Cientistas apontam 14 coisas que você deve mudar para não ter demência
Talvez não ter demência seja uma promessa forte demais em um mundo em que a expectativa de vida aumenta. Ao redor dele, em 2019, 57 milhões de pessoas já conviviam com esse problema, cuja causa que logo vem à cabeça é a doença de Alzheimer, embora existam outras. E o que se espera até 2050 é um salto explosivo para 153 milhões de casos.
Mas, segundo um trabalho de fôlego publicado na semana passada, se todos ficassem de olho em 14 fatores de risco modificáveis, quase metade deles — precisamente, 45% — poderia ser, se não prevenida, adiada.
"Se uma pessoa que iria ter demência aos 70 anos passa a se cuidar, manifestando essa síndrome progressiva e incurável só aos 80, isso já é fantástico. Ela ganha uma década de qualidade de vida", pensa a psiquiatra e epidemiologista Cleusa Ferri, a única brasileira na Comissão Lancet que reúne autoridades no assunto de diversos países e que é responsável pelo estudo.
Ela é pesquisadora no Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo, onde aterrissou assim que voltou da Inglaterra, após onze anos como epidemiologista do King's College London. Foi lá que despertou seu interesse pelos fatores de risco por trás das síndromes demenciais, especialmente nas populações economicamente vulneráveis. "Ora, 66% dos indivíduos com demência estão nos países mais pobres e, no entanto, apenas cerca de 10% dos estudos são realizados neles."
O curioso: na primeira vez em que Comissão Lancet fez um levantamento assim, em 2017, foram encontradas provas contundentes do envolvimento de dez fatores de risco. Ao atualizá-lo, em 2020, o número subiu para doze. E, agora, a lista do que deveríamos cuidar para chutar as demências para longe ganhou dois novos fatores: a perda visual e o LDL, aquele colesterol ruim feito a peste. Este, aliás, já estreou causando.
Trate o colesterol alto desde cedo
Quem mantém o LDL sob rédeas curtas diminuiu nada menos que 7% do risco de desenvolver uma demência. Uma redução dessas só empata com preservar uma boa audição e é cerca de três vezes maior que a de apagar o cigarro — não que deixe de ser importantíssimo parar de fumar.
Parece difícil entender essas porcentagens e por que alguns fatores pesam mais e outros menos. É que não conta só a diferença na probabilidade de quem tem LDL alto desenvolver demência comparada com a de quem apresenta níveis adequados desse colesterol na circulação. "A prevalência também entra no cálculo", ensina a doutora Cleusa, lembrando que o colesterol nas alturas é um problema bastante comum em todo canto.
Ao se depositar nas artérias, o LDL atrapalha a irrigação sanguínea do cérebro "E não só porque forma placas maiores, como as que aparecem nos exames, mas por causa de pequeníssimas lesões nos vasos que, com o passar do tempo, podem fazer diferença", diz o neurologista Diogo Haddad, também do Hospital Alemão Oswaldo Cruz. Sem contar que o LDL elevado aumenta a ameaça de um AVC (acidente vascular cerebral). E, aí, a sequela adiante também pode ser a demência.
"Já havia uma noção de tudo isso", afirma o doutor. "Mas, para quem segue a ciência, é preciso provar se o que a gente acha é o que acontece de fato. E esse estudo faz isso, acompanhando centenas de milhares de pessoas ao longo do tempo e vendo se uma doença, como o Alzheimer, aparece e, não menos importante, quando aparece."
Daí que os fatores de risco se dividem por faixa de idade. O colesterol, no caso, para prevenir ou adiar demências pra valer, precisa ficar sob controle sem tardar, entre os 18 e os 65 anos. E, óbvio, quanto mais cedo, menor o perigo.
"E dá imaginar que alguém com LDL alto seja sedentário ou esteja acima do peso", exemplifica o médico, referindo-se a outros personagens nessa história. O fato de um problema andar de mãos dadas com outro é mais um detalhe fundamental quando os epidemiologistas estimam seu impacto.
Não deixe a pressão subir
Depois dos 40 anos, especialmente, a pressão sistólica não deve ultrapassar 130 mm Hg (milímetros de mercúrio). Ela é aquela de valor mais alto e que corresponde ao momento em que o seu coração se contrai para bombear sangue. Na verdade, tudo o que prejudica o bom funcionamento dos vasos sanguíneos faz mal ao cérebro.
Mantenha um peso adequado...
...e, se a balança apontar que ele está acima do saudável, compreenda que — de novo! — quanto mais cedo buscar tratamento, melhor. Perder o excesso de peso e, de preferência, sair da faixa da obesidade diminui 1% do risco de demência.
Parece pouco? Os autores do estudo dizem que essa recomendação também ajuda a prevenir o diabetes tipo 2 — e evitar essa doença, por sua vez, corta em 2% o risco de o cérebro ficar comprometido. Faz sentido: o excesso de glicose na circulação agride os vasos. "E, assim como a obesidade, provoca uma inflamação constante", acrescenta o doutor Haddad.
As substâncias inflamatórias são um empurrãozinho para, por exemplo, quem formou as temidas placas da proteína beta-amiloide no cérebro, que são típicas de quem tem Alzheimer, manifestar essa doença. "Talvez, sem inflamação, o sujeito nunca teria nada. Ou não teria nada tão cedo", especula o neurologista.
Pratique atividade física regularmente
Para baixar em 2% o risco de você desenvolver demência, o sedentarismo precisaria ser combatido no máximo nos primeiros anos da vida adulta, antes de você entrar na terceira idade.
