Caneta com 7,2 mg de semaglutida emagrece mais sem aumentar efeito adverso
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Neste sábado (21), às 15h50, no horário de Brasília, alguns dos 12 mil participantes do congresso anual da ADA (American Diabetes Association), que acontece em Chicago, nos Estados Unidos, terão a oportunidade de conhecer os resultados do STEP UP. Trata-se de um estudo fase 3, ou seja, já naquela reta final que antecede o pedido de aprovação de um novo medicamento.
E qual seria o medicamento, no caso? A semaglutida para tratar a obesidade. Talvez ache que não há novidade alguma nisso. Mas, desta vez, os pesquisadores testaram 7,2 miligramas da molécula em pessoas com IMC (índice de massa corporal) igual ou maior que 30 kg/m2.
Faça as contas: isso é quase três vezes mais do que se encontra de semaglutida no Wegovy, indicado para tratar obesidade, com seus 2,4 miligramas na dosagem máxima.
No organismo, a semaglutida funciona como um agonista do GLP-1. Isso quer dizer que ela gira as mesmas chavinhas desse hormônio produzido pelo intestino que, entre outros papeis, aumenta a sensibilidade à insulina e ainda dispara a sensação de saciedade.
Os resultados da dosagem mais alta impressionam. "A perda de peso média foi de 20,7%. E um em cada três participantes perdeu mais de 25% do peso inicial", antecipa a endocrinologista Julia Cabral Bastos, gerente médica de diabetes da Novo Nodisk, que promoveu o STEP UP.
Antes que alguém estranhe o estudo de uma nova proposta de tratamento da obesidade sendo apresentado em um dos maiores eventos sobre diabetes do mundo, a médica explica: "Sabemos que 86% das pessoas com diabetes tipo 2 têm sobrepeso ou obesidade. Por sua vez, 31% dos indivíduos com obesidade têm diabetes tipo 2".
Esses números mostram que as duas doenças andam de mãos dadas, em uma parceria não é nada boa, principalmente para o coração. Ora, metade das mortes relacionadas ao diabetes e dois terços daquelas relacionadas à obesidade são por doença cardiovascular. Portanto, para esses pacientes perder peso pode ser uma questão vital.
Como foi o estudo
O STEP UP envolveu 1.407 pessoas com obesidade. Elas foram orientadas a mudar o estilo de vida, adotando uma alimentação saudável e praticando atividade física. Até porque não custa repetir: nenhum remédio antiobesidade faz tudo sozinho.
Houve, então, um sorteio que dividiu os participantes em três grupos. Sem saber o que estavam usando, um deles recebeu placebo, isto é, um medicamento de mentira. Outro foi tratado com aplicações subcutâneas de semaglutida, aumentando a dose a cada quatro semanas até chegar a 2,4 miligramas.
Finalmente, o terceiro grupo também foi aumentando a dose aos poucos a cada quatro semanas. Mas, depois da dose de 2,4 miligramas de semaglutida, seus integrantes foram direto para os 7,2.
Todos foram acompanhados por 72 semanas. Nesse período, quem usou placebo perdeu somente 2,4% do peso inicial. Já quem usou a dose menor de semaglutida (equivalente à do Wegovy) perdeu 17,5% contra os 20,7% da dose maior.
O medo de efeitos colaterais
Se, ao ver a dose mais alta, esse receio passou pela sua cabeça, é justíssimo. Afinal, os próprios médicos já sentiram esse temor no passado. E provavelmente voltaram a sentir agora.
O endocrinologista Bruno Geloneze, professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campiinas), onde é investigador principal do OCRC (Obesity and Comorbidities Research Center), pega o fio da meada: "Não faz tanto tempo assim", diz ele, "nosso sonho era um tratamento de obesidade que quebrasse a barreira dos dois dígitos. Os remédios que existiam nem sequer levavam à perda de 10% do peso e, se aumentávamos a dose, eles deixavam de ser tolerados pelo organismo", relembra.
Portanto, o impasse entre potência para fazer alguém emagrecer e tolerabilidade era real e ficou na memória. Os almejados dois dígitos foram alcançados com a semaglutida na dose de 2,4 miligramas.
Mas, na época, muita gente ficou com o pé atrás. Isso porque essa dosagem era mais que o dobro do 1miligrama (dose do Ozempic) indicado para pacientes com diabetes -- lembrando que a semaglutida foi aprovada, primeiro, para eles.
No entanto, o medo foi aplacado. Os efeitos adversos foram os mesmos, um mal-estar gástrico de leve a moderado que tinha tendência a diminuir com o tempo. E a mesma situação se repete agora.
