Lúcia Helena

Lúcia Helena

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Reportagem

Todos deveriam prevenir a pneumonia, especialmente os foliões do Carnaval

Sabe aquela festa em que a gente precisa berrar para ser ouvido e canta tanto a ponto de a voz amanhecer rouca no dia seguinte? Quando é assim, quem pode cair na farra são os pneumococos, bactérias sempre prontas para botar o seu bloco na rua. Para elas, a "praça da apoteose", onde o desfile termina, são os brônquios e, se tiverem sorte (para o nosso azar), chegam aos pulmões.

Por isso, pode apostar que no próximo mês, nos hospitais, a pneumonia pode se tornar um hit — mas um hit que a gente conhece de outros carnavais. "Não temos mais casos do que antes. O que acontece é que os registros de pneumonia aumentam após a exposição a grandes eventos, como vimos na virada deste ano, ou quando observamos uma maior circulação de vírus respiratórios", conta a medica infectologista Eliana Bicudo, do Distrito Federal, que é consultora da SBI (Sociedade Brasileira de Infectologia).

Você ouviu "vírus"?! É isso mesmo. Ele costuma preparar a festa para o pneumococo. "No último Réveillon, por exemplo, quem aprontou essa foi o coronavírus da covid-19, que, por sinal, anda em alta", comenta a doutora Eliana. "Mas outras agressões ao nariz e à garganta podem fazer o mesmo."

E, sim, as pneumonias são mais frequentes em idosos — e não só por causa da queda da imunidade. Porém, podem acontecer em qualquer idade, especialmente se o folião vive com rinite, sinusite, é portador de asma ou tem diabetes.

O que é uma pneumonia?

Imagine o tecido dos pulmões como uma esponja ou uma bucha, em que os inúmeros buraquinhos seriam os alvéolos. É neles que ocorrem as trocas gasosas. "Pois bem, chamamos de pneumonia qualquer inflamação dos pneumócitos, as células que forram esses alvéolos", explica a doutora Eliana.

Ela fala em pneumonia química quando se trata de uma substância que, alcançando essa área nobre, deixa as células pulmonares completamente irritadas. A fumaça do cigarro é bem capaz de provocar isso. Só que, na maior parte das vezes, a doença é mesmo infecciosa. Aí, até pode haver um vírus por trás. "O da covid-19 causava uma pneumonia terrível", diz a médica, refrescando a nossa memória. "O influenza, da gripe e o vírus sincicial respiratório também oferecem esse risco." Ainda bem, existem vacinas para eles.

A maioria dos casos, porém, tem um pneumococo por trás. E essa bactéria é um tipinho dos mais oportunistas. Existe vacina contra ela também? Existe! Mas talvez muita gente mais jovem não esteja com essa imunização atualizada.

Em busca de qualquer oportunidade.

Para apresentar o pneumococo direito, eu preciso dizer que ele é uma bactéria Streptococcus. "É importante a gente saber disso porque a maioria das bactérias das vias aéreas é desse gênero", justifica a doutora Eliana. O nome completo das que têm a ver com a nossa história aqui é, em bom "cientificês", Streptococcus pneumoniae. Entre nós, pneumococos simplesmente. E há um monte deles, agora mesmo, na minha e na sua garganta. No nosso nariz também.

Continua após a publicidade

"Calma, podemos pular Carnaval e ir a festas sem medo porque já temos certa imunidade", tranquiliza a doutora. "Ora, todo mundo já teve uma sinusite ou uma otite causada por pneumococos na infância." A experiência deixou nossas defesas espertas, com o controle da situação, impedindo essas bactérias de se multiplicarem para bancarem as penetras na entrada dos pulmões.

Só acontece uma brecha na segurança se tudo inflama. "A inflamação pode surgir se falamos ou gritamos demais", exemplifica a doutora. "Ou, ainda, se ocorre uma agressão térmica. Por exemplo, quando você bebe algo muito gelado com o corpo quente sob o sol. Ou se há um choque de temperatura ambiente."

Por fim — e o que é bem mais comum —, o tecido das vias aéreas fica inflamado se você pega uma virose, podendo ser até um resfriado bobo. Para o pneumococo, está aí uma bela oportunidade. Ele, então, causa uma laringite. A garganta fica incomodando.

Se, por causa de agressões contínuas e de uma baixa na imunidade, a bactéria desce na direção dos pulmões e alcança os brônquios, lá vem a bronquite infecciosa. Já se ela consegue entrar e se multiplicar nos alvéolos, o diagnóstico é de pneumonia. Ou será uma broncopneumonia, se crescer nos dois cantos, transformando a festinha em festança.

Quem corre maior risco

"Claro que o risco é maior nos quadros de imunossupressão, porque o indivíduo não tem defesas para segurar esse avanço", diz a doutora Eliana. Mas — ainda bem! — não é o caso da maioria de nós. Já fomos festas, a shows, já tomamos cerveja gelada e não caímos doentes (ufa!). Mas um dia, por azar, pode acontecer uma combinação de fatores — incluindo uma gripe na véspera da balada. "A maioria dos adultos jovens com pneumonia por pneumococo teve um quadro viral antes", observa a infectologista.

