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Nuno Cobra Jr

O foco no resultado é uma maldição

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Imagem: iStock

Colunista do VivaBem

01/10/2020 04h00

Que o foco no resultado seja positivo, todos estão cansados de saber. Porém, enxergar que ele também pode ser negativo talvez não seja tão óbvio. Estamos aprisionados, há décadas, a modelos mercadológicos de treinamento nos quais os fins justificam os meios, o tal foco no resultado, estimulando que o aluno vivencie o treinamento como uma forma de autopunição, um sofrimento necessário visando alcançar resultados estéticos acelerados.

A soma entre a expectativa alta e a pressa de resultados detona a "bomba" da desistência coletiva, dificultando que o aluno consiga encontrar sentido ou prazer no treinamento. O foco no resultado pode corromper o sentido da nossa existência, invertendo a ordem natural, na qual o prêmio não pode se colocar à frente do mergulho voluntário e prazeroso no processo, sob pena de inviabilizar ou desvirtuar o nosso caminho.

A dependência excessiva ao resultado final é perniciosa, se o resultado não aparece com rapidez (o que é irreal, idealizado e antinatural), o aluno desiste, perdendo a fé em sua capacidade de aderir ao treinamento, e isso é o pior cenário possível, como veremos mais à frente.

Precisamos resgatar a origem, o sentido maior, a naturalidade e a inocência do movimento. Uma criança não corre, pula ou faz mil estripulias porque quer chegar a algum resultado, ela faz isso porque está totalmente imersa e absorvida por essas brincadeiras, está inteira, entregue, divertindo-se intensamente através dessa atividade.

Se a atividade física não é um dos melhores momentos do seu dia, alguma coisa está fora do lugar"

Ou seja, caso isso aconteça, significa que você ainda não descobriu aquilo que é o mais importante: a necessidade vital, instintiva e o prazer de estar em movimento, aquilo que irá solucionar, de vez, uma relação distorcida, superficial e angustiada com a atividade corporal.

Uma coisa é você ir ao parque porque precisa cuidar da sua saúde ou ficar mais magro e bonito. Isto é, você se vê obrigado a realizar essa tarefa chata, então, o tempo não vai passar e você vai ficar completamente entediado. Outra coisa é você ir ao parque pensando na caminhada como uma forma de terapia, como o mais potente ansiolítico existente no mercado, como uma chance única de estar consigo mesmo, algo tão raro e tão necessário em nossa rotina.

Com essa mudança de perspectiva, essa atividade passa a ser algo muito especial e prazeroso, um espaço só seu de silêncio, reflexão e contemplação, quem consegue ter isso hoje em dia? Como eu sempre digo, a atividade física é um dos principais pilares da saúde mental. Entendeu agora para que serve caminhar?

Os nossos neurônios, células, músculos, ossos, pele, cérebro, enfim, tudo em nosso corpo só pode atingir uma melhor funcionalidade se houver uma manutenção orgânica estimulada por meio da atividade corporal. No entanto, a maioria das pessoas enxergam a atividade física como um fardo, uma obrigação e um problema em suas vidas, quando, na verdade, ela não é um problema, ela é o bálsamo mais precioso, é a solução.

Resgatar o sentido primordial do movimento, estimulando formas equilibradas, orgânicas, prazerosas e naturais de atividade corporal é a principal função de um treinamento consciente.

Clóvis de barros, filósofo pop, um dos palestrantes mais requisitados do país, publicou um vídeo memorável no Youtube explicando os efeitos perversos do foco no resultado, chamado: "O resultado do foco no resultado". Vale a pena conferir, lá ele conta a história de um vendedor novato e a perda gradativa de sua inocência, tentando vender um produto sem omitir ao cliente as suas desvantagens.

Entretanto, ao final, ele se dobra às leis do mercado, aprendendo a esconder os defeitos daquilo que está vendendo. Ou seja, para vender mais, ele tem que aprender a ser menos honesto com o cliente, maquiando a verdade, um dos efeitos perversos do foco no resultado.

Perda da autoeficácia

Existe uma questão complexa: o mercado só muda se você mudar, e vice-versa. Ou seja, essa mudança depende dos dois lados.
Devagar, o mercado começa a migrar para formas mais equilibradas, sustentáveis, inclusivas e conscientes de treinamento físico, abrindo o leque de opções para diferentes perfis de alunos.

A autoeficácia, um conceito criado pela psicologia, define a nossa capacidade de acreditar que conseguimos obter sucesso em nossos objetivos, ou seja, quanto mais derrotas sofrermos, mais frágil torna-se a nossa percepção de autoeficácia, fortalecendo nossos medos e inseguranças, criando, assim, um círculo vicioso.

Vou tentar resumir como o foco no resultado tem impactado negativamente essa qualidade tão essencial. Seguindo uma demanda do consumidor, que é a pressa por resultados, o mercado, a cada década, foi "subindo o sarrafo", apoiando, cada vez mais, fórmulas instantâneas e radicais de treinamento.

Qual o resultado disso? A "nota de corte" e o "funil" ficaram muito estreitos, dificultando que os resultados do treinamento se materializem de forma democrática e atinjam a maior parte da população que se encontra sedentária e fora de forma.

