Lúcia Helena

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Reportagem

Você ronca? Sabia que seu risco de ter disfunção erétil é maior?

Roncar é um problema muito mais ruidoso do que soa — ouso dizer que especialmente para os rapazes que querem se manter firmes, fortes e no topo, se me entendem.

Não é só uma questão de interromper estrondosamente os sonhos de quem divide o quarto, tirando a paz dessa criatura na madrugada. Nem apenas de acordar um caco e com o humor irritadiço porque despertou diversas vezes durante a noite, por instantes tão ínfimos que nem ficaram registrados pela consciência.

Sim, o cérebro desperta a cada vez que você precisa puxar o ar daquele jeito barulhento para deixar de prendê-lo enquanto dorme. Aliás, é disso que se trata: apneia significa uma suspensão da respiração. E o nome certo, certíssimo dessa condição não é ronco, que é tão somente o seu sinal mais espalhafatoso — o correto é apneia obstrutiva do sono mesmo.

A apneia obstrutiva do sono, senhores, é uma desmancha-prazeres, inclusive no sentido literal. A quantidade de oxigênio no sangue cai. Não à toa, o cérebro, sempre tão sensível ao abastecimento desse gás, meio que acorda no susto. Essa hipóxia — termo médico para a baixa oxigenação — é a raiz de muitas complicações.

"Ela eleva o risco de AVC, o acidente vascular cerebral, e de doenças do coração, entre outras. Também aumenta a nossa sensibilidade à dor. De uma forma geral, diria que altera a produção de energia do organismo. Ou seja, impacta no seu metabolismo, favorecendo o diabetes", dá exemplos a biomédica Monica Andersen, diretora de ensino e pesquisa do Instituto do Sono, na capital paulista, e professora da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo). "Mas uma das consequências frequentes da apneia é dificultar a ereção e, adiante, ela também pode atrapalhar a ejaculação."

Será que isso aconteceria por abrir caminho para o diabetes, que notoriamente pode comprometer a função sexual masculina? Ou seria pelo fato de a falta de oxigenação danificar nervos periféricos, incluindo aqueles que ergueriam o pênis na hora agá? Ou por ela perturbar pequenos vasos que encheriam o órgão de sangue a ponto de ele endurecer? Nunca se esqueça que a ereção é essencialmente um fenômeno vascular.

"De todo modo, se a gente for pensar, a apneia é um pilar disso tudo", pondera a professora. "Sua relação com casos graves de disfunção erétil é evidente. Mas não temos clareza de todos os mecanismos por trás. Uma das maneiras de aprofundar esse conhecimento seria realizar um estudo envolvendo a genética", diz ela, passando a bola para a geneticista Mariana Moysés, também do Instituto do Sono da AFIF (Associação Fundo de Incentivo à Pesquisa). As duas são autoras de um artigo sobre o tema publicado no Sexual Medicine Journal, do grupo Nature.

Fatores genéticos em comum

Mariana Moysés e seus colegas geneticistas sabem de longa data que existe uma bela lista de alterações no DNA, ou mutações, capazes de aumentar o risco de o pênis se manter cabisbaixo: em um levantamento, ela achou 205 variantes genéticas associadas a uma maior probabilidade de um homem ter disfunção erétil.

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Com a apneia do sono, é a mesma coisa: existem alterações genéticas que sabidamente aumentam o risco de o ronco se manifestar. A pesquisadora encontrou nada menos que 2.622 delas.

"A pergunta que restava era: será que alguns desses fatores de risco genético para uma e para outra doença estariam sobrepostos?", relembra. Em outras palavras, a geneticista queria descobrir se, entre eles, alguns eram comuns. E sim: apneia do sono e disfunção erétil compartilham 35 alterações no DNA. Talvez você pense que é um número pequeno. Mas Mariana Moysés garante que é bem maior do que os cientistas esperavam e do que se vê na relação entre outras condições. Sinal de que, nos genes, roncar e ter dificuldade de ereção andam de mãos dadas.

