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Mariana Varella

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Poliomielite: sem vacinar, a doença vai voltar

Em poucos casos, a poliomelite pode causar paralisia ou fraqueza nos braços, pernas ou ambos. -
Em poucos casos, a poliomelite pode causar paralisia ou fraqueza nos braços, pernas ou ambos.

Colunista do UOL

10/08/2022 04h01

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Em julho deste ano, autoridades sanitárias dos Estados Unidos reportaram um caso de poliomielite em Rockland County, no estado de Nova York, depois de mais de 30 anos da última ocorrência de contaminação pelo polivírus no país. O vírus foi localizado em amostras do sistema de esgoto da região e de duas localidades próximas.

A notícia não apenas gerou medo nos EUA e em outros países, mas foi um prato cheio para desinformação acerca da vacina.

As autoridades americanas confirmaram que, embora a pessoa que tenha contraído o vírus da pólio não estivesse vacinada, ela foi exposta ao vírus eliminado por alguém que recebeu a vacina oral, também conhecida como Sabin, que contém o vírus atenuado e não é mais aplicada nos EUA desde 2000, ainda que seja utilizada em muitos países, incluindo o Brasil.

Esse tipo de vacina é seguro e efetivo e tem a vantagem de evitar a transmissão do poliovírus em locais que não contam com boa rede de saneamento básico. Ao não se vacinar, o morador de Nova York se tornou suscetível a contrair o vírus que, ainda de acordo com as autoridades, sofreu uma mutação para a forma patogênica.

Por um lado, o receio de que a pólio volte a assombrar faz sentido, e alguns especialistas acreditam que isso seja questão de tempo. A taxa de vacinação contra a doença, que deve estar por volta de 80% para que haja imunidade comunitária (de "rebanho"), está baixa em todo o mundo, em especial por conta da pandemia de covid-19.

A pólio é uma doença altamente contagiosa, que pode se disseminar mesmo que a pessoa com o vírus não apresente sintomas, que incluem fadiga, febre, dor de cabeça, dor muscular e vômito, sintomas comuns a muitas infecções. Em alguns poucos casos, 1 a cada 200, de acordo com o CDC, pode haver paralisia ou fraqueza nos braços, pernas ou ambos.

A transmissão se dá por via oral-fecal (contato da boca com fezes contaminadas) ou oral-oral, por meio de gotículas expelidas ao falar, tossir ou espirrar.

Quem se recupera da pólio pode, ainda, apresentar a síndrome pós-pólio, uma desordem neurológica que acomete pessoas infectadas cerca de 15 anos depois de terem sido contaminadas pelo vírus. O quadro não é provocado pela reativação do vírus, mas pelo desgaste proveniente da utilização excessiva dos neurônios motores próximos daqueles destruídos pelo poliovírus.

A doença assusta pelo seu histórico: no século 20, vários surtos e epidemias da doença marcaram a história de vários países, atraindo a atenção da opinião pública na década de 1950, quando os casos estouraram em diversas cidades do mundo. Era comum, nessa época, a imagem de crianças com paralisia infantil grave, algumas precisando do famoso "pulmão de aço", estrutura com tubos cilíndricos onde a criança era mantida deitada apenas com a cabeça para fora, submetida à ação de uma bomba de vácuo que diminuía e aumentava a pressão do ar para ser inalado e expirado pelos pulmões que não conseguiam respirar por causa da fraqueza muscular causada pela doença.

A partir da década de 1960, foram feitos esforços para o controle da doença, com a vacinação em massa utilizando a vacina Sabin. Na década de 1970, o Brasil adotou uma estratégia de enfrentamento à pólio coordenada nacionalmente, instituindo o Plano Nacional de Controle da Poliomielite, abandonado em 1974 após sanitaristas concluírem que a vacinação de rotina não era suficiente para controlar a doença.

Apenas em 1980 o governo brasileiro voltou a estabelecer uma ação estratégica de combate à pólio, instituindo a primeira campanha de vacinação em massa.

Em 1989, foi notificado o que seria o último caso da doença provocada pelo vírus selvagem no país, na cidade de Souza, na Paraíba (PB). Em 1994, o país recebeu a Certificação de Área Livre de Circulação do Poliovírus Selvagem da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).

Vacinas

Existem duas vacinas disponíveis no Brasil para prevenir a doença:

  • VIP (vacina inativada injetável, também conhecida como Salk): É aplicada na rotina de vacinação infantil, aos 2, 4 e 6 meses, com reforços entre 15 e 18 meses e entre 4 e 5 anos de idade. Na rede pública as doses, a partir de 1 ano de idade, são feitas com a VOP.
  • VOP (vacina atenuada oral, também conhecida como Sabin): Na rotina de vacinação infantil nas Unidades Básicas de Saúde, é aplicada nas doses de reforço dos 15 meses e dos 4 anos de idade e em campanhas de vacinação para crianças de 1 a 4 anos. Essa vacina é adotada pelo SUS porque, além de ser mais fácil de administrar (bastam duas gotas por via oral), ela é eliminada nas fezes, protegendo outras pessoas vulneráveis que não tomaram a vacina, em especial em regiões onde o sistema de saneamento básico é precário.

Desde 2015, o Brasil enfrenta uma queda na cobertura vacinal de todas as doenças para as quais existem vacinas. Entre os motivos apontados pela Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), estão falta de informação dos profissionais de saúde acerca do calendário vacinal; falta de informação da população; pouca confiança em governantes, instituições e profissionais de saúde; horário limitado de funcionamento dos postos de saúde; desinformação; comunicação falha; e crescimento do movimento antivacinista.

A cobertura vacinal contra a poliomielite vem caindo significativamente. Em 2015, o Brasil vacinou 98,3% do público-alvo, taxa que caiu para 84,2% em 2019 e para 75,9% em 2020, segundo o Instituto de Políticas Públicas de Saúde (Ipes). De acordo com o Ministério da Saúde, em 2021 a cobertura com as três doses iniciais da vacina foi de 67%; com as doses de reforço, 52%.

Nesta segunda-feira (08), começou a Campanha Nacional de Vacinação contra a Poliomielite para menores de 5 anos. A iniciativa do Ministério da Saúde tem como objetivo reduzir as baixas taxas de vacinação no país e vai até 9 de setembro.

O único caminho para não vermos a volta da poliomielite, em especial em um país com saneamento básico tão deficiente, é a vacinação em massa das nossas crianças. Não tem outro.