Continua após a publicidade

O idoso, lógico, deve tomar ainda mais cuidado. "Além da diminuição da imunidade com a idade, ele pode ter refluxo, o que também inflama a garganta", justifica a doutora. "Sem contar que algumas pessoas se movimentam muito pouco na terceira idade." Entenda: quando mexemos o corpo, favorecemos a eliminação do muco, em vez de ele ficar depositado na base nos pulmões.

Para as bactérias, muco é sopa

Aliás, a inflamação abre o caminho para as pneumonias justamente porque as vias aéreas tentam se defender do que está lhes agredindo produzindo catarro. "Ele é um meio de cultura, cheio de nutrientes para o pneumococo", conta a doutora Eliana.

Em condições normais, quando o indivíduo está saudável, o organismo está sempre movimentando esse muco, com milhões e milhões de microscópicos cílios espalhados pelo trajeto do ar. Eles varrem a meleca para o alto, até ela escorrer pelo nariz ou ser engolida na garganta.

Só que, depois de uma infecção viral, essa limpeza já não é tão bem feita. Até porque as células ciliadas ficam quase carecas! "No caso de quem tem diabetes, o excesso de glicose no sangue piora tudo, deixando os batimentos ciliares muito mais lentos do que eles já costumam ficar com a idade."

Asma, rinite, sinusite também entram na lista do que aumenta o risco de pneumonia porque criam um estado inflamatório constante nas vias aéreas. Leia, muco além da conta.

Continua após a publicidade

Ameaça de meningite

Vale abrir parênteses: nem sempre o pneumococo pega a descida para os pulmões. "Às vezes, a pessoa está com o nariz congestionado e com aquela coriza. Aí, a bactéria presente na mucosa nasal se aproveita, segue para o alto e se agarra nas meninges", diz a médica, referindo-se às membranas que revestem o cérebro.

Segundo ela, a meningite provocada pelo pneumococo é de longe a mais comum em adultos. O famoso meningococo, que é outra bactéria, costuma aprontar mais na infância.

Apesar de ameaçar a vida, há um protocolo eficaz para tratar a meningite causada por pneumococo, usando-se um ou dois antibióticos bem específicos no hospital. "O desafio é a gente desconfiar da infecção para dar o remédio a tempo", reconhece a doutora.

De olho na tosse

Em relação à pneumonia, alguns sentem dor torácica e outros, não. A doença nem sempre provoca febre, especialmente nos idosos. Neles, é mais comum a falta de ar do que a temperatura alta. "Já em adultos jovens com imunidade normal, quando esse sintoma aparece, em geral é mesmo um febrão", avisa a médica.

Continua após a publicidade

Uma coisa é certa: não há pneumonia sem tosse. "Pode ser tosse com catarro, se o pneumococo também está nos brônquios, ou uma tosse seca, quando se restringe mais aos alvéolos", explica a infectologista. "Mas toda pessoa com pneumonia tosse. E ponto."

Por que sempre surge uma nova vacina?

Assim como os vírus têm sorotipos, as bactérias têm cepas. É apenas uma questão de nomenclatura. E os pneumococos se dividem em mais de 180 cepas! Daí que centros e laboratórios do mundo inteiro ficam monitorando para ver quais são as que mais estão se aproveitando de qualquer mínima chance para ingressar nos pulmões.

"Já passamos pela época da vacina 7-valente, que nos protegia contra sete cepas de pneumococo", diz a médica. A questão é: uma vez que nossas defesas começaram a impedir a multiplicação desses sete tipos, outras cepas se viram sem concorrência. E acharam que era a sua vez de tirarem proveito das nossas inflamações.

"Logo, surgiu a vacina 10-valente contra aquelas primeiras cepas e outras que se tornaram comuns nas pneumonias. Depois vieram a 13-valente, a 15-valente e, agora, a 20-valente", conta a infectologista. "No fundo, a vacina pode pegar até mais bactérias, porque existe uma proteção cruzada, ou seja, o sistema imunológico acaba aprendendo a nos defender de cepas com proteínas parecidas, embora elas não façam parte da formulação."

O fato é que, embora bebês sejam vacinados contra pneumonia bacteriana aos 2 meses e os imunizantes sejam recomendadíssimos a partir dos 60 anos, não há idade para você se proteger do pneumococo. "Todos os adultos, até mesmo os jovens, deveriam atualizar essa vacinação", opina a doutora Eliana.

Continua após a publicidade

A médica ainda dá uma conselho simples (e tremendamente importante) aos foliões: mantenham-se hidratados. A boa hidratação favorece a eliminação do muco. O pneumococo, então, é expulso da sua festa.

Reportagem

Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.