Metabolismo de gordura

A pergunta seguinte foi: o que exatamente esses 35 genes afetados tanto na disfunção erétil quanto na apneia do sono fariam? Pois bem, o estudo revelou que eles têm a ver com o metabolismo de gorduras e também com os mecanismos de controle neuromuscular. Ora, ora, qual seria a surpresa? Na prática clínica, talvez nenhuma.

Entenda: o desequilíbrio dos lipídios no organismo tem a ver com o surgimento de diabetes, com os problemas cardiovasculares, com o entupimento dos vasos penianos, com a dificuldade da passagem do ar na região da garganta quando o indivíduo se deita... Portanto, o que os genes mostram faz todo o sentido. Idem, a questão do controle neuromuscular, fundamental tanto na respiração quando no momento de subir você sabe quem.

Risco não é destino

Está aí uma frase que Mariana Moysés repete sem parar: "Tirando as síndromes raras, que não são o caso aqui, a genética não faz nada sozinha. Precisamos da interação com o meio ambiente para uma doença com risco genético aumentado se manifestar".

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Ou seja, aqueles 35 genes em comum necessitam de um empurrãozinho — por exemplo, do ganho excessivo de peso, que, de seu lado, também não pode ser responsabilizado isoladamente. "Existe muito indivíduo magro com apneia", alerta a professora Monica Andersen.

Um problema leva ao outro?

Esses genes em comum também não determinam que quem apresenta disfunção erétil vai necessariamente roncar e vice-versa. Mas a hipóxia provocada pela apneia, somada ao risco genético, alavanca a possibilidade de surgir uma dificuldade forte de ereção.

Infelizmente, como repara Monica Andersen, os médicos abordam muito pouco a saúde sexual nas consultas para saber se aquele paciente que está ali porque a parceira ou o parceiro vive reclamando do seu ronco já não ficou intimidado por episódios em que o pênis continuou na dele, sem o menor ânimo para se levantar.

"Da mesma forma, o profissional de saúde precisa saber que, do ponto de vista genético, se o paciente se queixa de disfunção erétil, é bastante provável que ele esteja em alto risco de manifestar apneia também", acrescenta Mariana Moysés. "Isso deve ser investigado, até para prevenir o distúrbio de sono, se for o caso".

Tratar o ronco para... levantar!

Para o homem que ronca e que não anda ficando aprumado para o sexo, Monica Andersen tem uma boa notícia: "Muitas vezes, tratando a apneia obstrutiva do sono com o CPAP, a disfunção erétil é revertida". Ela se refere ao aparelho que possibilita uma respiração contínua durante a noite, impedindo aquela baixa na oxigenação. "É um tratamento que restaura o sono de qualidade, o que é fundamental", defende. "Passamos um terço da vida dormindo e aproveitar os outros dois terços depende disso. Não me refiro só ao sexo."

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Mas, se é de sexo que estamos falando, a questão sincera é: dormir ao lado de alguém com uma máscara no nariz ou na boca, da qual sai um imenso tubo ligado a um aparelho, pode não ser uma experiência das mais tesudas. "Porém, para o homem que quer recuperar o desempenho sexual, o CPAP é muito interessante", garante Monica Andersen.

A professora ainda reforça: "Para entender a necessidade, o homem precisa colocar na cabeça que ele corre riscos sérios. Não só no sexo, que é importantíssimo para a qualidade de vida, mas de ter diabetes, problemas cardiovasculares e outros. Sem contar que, para quem está ao seu lado, dormir com alguém roncando é terrível. Atrapalha a saúde dessa pessoa, prejudicando o seu sono e — não é nada improvável — até mesmo a sua disposição para ter relações".

Certa vez, em uma palestra, ela ouviu uma especialista relatar que tinha sugerido ao paciente falar para a parceira que na cama, para dormir, ele ficaria igual ao Tom Cruise em "Top Gun". Para quem não se lembra do filme, sua personagem, o piloto de elite Maverick, usava uma parafernália na cara enquanto voava, com uma aparência semelhante à de um CPAP. E, bem, seu avião ia para as alturas. Então, pense que a vida pode imitar a arte.

Reportagem

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