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Mariana Varella

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Confusão nos critérios que permitem aglomerações gera críticas seletivas

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Imagem: Reprodução/Instagram

Colunista do UOL

01/12/2021 04h00

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Cláudia Leitte foi duramente criticada nas redes sociais por ter realizado um show em São Paulo, no dia 27/11/21. Chamada de "genocida" e "assassina", a cantora disse que as críticas foram seletivas, já que sua equipe seguiu os protocolos definidos pelo governo do estado de São Paulo, como só permitir a entrada de até 3.000 pessoas cuja vacinação fosse comprovada. Apenas o uso de máscara não foi respeitado pelo público, mas sua obrigatoriedade em local aberto deve cair no dia 11 de dezembro na capital paulista.

Embora seja possível questionar se é hora desse tipo de evento, a artista não deixa de ter razão. Por que ela não deveria fazer um show, se obteve autorização dos órgãos competentes e cumpriu os protocolos? Por que genocida, se os estádios de futebol estão abertos e há centenas de festas e eventos ocorrendo em locais fechados, muito mais perigosos, em todo o estado?

O Carnaval também tem gerado discussão acirrada. Alguns municípios brasileiros suspenderam a festa, e, sem nenhuma surpresa, o tema dominou as redes sociais e a mídia. Críticos das festas argumentam, não sem razão, que em março muitos terão recebido a vacina há mais de 6 meses, quando a imunidade gerada pelos imunizantes começa a diminuir significantemente. Já os defensores da folia alegam que não se questiona com a mesma voracidade festas como as de Ano-Novo, usando o argumento de seletividade de Leitte.

De fato, estamos todos meio perdidos. Quais as regras e protocolos para aglomerações? Eles foram determinados por dados epidemiológicos ou as autoridades estão apenas considerando critérios econômicos e políticos, já que restrições de liberdade são medidas impopulares? E mesmo que os conheçamos, confiamos nas autoridades que os estabeleceram?

Os critérios para aglomerações podem e devem variar de acordo com o estado e o município, pois dependem dos dados epidemiológicos e de vacinação de cada região, além da existência ou falta de infraestrutura para manter os protocolos.

O Brasil é um país grande demais e muito desigual, como sabemos. O município de São Paulo, por exemplo, está com mais de 70% de sua população totalmente vacinada, enquanto a cidade de Santarém, no Pará, tem apenas cerca de 42% de taxa de cobertura vacinal. Com alto percentual de vacinados, a capital paulista pode permitir algumas flexibilizações das regras de restrição a que Santarém ainda deve se sujeitar, ao menos em teoria. Pode não ser justo penalizar estados e municípios mais pobres e com menos condições de acelerar a vacinação, mas, infelizmente, é necessário para evitar que os mais vulneráveis adoeçam gravemente ou morram.

Mesmo que as recomendações possam variar de região para região, o Ministério da Saúde deveria ser o órgão responsável por fornecer diretrizes, coordenar e comunicar a resposta nacional à pandemia, em conjunto com governadores e prefeitos. Sabemos que não cumpriu seu papel. Com isso, ficou a cargo apenas dos governos estaduais e municipais estabelecerem normas de enfrentamento à maior crise sanitária dos últimos cem anos.

Deu no que deu. Cada local agiu como achava que deveria e segundo suas capacidades e interesses, cedendo mais ou menos às pressões econômicas e políticas, seguindo em maior ou menor grau as recomendações sanitárias. Assim, alguns estados e municípios conseguiram controlar melhor a crise, outros apresentaram respostas desastrosas.

A população, sem diretrizes e informações coordenadas e comunicadas, passou a criar seus próprios critérios, com base nos seus valores e conhecimentos individuais. Sabemos que nossa percepção de risco varia de acordo com fatores subjetivos. Para alguns, faz sentido correr mais risco para se juntar aos amigos numa festa de Réveillon, mas é um absurdo aderir aos festejos de Carnaval, embora ambos os eventos ocorram em espaços abertos.

Outros, ainda, acreditam que se podemos sair para trabalhar todos os dias, confinados em coletivos e escritórios lotados, por que não festejar ao ar livre, em cidades com alta cobertura vacinal?

E também há aqueles que acham absurda a ideia de uma festa popular em ambiente aberto, mas não se importam de ficarem em locais fechados e lotados, em companhia de centenas de pessoas sem máscara.

Leitte está certa, somos seletivos. Para nossas escolhas individuais, adotamos critérios subjetivos. Se eles não comprometem direitos alheios nem põem outras pessoas em risco, não há nada de errado nisso. O erro está na falta de uma resposta coordenada de enfrentamento à pandemia, baseada em evidências e dados epidemiológicos e sanitários, que coloque a saúde da população como prioridade e seja bem comunicada. Sem isso, ficamos à mercê das informações que recebemos e avaliamos com toda nossa bagagem individual: crenças morais, gosto pessoal, nível de conhecimento científico, tolerância ao perigo, experiência, entre outros.

Pessoalmente, acho que não seria a hora de grandes aglomerações sem que se pudesse exigir o uso de máscaras. De nenhum tipo, nem mesmo em espaços abertos. Defendo isso com base no fato de que a pandemia não acabou no Brasil, embora esteja mais bem controlada, e nos dados que nos chegam da Europa e agora da África, que têm visto um aumento recente de casos e a circulação de uma variante potencialmente mais contagiosa.

Acontecerá a mesma coisa aqui? Não sabemos. Provavelmente, acredito, não enfrentaremos nada parecido com o que ocorreu no primeiro semestre de 2021: nossa taxa de vacinação avança e estamos iniciando a aplicação da terceira dose nos mais vulneráveis.

Mesmo assim, não podemos afirmar muita coisa. Como foi dito, as taxas de vacinação são desiguais, e com o vírus ainda circulando, podemos ver surgir variantes que escapem às vacinas. Portanto, seria a hora de arriscarmos? Neste momento, não parece mais recomendado informar as pessoas que elas podem frequentar eventos ao ar livre, onde seja possível manter o distanciamento físico, ou em ambientes fechados, com restrição de público e uso de máscaras bem ajustadas?

O que não podemos é admitir que proibamos determinadas festas porque não gostamos delas. Não é correto permitir aglomerações que satisfaçam nossos critérios subjetivos e nossa percepção individual de risco e recriminar outras. Precisamos de regras claras e bem comunicadas, definidas com base em critérios epidemiológicos e sanitários. Se isso não ocorrer, só nos restará guardar o adjetivo de "assassino" para lançar contra aqueles que fazem o que não fazemos.