.

O segundo conceito irá te explicar que, como todo organismo vivo, você deveria adotar estratégias orgânicas e naturais de desenvolvimento corporal. O que significa isso?

O crescimento humano, vegetal ou animal segue algumas regras básicas, sem exceção. Nos primeiros anos de vida, esse crescimento será constante, porém, após determinado tempo, ele se estabiliza, gerando um equilíbrio de fluxo, no qual, em vez de continuar em expansão, um organismo passa a manter ou substituir as células que foram perdidas.

Nos seres humanos, isso ocorre por volta dos 21 anos, ou seja, durante a maior parte da nossa vida há um esforço de manutenção corporal.

Em todos os sentidos, o crescimento orgânico e natural se estabelece como um modelo ideal de desenvolvimento físico, associado à saúde, ao equilíbrio e à higidez dos corpos.

Nesse ponto, podemos entender por que a pressa de resultados é extremamente negativa ao treinamento físico, afinal você não joga uma semente no chão e dela nasce uma árvore adulta em poucos meses. Sendo assim, acelerar os resultados é antinatural, pula etapas essenciais e coloca em risco nosso equilíbrio físico, estrutural e orgânico.

Por outro lado, a biologia também conhece outro modelo de crescimento, normalmente associado ao adoecimento e à desorganização corporal, no qual o crescimento celular começa devagar e, aos poucos, atinge uma velocidade de crescimento acelerada, o chamado crescimento exponencial, associado a doenças como o câncer.

Uma grande revolução

Transferir o dilema entre crescimento orgânico e crescimento acelerado para outros setores, como o treinamento físico, significaria uma grande revolução.

No modelo atual, o aluno é convidado a exigir do seu corpo uma evolução constante, seja ela linear, seja exponencial, seguindo uma mentalidade fundamentada na insatisfação. Dessa forma, como ele entende que o objetivo final é obter mais músculos e mais performance no menor tempo possível, direciona sua energia em busca desse ideal, o que pode gerar diversos efeitos colaterais negativos, físicos ou mentais.

Quero propor aqui uma nova abordagem para essa questão, um modelo minimalista, no qual atingida uma condição saudável e equilibrada de desenvolvimento corporal, o aluno seja convidado a fazer apenas uma manutenção dessa homeostase conquistada. Essa estratégia iria "matar dois coelhos com um único golpe", sanando e solucionando grandes equívocos do treinamento físico.

Dessa forma, o caminho ideal do desenvolvimento corporal seria muito mais simples e acessível à imensa maioria da população, o que diminuiria absurdamente o nível de ansiedade, estresse, lesões, assim como a enorme insatisfação gerada pelo modelo atual, o que tem nos direcionado à desistência e, consequentemente, ao sedentarismo e à obesidade, dificultando a adesão do aluno ao treinamento.

O problema é que atualmente essa proposta não interessa muito ao mercado, que busca fidelizar o aluno, o maior tempo possível, não estimulando a sua autonomia e consciência corporal. O mercado ainda não percebeu que facilitar a adesão do aluno, assim como simplificar a jornada proposta, irá colaborar, imensamente, em sua própria expansão, diversificação e florescimento, gerando frutos extremamente positivos.

Em nosso método, adotamos o caminho oposto, avisando ao aluno, desde o início, que após dois anos de consultoria, ele irá adquirir conhecimento, recursos e sabedoria corporal para treinar a si mesmo, tempo que poderá se expandir conforme as necessidades de cada aluno.

Veja bem, o personal trainer já tem o seu espaço conquistado, como um acompanhante especializado, a proposta, aqui, é incluir outro tipo de profissional nesse cardápio, um consultor em treinamento consciente e mudanças de hábito, algo muito mais abrangente, focado na saúde e que estimule a autonomia do aluno.

Na minha opinião, uma consultoria generosa e consciente deve ter um prazo de validade, uma espécie de alta no tratamento, priorizando a simplicidade, a transparência e, acima de tudo, o benefício do próprio cliente, visando também à saúde, não apenas aos resultados estéticos do treinamento.

Somos feitos de vidro?

Em meu primeiro livro, assumi uma posição ortodoxa em relação à busca da performance por atletas amadores, dando a entender que o resultado final desse exagero poderia ser negativo, o que não deveria ser uma verdade absoluta e uma generalização.

O perigo de combater a verdade hegemônica é cair no extremo oposto, estimulando uma polarização, o que, na realidade, nos afasta do caminho do meio, o ponto no qual essas duas verdades opostas e complementares, desarmadas da sua arrogância e prepotência, se encontrariam e se fundiriam. Porém, como sabemos, onde existe polarização não existe diálogo, o que inviabiliza a tolerância e a escuta atenta e generosa ao ponto de vista alheio.

