Velocidade x2 do WhatsApp na vida: precisa mesmo viver no modo acelerado?

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A gente olha o celular antes mesmo de levantar da cama e é ele a última coisa que a gente vê antes de dormir.
Passa o dia emendando uma tarefa na outra sem pausas.
Não tem momentos offline. Até nas refeições, "aproveitamos" o tempo para fazer outras coisas ou para "nos distrair" assistindo a um vídeo ou ouvindo um podcast.
Não é à toa que temos a sensação de que estamos vivendo na velocidade x2 do WhatsApp.
E isso não é apenas uma impressão. Uma pesquisa realizada pelo Datafolha em 2023 constatou que 43% da população brasileira vive no modo acelerado.
Se é uma percepção coletiva, não é uma questão individual. Ou seja: o problema não está apenas em você. Não é você que não está dando conta. Estamos vivendo o que especialistas como o alemão Hartmut Rosa nomeiam de aceleração social do tempo.
Estamos vivendo mais coisas em uma mesma unidade de tempo. O que antes levava décadas para acontecer, está acontecendo em anos; o que demorava anos, acontece em meses; e o que demandava meses consome dias, e assim por diante.
Na prática, estamos - como humanidade - vivendo transformações em um ritmo mais acelerado de fato. E isso vale para nosso cotidiano: quantas vezes você acabou o dia tendo feito um milhão de coisas e com a sensação de que não fez nada?
Além de deixar a vida x2 por fazermos mais coisas em menos tempo, a aceleração mexe com a nossa atenção e com a nossa condição de presença, fazendo a gente ficar menos consciente e deixando a gente no modo "automático".
Mas então, será que é possível desacelerar? Como fazer isso em um mundo que corre?
O primeiro passo para caminhar rumo à desaceleração é entender que não se trata de ser devagar. Desacelerar é sair do automático e se perguntar quando a velocidade faz sentido e quando ela não faz, mas estamos correndo apenas porque este é o modo padrão.
Aqui, vale a ressalva: às vezes a velocidade faz sentido. É urgente, por exemplo, transformar o modo como nos relacionamos com o planeta. Mas às vezes a velocidade não faz sentido e nós corremos, porque este é o modo automático; porque a pressa está normalizada e internalizada como a única forma de proceder.
Quantas vezes você já respondeu a uma mensagem sem perceber o que estava respondendo e depois voltou naquela mesma mensagem e não reconheceu o que você mesmo escreveu?
Quantas vezes agiu reativamente em uma conversa e depois pensou que poderia ter sido diferente?
Quantas oportunidades você perdeu porque procurou um atalho ou uma solução rápida, quando aquela determinada situação demandava um pouco mais de tempo?
Desacelerar é recobrar os sentidos, estar presente, entender que somos pessoas, somos gentes e não máquinas.
O segundo passo para fazer esta busca sem sofrer tanto achando que não está dando conta é justamente compreender que a aceleração está no mundo e não apenas em nós. É nos perguntarmos por que estamos tratando individualmente problemas que são sistêmicos.
Ou por que achamos que as pessoas estão aceleradas e não conseguimos entender que estamos todos doentes de velocidade. A quem interessa que mediquemos indivíduos em vez de remediarmos nossas questões coletivas?
Para começar esta conversa, eu diria que é possível viver de forma desacelerada em um mundo que corre, mas se tratarmos a desaceleração como escolha, estamos assumindo esta possibilidade como privilégio. Prefiro pensar que não devemos tratá-la como escolha, mas como um direito. E, nesse sentido, batalhar para democratizar o acesso às possibilidades de desaceleração, descanso, desconexão e regeneração.
O grande paradoxo disso tudo talvez seja: não conseguiremos sanar a aceleração do mundo apenas a partir de uma perspectiva de saídas individuais, visto que a velocidade e a pressa são questões sistêmicas; no entanto, não nos moveremos se não nos mudarmos enquanto pessoas cansadas, exaustas e exauridas que estamos com tudo isso que estamos atravessando.
Podemos, por exemplo, evitar começar o dia olhando o celular, fazer mais pausas, viver momentos offline, fazer as refeições sem distrações, dedicar mais atenção e presença às pessoas que amamos.
Mas também podemos nos questionar: quem hoje tem condição de fazer estas escolhas?
Teremos muito tempo para falar disso tudo. Estou muito contente com a inauguração deste espaço de reflexão, em que pretendo explorar os múltiplos temas que podem ser tratados pela perspectiva da aceleração - desaceleração da vida de um lugar mais coletivo e das saídas sistêmicas das quais precisamos lançar mão se quisermos de fato desacelerar e regenerar corpos, relações e mundos.
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