Claro, fazer exercício é ótimo para os mais velhos também. Mas, no caso, o foco é nem deixar que placas nas artérias se instalem, que a glicemia saia do controle cedo, que o peso aumente demais na juventude. De bônus, esse hábito ajuda a afastar outro fator de risco, que são os quadros depressivos.
Trate a depressão
"No fim das contas, essa é uma doença neurológica", afirma o doutor Haddad. "Nela, notamos mudanças no padrão de metabolismo cerebral, que alavancam a degeneração dos neurônios."
Daí que não há pingo de dúvida: a depressão crônica pode desembocar em quadros demenciais. Mas, segundo o estudo da Lancet, se ela é tratada de maneira eficaz, o risco de demência, ao contrário, cai 3%.
Evite tragar fumaça
E aqui estão dois fatores de risco avaliados pelos cientistas da comissão: parar de fumar reduz o risco de demência em 2%. Os componentes do tabaco aumentam a inflamação do organismo e pioram à beça a saúde dos vasos sanguíneos, sendo capazes, inclusive, de elevar a pressão arterial.
A outra fumaça é a da poluição. E, surpreendentemente, evitá-la parece ser ainda mais fundamental para quem já passou dos 65 anos, baixando, então, o risco de demência em 3%. Mas não é qualquer um que consegue ir embora da cidade grande e poluída. Aliás, Diogo Haddad pondera que, talvez, o que mais contribui seja exatamente isso: as condições de vida nas metrópoles tendem a ser menos amigáveis com os idosos.
Reduza o consumo de álcool
Evitar o excesso de bebida alcoólica diminui comprovadamente em 1% o amaldiçoado risco. "Para o cérebro, nunca existiu aquele papo de que beber um vinho de vez em quando faz bem", assegura o neurologista.
O álcool é sempre neurotóxico, seja quando deprime o sistema nervoso central — dando aquela sensação de leveza—, seja quando o excita, parecendo deixar tudo mais animado. "É como se o cérebro saísse do eixo", descreve o médico. "E ele queima alguns neurônios para voltar, ainda mais se o consumo é exagerado."
Cuidado com os tombos
E com as pancadas na cabeça também. O artigo científico chega a enfatizar a necessidade de você usar capacetes ao andar de bicicleta ou fazer um esporte de contato. "Isso é algo estudado faz tempo", diz o doutor Haddad. "Sempre que você bate a testa, acontece uma neurodegeneração."
Antes se acreditava que isso era mais prejudicial na terceira idade. Hoje, os cientistas encontram evidência de que evitar traumas para prevenir demência é fundamental a partir dos 18 anos. E o doutor Haddad acredita que provavelmente até antes, porque um problema seria o acúmulo das "marcas" desses tombos.
O fato é que quem nunca bateu a cabeça tem um risco 3% menor de demência. Mas...quem nunca?
Vá todo ano ao oftalmologista
Segundo o artigo, acompanhar a saúde ocular para ver se você não está com algum problema não é apenas uma questão de enxergar bem, mas também a de pensar com clareza. E isso por causa de uma dobradinha com outro fator de risco: o isolamento social.
A partir dos 65 anos, manter a capacidade de ver o mundo, ao pé da letra, diminui o risco de demência em incríveis 5%. E sair para dar uma volta, manter contato com os amigos, ter boas conversas, reduz mais 5%. Porque nada é tão eficaz para manter os neurônios operantes do que a troca de ideias. Isso vale mais que as clássicas palavras cruzadas!
"Demência não é só problema de memória. É perda de funcionalidade cerebral. Vejo idosos em hospitais públicos que retomam suas atividades depois que conseguem uma cirurgia de catarata", conta Diogo Haddad. "Talvez nem tivessem demência. Ou talvez o quadro evolua mais devagar só porque passaram a enxergar bem."
Poupe os seus ouvidos de um mundo ruidoso
Ao lado de controlar o colesterol, manter uma boa audição é um fator de peso, com potencial de redução de 7% no risco de demência. Por razões parecidas com as da perda visual.
A diferença é que, a partir dos 18 anos, já devemos prestar muita atenção nisso, evitando a exposição a volumes muito altos de baladas e fones de ouvido, por exemplo. Para quem já apresenta perda, a recomendação do estudo é usar aparelhos auditivos sem perda de tempo, nem preconceito.
"As perdas de audição tendem a acontecer mais precocemente, quando a pessoa ainda está muito ativa", diz o doutor Haddad. "Sem se dar conta, ela passa a interagir menos." Menos interação costuma significar menos reserva cognitiva. O que tem a ver com outro ponto...
Aprender sempre
Ter uma educação escolar de qualidade desde a primeira infância é um fator de proteção. Nos primeiros 18 anos de vida, isso reduz em 5% o risco de aquela criança se tornar um idoso com demência lá no futuro.
É como se, formando muitas conexões, o cérebro pudesse se dar ao luxo de perder algumas porque teria outras de reserva. "Observe que aprender coisas novas continua sendo importante em todas as idades", ressalta a doutora Cleusa Ferri, nossa representante na Comissão Lancet.
Talvez o impacto fique mais claro nos primeiros anos de vida porque, sem uma boa escola na infância e na adolescência, ficaria complicado até ler este texto. Do começo ao fim da leitura, se você viu uma informação que desconhecia, alguns neurônios se conectaram a outros. E isso ajuda a proteger o seu cérebro.
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