Cuidado! O calorão infernal coloca seu coração em risco por 4 motivos

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A preocupação dos cardiologistas sempre foi com o frio de rachar. Aquele clima de bater o queixo mata. E mata do coração! Em um atlas clássico de Medicina, há uma figura de tudo o que pode causar angina, a dor pontiaguda capaz de indicar um infarto. Nessa ilustração, o sujeito está saindo de barriga cheia de um restaurante, suportando o esforço de carregar uma mala e — claro! — em um dia gélido.
"O frio, justamente por contrair os vasos, aumentando a pressão e, às vezes, causando espasmos, é sabidamente associado à doença cardiovascular e ao aumento na incidência de infarto", afirma Eduardo Lima, líder da Cardiologia do Hospital Nove de Julho, em São Paulo. "Então, as pessoas saem achando que o oposto, isto é, o calor seria ótimo para o coração. E isso não é verdade."
Aliás, muito pelo contrário. Se você compara os extremos do termômetro, a temperatura escaldante se revela até mais perigosa. É o que mostram os dados epidemiológicos: um estudo americano, por exemplo, avaliou pessoas que tinham infartado, registrando como estava o tempo até dois dias antes da internação pelo piripaque . "Os pesquisadores viram que o frio extremo aumentava em mais de 30% o risco de alguém infartar", conta o doutor. "Já o calor intenso fazia esse risco crescer em mais de 40%." Bem pior.
O assunto é quente: nestes dias, o coração sofre, pelo menos, quatro ameaças diferentes. E há um mecanismo básico que serve de pano de fundo para explicar boa parte do que acontece.
Por que o calor é tão ruim?
Eduardo Lima volta aos livros de Biologia, lembrando que somos seres homeotérmicos. Isso quer dizer que o nosso organismo faz de tudo para manter a temperatura interna constante. Se estamos em um dia muito quente, a pele fica responsável por não deixar que ele entre no clima: o calibre dos vasos próximos à superfície do corpo aumenta, para que seja liberado o excesso do calor.
"Por isso, as pessoas ficam vermelhas e começam a suar", comenta o cardiologista. "E quem vai sustentar o aumento de fluxo sanguíneo para esse sistema de resfriamento? O coração! E olha que a pele é um órgão gigantesco para ele dar conta de mandar muito mais sangue para lá."
Se fosse esticada, a pele de um adulto ultrapassaria fácil 2 metros quadrados de superfície. Então, sim, o calor é sinônimo de trabalheira: "A frequência cardíaca se eleva e o o volume de sangue lançado em cada batimento também", explica o médico.
Se o coração está bem, ele até se cansa, mas acaba aguentando o esforço extra. No entanto, se ele já apresenta qualquer probleminha — e, às vezes, sem que seu dono desconfie —, a situação pode entrar em ebulição, até pela soma de outros fenômenos que a temperatura alta favorece.
1. Efeito rebote de abandonar remédios contra a hipertensão
No calor, os vasos se alargam. Se o sangue continua com o mesmo volume, ele tem mais folga para passar, sem forçar tanto as paredes das artérias. Com isso, a tendência é a pressão diminuir. Só que, para quem já tomava uma droga para baixá-la, pode estar aí o empurrão para uma queda maior. Ao senti-la, o que a pessoa faz, então? Com medo de despencar de tão tonta, deixa os medicamentos anti-hipertensivos de lado.
Suspender a medicação, porém, é roubada. "Esses remédios — como os ECA, ou inibidores da enzima de conversão, que são a classe mais usada na hipertensão — têm múltiplas ações. São, inclusive, antiinflamatórios, prevenindo o infarto e o AVC. E isso está descolado do efeito de redução da pressão", garante o doutor.
Mas o pior: a interrupção pode causar um efeito rebote. "É o que acontece quando a pessoa para de tomar os chamados de beta-bloqueadores: a pressão sanguínea sobe", informa o cardiologista. Os beta-bloqueadores também são usados na hipertensão. Em geral, aliás, os médicos prescrevem um combo de dois tipos de remédio para quem tem pressão alta.
Eduardo Lima já se cansou de ver paciente que abandonou os medicamentos por causa do calorão, sentindo-se seguro porque a pressão estava arterial baixinha ao acordar, por exemplo. "Mas saiba: isso pode mudar até de um batimento do coração para o outro", avisa ele, sem exagero. "E o tal efeito rebote, com um pico de pressão, às vezes não espera dias. Pode acontecer em minutos."
Daí que a recomendação é manter os anti-hipertensivos e tentar aliviar, isso sim, os efeitos do calor, evitando sair nos horários mais quentes e tomando líquido para manter o volume sanguíneo, o que aplaca o risco de quedas de pressão mais importantes.
