Contra o medo e a paralisia, cultivar uma esperança ativa é necessário

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"Estamos numa multicrise. Olhamos amedrontados para um futuro sombrio e falta esperança em toda parte. Saltamos de uma crise para a outra, de uma catástrofe para outra, de um problema a outro. Entre pura resolução de problemas e gerenciamento de crises, a vida definha: torna-se sobrevivência." Byung-Chul Han
Mas se a vida anda a definhar, e nós, a posar como meros sobreviventes, de que vale a vida?
Em "O espírito da esperança contra a sociedade do medo", Han, filósofo sul-coreano cuja obra estudo em minha pesquisa, nos provoca a pensar que fazer a vida valer a pena não é um ato passivo —ainda mais em tempos acelerados, como os atuais. Ele defende a esperança como uma ativa atividade, ideia que inspirou o título "Esperançar como ativismo" para um dos cursos recentes que ofereci.
Recentemente, o estudo "O Brasil que o Brasil quer ser" revelou que a esperança é o principal sentimento dos brasileiros sobre o país. Se o Brasil fosse uma pessoa, 45% da população teria por ela o sentimento de esperança.
Na sequência, aparecem sentimento de frustração (34%), tristeza (25%) e vergonha (25%), todos inversamente opostos. O estudo revela também uma "metamorfose da esperança": de termos esperança de um dia "dar certo" para sermos a esperança de um mundo em crise.
Se partirmos da noção de esperança que Han nos apresenta: o que seria, de fato, alimentar esperança pelo nosso país?
Para Han, "ao contrário do pensamento positivo, a esperança não vira as costas para as negatividades da vida. Ela permanece ciente delas". Ao contrário de um otimismo superficial e, por vezes, tóxico, o autor defende uma consciência crítica que encara a realidade e, a partir dela, "não isola as pessoas, mas as conecta e reconcilia".
Para o filósofo, "a esperança é magnetizada pelo amor. Ela reconcilia, une e alia", diferente do medo, que "não se coaduna com a confiança, nem com a comunidade, nem com a proximidade, nem com o toque. Ele só provoca alienação, solidão, isolamento, perda, impotência e desconfiança". Ou seja, ele associa a esperança à confiança, à capacidade humana de, em comunidade, ir além do que se apresenta como realidade naquele momento, por mais desafiador que o seja.
Entendendo a esperança desta forma, nos perguntamos se de fato o que alimentamos pelo país é esperança ou se o retrato que vemos é a velha aposta em um modelo de esperança como algo que está fora de nós. A esperança da espera (e às vezes do desespero) e não aquela, que ao ser anunciada, anuncia também um comprometimento na ação, na transformação.
Acelerados, cansados, exaustos, correndo, trabalhando e consumindo, navegando entre uma tela e outra, como vamos cultivar (de fato, e na ação) a esperança? Em um país de realidade tão perversa e desigual, quem pode se fazer estas perguntas e alimentar, de fato, alguma esperança, algum sonho, alguma imaginação de horizonte e futuro de um vindouro que seja promissor? Desprovidos de tempo para cultivar relações e imaginação, como é possível semear esperança?
Ou ainda: quer dizer que além de trabalhar 24 horas por dia, 7 dias por semana, ainda temos que ter tempo para alimentar esperança e agir em direção a ela?
Não. Se olharmos como mais uma tarefa, a conta não fecha.
Mas podemos buscar frestas para adentrar no jeito, na qualidade em que as coisas acontecem, e nos perguntar todos os dias onde é possível esperançar nas cotidianices, nas miudezas significativas que podem ser transformadoras (ao serem transformadas).
Han diz "quem não sonha pra frente não arrisca um novo começo. Sem o espírito da esperança, a ação se definha em mero fazer ou em resolução de problemas". O nosso maior poder talvez esteja em transformar, então, o olhar passivo de quem espera sentado sozinho por soluções, no olhar ativo de esperançar, que constrói comunidade.
A esperança não é apenas a última que morre. Ela, quando plantada intencionalmente, é a semente de novos futuros, que germina uma maneira —mais desacelerada e plena, de nos relacionarmos com a realidade, entre nós e com a vida.
*Ana Biglione é consultora, facilitadora e minha parceira de docência no curso "Esperançar como ativismo".
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