Quando até descansar vira tarefa: o cansaço como epidemia coletiva

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Tem dias em que a gente já acorda acelerado, passa o dia todo executando uma enorme lista de tarefas, almoça dividindo o tempo com outras demandas, corre para um lado e para o outro e atende a todo tipo de solicitação.
No fim, mesmo que tenhamos feito alguma atividade física ou tido algum tempo de pausa ou descanso, ainda assim, nos sentimos —além de exaustos— improdutivos. Dá aquela sensação de que fizemos tudo e não fizemos nada.
Talvez seja por isso que o filósofo sul coreano Byung-Chul Han afirmou que esta vida "hiperativa" é na verdade "hiperpassiva". Porque, segundo ele, deixamos de (ter tempo para) pensar e o pensamento seria "a mais ativa atividade".
Em seu célebre livro "Sociedade do Cansaço" (publicado em português pela Editora Vozes) Han dá nome a uma série de estruturas desta sociedade em que o trabalho se totalizou como lógica e como prática.
Para mim, a grande contribuição da obra é a compreensão do cansaço como questão coletiva e não individual.
Quando nomeia de "sociedade do cansaço" o fenômeno, Han nos ajuda a entender que a exaustão não é apenas minha ou sua. É uma dinâmica social.
E, portanto, este cansaço somado à sensação de improdutividade que todos sentimos em algum momento não são de responsabilidade apenas sua e não devem, assim, gerar a sensação (comum nestes casos) de que não estamos dando conta.
Ninguém está dando conta. E quando Han afirma que o trabalho se totalizou, isso nos apoia a entender isso de duas formas diferentes.
A primeira tem a ver com o fato de que trabalhamos 24/7, 24 horas por dia, 7 dias por semana. Especialmente (mas não apenas) por conta da hiperdisponibilidade para o trabalho gerada pelas tecnologias, passou a ser razoável (e em alguns casos, desejável; em outros, exigível) que estejamos em prontidão para o trabalho a todo momento.
Quem nunca precisou arquivar aquele grupo de WhatsApp do trabalho para conseguir descansar de verdade? Na França, por exemplo, o direito à desconexão foi incorporado à legislação trabalhista. Desde 2017 as empresas com mais de 50 funcionários são obrigadas a definir horários em que os empregados não precisam estar disponíveis.
A segunda diz respeito à ideia de que além de ser razoável estarmos disponíveis para o trabalho ininterruptamente, transferimos para outros "setores" da vida a lógica de produtividade do trabalho: queremos "entregar tudo" nos relacionamentos, "monetizar" os passatempos, ganhar mais "likes" nas férias e ser os melhores nos esportes que praticamos.
A dinâmica do resultado se aplica a tudo na vida. E isso faz com que estejamos desempenhando o tempo todo. Somos "sujeitos do desempenho", como nomeia Han.
E sujeitos do desempenho não param nunca. Por isso, o autor chama atenção para a relação entre esta lógica e as síndromes comuns relacionadas à saúde mental: depressão, ansiedade e burnout estariam conectadas de alguma forma a este modo de vida ininterrupto e que além de nos submeter a jornadas exaustivas, nos convence de que é necessário medicar os sintomas para seguirmos produtivos.
Mas não é apenas isso. Han também afirma nesta obra que a crescente sobrecarga de trabalho torna necessária técnicas específicas relacionadas ao tempo e à atenção. Você já deve ter visto um anúncio de vaga de emprego que valoriza o candidato "multitarefas".
Para Han, esta é uma técnica temporal e de atenção que não representa nenhum progresso civilizatório; pelo contrário, é um retrocesso, na medida em que realizar mais de uma tarefa ao mesmo tempo não apenas faz com que não se desempenhe nenhuma delas com qualidade, como —aos poucos— vai sequestrando a atenção plena e a capacidade de humanidade dos indivíduos.
Aos poucos, vamos sendo condicionados a um funcionamento de desempenho mecânico e maquínico. E quando estamos operando desta forma, é difícil recobrar a consciência e a presença.
Por isso que desacelerar é necessário e não se trata de ser devagar, mas de recobrar nossa condição humana, recobrar os sentidos, entender que somos corpos de pessoas e não máquinas.
Han nos ajuda a entender que não faremos isso sozinhos. Precisamos entender que isso está acontecendo, transformar nosso entorno, mudar mentes, culturas e a sociedade.
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