2. Placas descascadas favorecem o infarto
Tic-tac, tic-tac ... Os australianos fizeram um estudo, citado pelo cardiologista, calculando quanto tempo após a exposição ao calor extremo há o maior perigo de alguém infartar: em média, 15 horas depois, minha gente encalorada (e eu não vou pensar nisso, já que, na São Paulo de concreto onde vivo, o bafo quente não está dando trégua nem um minuto sequer das 24 horas!).
"Esse risco de infartar se mostrou alto inclusive para homens que nunca tiveram nada antes", conta Eduardo Lima. "Entre as mulheres, isso foi mais observado naquelas que já enfrentaram problemas cardíacos." O recado que fica é o seguinte: o infarto nem sempre acontece enquanto você está suando sob o sol inclemente. Pode levar umas horas ou um dia para se desenrolar. Não desprezar um mal-estar é dica de ouro.
Na intimidade do peito, há jeitos diferentes de a gente infartar. E os dois mais comuns podem ser deflagrados pelo calor. O primeiro deles é a receita clássica: um pedaço de placa na artéria se solta, o organismo entende que aquilo é errado e se defende formando um coágulo ao redor. Esse coágulo, ao chegar no coração, entope uma coronária. Danou-se!
E aí é que está: o clima incandescente favorece uma erosão. "Aquele aumento da frequência cardíaca e o da contração para ejetar mais sangue a cada batimento fazem com que o fluxo passe raspando nas placas. Com isso, uma delas pode se descamar, servindo de estopim para o infarto."
Ah, sim, febres muito altas e que perduram podem ocasionar algo parecido. Esta é uma das razões pelas quais infecções aumentam a probabilidade de alguém cheio de placas nas artérias infartar. Mas essa é outra história.
3. Maratona involuntária
O segundo tipo de infarto é curioso. Imagine uma pessoa correndo ou fazendo outro esforço físico qualquer. O músculo cardíaco irá demandar mais oxigênio e, se não conseguir todo esse gás porque existe uma obstrução em uma de suas coronárias, irá reclamar de aperto ou de dor.
Ao sentir o incômodo esquisito, o corredor talvez reduza o passo, acalmando o peito. "Mas, se for um atleta que insiste em terminar a prova, o coração irá sofrer uma lesão", descreve Eduardo Lima. A célula do músculo cardíaco, ao receber bem menos oxigênio do que está consumindo, provavelmente irá para o beleléu. Infartará.
E o calor com isso? "No calor, o coração está em sobrecarga para esfriar a temperatura interna do corpo", relembra o doutor. "É uma maratona involuntária". E, no caso, a gente não consegue desacelerar.
4. Na insuficiência cardíaca, tudo desanda de vez
Existem casos em que a pessoa tem um coração enfraquecido, que já não consegue mandar o sangue para o resto do corpo com o vigor necessário. E existem casos de gente com o coração literalmente mais endurecido, que não relaxa muito bem para deixar o sangue oxigenado entrar. "No final, essas duas formas de insuficiência cardíaca resultam em dificuldade para bombear a circulação", observa Eduardo Lima.
Agora, pense em alguém com uma dessas duas formas de insuficiência cardíaca encarando a exigência descomunal de bombeamento imposta pelo calorão? O que acontece é comparável a um engarrafamento de sangue. Ele pode ficar parado nos pulmões, no fígado, nas pernas — o que não é nada bom.
Normalmente, esses pacientes precisam de vasodilatadores e diuréticos para evitar o tal engarrafamento. "Mas, no calor, quando o indivíduo já está suando o dia inteiro, esses remédios são capazes de levar à desidratação." Essa falta de água também atrapalha a função cardíaca.
Dê um refresco para o peito
Alguns conselhos do cardiologista certamente a gente já ouviu: evitar sair nos horários mais quentes e preferir trajes leves, em tons claros e de tecidos que favoreçam a transpiração, como o algodão. "Não é má ideia usar roupas de academia, porque geralmente são feitas de materiais que permitem uma boa troca de calor", sugere o médico.
Preste atenção no xixi: o coração gosta de urina clara, sinal de que você está com o corpo bem hidratado, mantendo o volume adequado de sangue. Mas pacientes que tomam diuréticos, em especial aqueles com insuficiência cardíaca, precisam conversar com o médico para calcular quanto líquido devem beber. No caso deles, o equilíbrio é mais delicado e o exagero também não é bom.
Evite refeições pesadas: tenha dó do coração que já está penando para mandar mais sangue para a pele, se ele ainda tiver de aumentar o fluxo para os órgãos da digestão lidarem com uma feijoada!
E vale reforçar: o clima não está ameno para ninguém. E ele pode pegar fogo para quem precisa de remédios para o coração, se essa pessoa deixar de tomá-los.
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