A posição adotada por mim gerou reações da minha classe, como, por exemplo, afirmar que a minha posição pode levar a uma perspectiva na qual o aluno entenda que o seu corpo é muito frágil, "feito de vidro", conforme me questionou um professor de educação física durante uma palestra. Não! Nós não somos feitos de vidro, o nosso corpo tem capacidade de se adaptar e resistir a diversas situações, embora seja saudável entender e respeitar os limites corporais.

Posso parecer radical quando escrevo, porém sou extremamente moderado e ponderado no trato pessoal, sendo o primeiro a relativizar as minhas próprias verdades e colocações, como nos ensina o princípio fundamental do pensamento complexo e filosófico.

Dessa forma, gostaria de retificar a posição assumida por mim, repensando essa questão. Se buscarmos um meio termo, iremos perceber que alguns competidores amadores, ou mesmo os profissionais, podem não sofrer um impacto muito negativo em seu corpo, apesar dos exageros cometidos. Meu pai é um grande exemplo, apesar de ter sido um grande ginasta e competir no atletismo, entre outros esportes, ele conseguiu manter saudáveis suas estruturas nobres, como cartilagens e articulações por muitas décadas.

O segredo, no caso dele, me parece ter sido não expandir esse exagero por muito tempo, afinal, depois dos 23 anos, ele apenas iniciou um processo de manutenção corporal, encerrando a sua carreira nos esportes de competição. Isso lhe permite, ainda hoje, aos 82 anos, ter a possibilidade de correr durante 30 minutos, cinco vezes por semana, uma vez que o desgaste imposto ao seu corpo não foi extremo.

Uma cartilagem pode durar 90 anos ou mais, ou ser consumida em apenas 15 ou 20 anos de treinamento extremo. Detalhe: acabou a cartilagem é "game over"!

Competir faz mal ao corpo?

Conversando com atletas profissionais que competem em esportes de alto impacto, esse cenário muda, uma vez que a imensa maioria deles irá sofrer impactos negativos, na medida em que forem envelhecendo, devido aos excessos cometidos.

Aqui, alguns fatores me parecem ser determinantes: a individualidade biológica, assim como a intensidade e o tempo de exposição ao estresse físico.

Sendo assim, o meu conselho é muito simples, caso você busque um equilíbrio entre performance e saúde, de fato, procurando preservar e cuidar do seu corpo com carinho, não mantenha os exageros corporais por um período muito longo.

Sou apaixonado por esportes —quase fui um tenista profissional— e treino grandes esportistas, além de pessoas comuns, há 36 anos, sabendo que, no caso dos atletas profissionais, existe um preço a ser pago devido a essa paixão.

Por exemplo, em uma entrevista que fiz com a ex-atleta Paula, um ícone do basquete feminino, ela me contou que a imensa maioria das suas colegas da seleção brasileira sofrem com graves questões ortopédicas, tendo enorme dificuldade em manter sua saúde física e mental. No caso dela, um maior cuidado e consciência durante sua vida competitiva parece tê-la protegida de grandes complicações na meia-idade, embora as limitações existam e a atrapalhem bastante, o que lhe demanda um grande esforço de fisioterapia e manutenção física, constante e cuidadosa.

Você está certo e errado ao mesmo tempo

Por fim, deixo-lhe uma reflexão, sintetizada na frase a seguir do filosofo grego Heráclito:

"Os diferentes são reunidos e das diferenças resulta a mais bela harmonia. Todas as coisas se manifestam pela oposição."

Traduzindo: o mundo se apresenta de forma paradoxal, em pares de opostos, o claro não pode existir sem o escuro e vice-versa. Dessa forma, em quase todas as questões que você irá discutir, você estará certo e errado ao mesmo tempo. Como assim? Você deve estar pensando.

Se você ainda pensa da maneira antiga, seguindo as regras do racionalismo pragmático, tão impregnado em nossa sociedade, talvez você ainda acredite que apenas um ponto de vista possa dar conta de uma realidade que é paradoxal (constituída por elementos opostos), mutante e extremamente complexa.

Na verdade, um ponto de vista não deveria excluir o outro, uma vez que cada um deles enxerga a realidade por um ângulo diverso.

A vida não é só isso, ela é isso mais aquilo, entre diversos outros pontos de vista possíveis. Só a soma e intersecção de alguns deles pode tocar, de leve, a realidade dos fatos. Ou seja, assim como um queijo suíço, a nossa realidade é multifacetada e cheia de buracos escuros, ela pode ser fatiada em múltiplas realidades paralelas e complementares. Assim, ao comprar um pedaço do queijo, você compra apenas uma pequena parte da realidade.

Se você briga para ter razão e, nesse processo, se esforça para negar o ponto de vista alheio, saiba que estará, dessa forma, atrofiando e empobrecendo a sua própria percepção da realidade.