"De fato, a incidência de efeitos colaterais da dose de 7,2 miligramas de semaglutida é parecida e também tende a desaparecer, como na dose menor", afirma o professor Geloneze.
Ele aposta que muita gente gostará mais de ver o quanto os participantes emagreceram. "Mas eu, particularmente, fiquei ainda mais feliz por saber que o medicamento foi bem tolerado."
Parece pouco, mas não é
Será que 20,7% de perda de peso não seria uma diferença muito pequena para os 17,5%, em média, com a dose menor e já aprovada de semaglutida para tratar a obesidade?
"A sensação é de ser quase a mesma coisa", reconhece o professor Geloneze. "Mas não se engane porque, quando ultrapassamos a fronteira dos 20%, os resultados se assemelham aos da cirurgia bariátrica. E um detalhe: com a dose de 2,4 miligramas, só 1 em cada 6 pessoas conseguiam ter perdas de peso maiores de 25%. Com a dose maior, porém, isso acontece com 1 em cada 3. Ou seja, a proporção de pacientes que atinge essa meta dobrou."
Vale lembrar que, embora os resultados da cirurgia bariátrica sejam fantásticos, apenas cerca de 20% dos pacientes conseguem manter o menor peso atingido depois operação. Passado um tempo, muitos recuperam alguns quilos e, infelizmente, existem aqueles que voltam praticamente à estaca zero.
Encaminhá-los para o bisturi outra vez é algo complicado. Daí que o tratamento com remédios — talvez com uma dose maior de semaglutida — se torna uma opção para casos assim.
Não será para todo mundo
Se, após a apresentação do STEP UP, um medicamento com dosagem semanal de 7,2 miligramas de semaglutida se encaminhar para um processo de aprovação pelas agências regulatórias, a opção não será para qualquer um.
"Não devemos ficar simplesmente seduzidos com o número de quilos perdidos", pensa o professor Geloneze. "Se alguém que tem 30 kg/m2 de IMC perder 25% de peso, ficará abaixo da faixa saudável", exemplifica. "Isso acarretará até problemas de desnutrição."
Um possível novo remédio com uma dose mais alta de semaglutida deverá servir para quem tem uma obesidade mais grave e, consequentemente, precisa de reduções maiores de gordura corporal por questões de saúde.
Aliás, medicamento contra obesidade não é feito aquele celular que, quando chega um modelo novo, todo mundo sai correndo para trocar o seu do ano anterior. Para muitos, a dose mais baixa continuará sendo ideal e por toda a vida, já que o tratamento da obesidade é para sempre.
Sobre perda de massa magra
"Cara abatida de semaglutida, bumbum caído de semaglutida, pernas flácidas de semaglutida".... — a todo instante surge uma dessas, acusando a molécula de promover a diminuição de massa magra. Será que isso, então, seria mais acentuado com a dose de 7,2 gramas?
O STEP UP, é bem verdade, não analisou a composição corporal dos participantes até esse momento. No entanto, a lógica diz que a perda de massa magra seria menor com semaglutida do que fazendo uma dieta severa sem essa medicação, por exemplo.
"Os agonistas do GLP-1, como a semaglutida, diminuem a resistência ao hormônio insulina, independentemente da perda de peso", explica o professor Geloneze. "Com isso, os tecidos, incluindo os músculos, absorvem nutrientes com maior facilidade."
A diminuição da massa magra, segundo ele, não tem a ver com a medicação, mas com um plano de emagrecimento que não contempla um bom acompanhamento nutricional.
A segurança da semaglutida
Por fim, talvez você ainda se indague: qual seria a vantagem de uma caneta só com semaglutida, em dose mais alta, em vez de combinada com outras moléculas? Ora, o próprio evento da ADA está sendo palco de vários estudos com candidatos a medicamentos contra a obesidade que combinam dois ou três princípios ativos.
"Não vou dizer que essas combinações não possam ser excelentes. Mas temos de considerar que, já que dá para obter resultados semelhantes, os agonistas de GLP-1, como a semaglutida, são substâncias que conhecemos de longa data porque começaram a ser usadas ainda em 2006. Isso nos dá muita tranquilidade na prescrição."
E tem mais: se a versão com 7,2 gramas se mostrou segura, sem aumento de efeitos colaterais, é sinal de que a que está aí nas farmácias, com seus 2,4 gramas, nem se fala. Isto é, para quem precisa dela por uma questão de saúde.
*A colunista viajou para a cobertura do congresso da American Diabetes Association a convite da Novo Nordisk.
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