Na última década, o mercado chegou ao esgotamento ao dar ao aluno aquilo que ele pede: resultados rápidos por meio de métodos milagrosos e radicais. Sem perceber, o mercado reduziu seu público-alvo a um número cada vez mais restrito e seletivo, dificultando imensamente o desenvolvimento da autoeficácia e o processo de adesão ao treinamento. Como diz meu pai:

O professor que ensina e ninguém aprende é igual ao comerciante que vende e ninguém compra, ou seja, ele não está cumprindo o seu propósito" Nuno Cobra, treinador físico e mental

A função mais nobre de um treinador é construir um caminho acessível e viável rumo à saúde e à consciência corporal de cada aluno. Hoje, a inversão de valores criada pelos excessos do tal foco nos resultados, sempre em curto prazo, leva à necessidade de repensar os modelos hegemônicos e comerciais de treinamento.

Para aumentar a eficácia do treinamento, devemos adequá-lo, com todo o cuidado, de forma lenta e gradativa ao perfil de cada aluno, redirecionando o foco para os resultados de médio e longo prazo, priorizando a saúde e a consciência, sem pressa. No entanto, isso, por si só, significaria alterar todo o marketing, métodos, estratégias e a mentalidade do modelo dominante.

A receita mais efetiva para combater a perda da eficiência e a desistência no treinamento seria proporcionar ao aluno um caminho equilibrado e acessível rumo aos seus objetivos, redimensionando o tamanho de cada "degrau", de cada desafio proposto em cada fase do treinamento.

No modelo atual, essa graduação é feita aos saltos, ou seja, os degraus são poucos e muito altos —para a grande maioria, eles se tornam intransponíveis. Na realidade, a graduação da intensidade do treinamento deveria ser cuidadosa e sensata, na medida exata, sem exagero, feita de pequenos degraus, que podem ser vencidos com facilidade.

Esse processo estimula e resgata a confiança de cada aluno em sua capacidade de atingir seus objetivos. Só assim podemos resgatar a fé necessária para aqueles alunos que já tentaram de tudo e não conseguem aderir ao treinamento. O problema é que o desespero acaba levando esse perfil de aluno a lançar mão de fórmulas radicais, ou seja, eles tentam de tudo, porém sempre a partir da mesma mentalidade e estratégia, o que vai desaguar sempre no mesmo resultado.

Ao contrário da lenda, uma fórmula mais eficiente, acessível e saudável de treinamento não implica em dor e sofrimento, mas em regularidade, equilíbrio e moderação, como já expliquei por aqui.

O fim de uma era

Vivemos o fim de uma era dominada pelo racionalismo materialista, na qual o sucesso de um homem é medido pela sua capacidade de suportar enormes sacrifícios, passando por cima, como um trator, de qualquer dificuldade que se apresente, para, então, conseguir atingir seus objetivos.

Nessa visão utilitarista e produtiva, o prêmio final justifica uma vida de sofrimentos e sacrifícios, reforçando a necessidade de abdicar de qualquer tipo de distração, ainda que seja a sua própria saúde, seu tempo para a família ou qualquer outro sentido mais profundo em sua existência. Afinal, o foco no resultado é imperioso e cruel, ele costuma cobrar um preço muito alto em seu caminho rumo ao prêmio final.

Estrategicamente, assim como uma "cenoura na frente do coelho", o caminho nunca chega ao fim, quanto mais você tem, mais guloso e sobrecarregado você se torna, girando a roda da insatisfação e do consumo.

Atualmente, com a queda desse mito, começamos a perceber que o sucesso não pode estar separado do bem-estar, do propósito e da felicidade, devendo abranger uma dedicação equilibrada e menos racional a outros setores da nossa vida, resgatando a nossa humanidade.

Quando transportamos esse conceito para o treinamento, vemos que ele dominou e condicionou a mentalidade dos alunos, que se oferecem, de bom grado, a toda forma de sacrifício, idealizando o prêmio final, o corpo perfeito —tão sonhado e, ao mesmo tempo, inatingível e subjetivo.

Dessa forma, o pobre do treinamento, um dos pilares mais fundamentais da nossa saúde física e mental, ficou esvaziado de sentido, sendo associado, para o grande público, a uma forma de obrigação, uma tarefa chata, uma medicação amarga que somos obrigados a engolir para alcançar resultados estéticos, colocando, assim, a "carroça na frente dos bois", ou seja, as pessoas não se preocupam em desenvolver uma relação de sentido e prazer com o treinamento, para, depois, poderem colher os resultados positivos dessa mudança de mentalidade.

Você realmente busca cuidar da sua saúde? Será? Então, para começar, você deveria colocar o foco do seu treinamento na saúde e não na estética, uma vez que esses dois extremos do treinamento são antagônicos, eles só se encontram no meio do caminho, quando não existe radicalismo para nenhum dos lados, chamamos isso de moderação.

Primeiro busque a saúde e, como consequência, tenha um corpo bonito e equilibrado, esse é o meu principal conselho. O resultado será mais demorado? Obviamente que sim, é desejável, saudável e conveniente que seja assim, afinal o seu corpo é um organismo vivo e não um objeto de consumo.