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Blog da Lúcia Helena

REPORTAGEM

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Covid-19: reinfecção pode ter efeito cumulativo e causar mais complicações

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Imagem: iStock

Colunista de VivaBem

17/11/2022 04h00

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Para quem um dia já testou positivo para covid-19, nestes tempos de subvariantes de ômicron se espalhando feito poeira ao vento, talvez seja necessário rever aquela história de que menos mal se por acaso pegar o vírus de novo. Afinal — uns podem pensar —, o organismo já estaria imunizado ou, quem sabe, uma nova infecção teria poucos sintomas, como a de outra vez.

No entanto, um estudo publicado na semana passada na revista científica Nature avisa: se eu fosse você, não botava tanta fé nisso e me cuidaria bem mais. Pois um bis do Sars-Cov-2 pode ser pior do que o primeiro contato que teve com esse vírus, provocando mais estragos da cabeça aos pés, como se eles fossem capazes de se acumular.

Os autores, que são da Universidade de Washington e da Veterans Research and Education Foundation, nos Estados Unidos, afirmam que, se você compara quem só teve covid-19 uma única vez com quem se reinfectou com o coronavírus, o risco de problemas cardíacos e pulmonares, diabetes, doença renal, disfunções neurológicas e outras encrencas passa a ser muito maior na turma que testou positivo mais de uma vez. E, atenção, isso foi notado mesmo quando os cientistas colocaram lado a lado pessoas que tomaram a vacina.

A ameaça de ir parar no hospital e morrer de covid-19 ou por causa de uma dessas complicações até seis meses depois também aumenta em quem se reinfecta.

Será que dá para acreditar nisso e ficar com medo sem fazer ressalvas? Não, claro que não. O trabalho tem vários aspectos que fazem a gente questionar se o que ele achou de fato aconteceria da mesma forma com qualquer pessoa. Mas também não é para dar de ombros. Seus resultados são um pedido para todo mundo ter mais cautela.

Como foi o estudo

Os pesquisadores se debruçaram sobre os dados de mais de 5 milhões de pessoas atendidas pela rede que cuida da saúde dos veteranos americanos. Delas, 443 mil foram diagnosticadas com covid-19 uma vez. Já outras 40,9 mil pegaram o Sars-CoV-2 duas ou mais vezes.

"O trabalho tem uma força estatística poderosa devido ao tamanho da população estudada", nota André Báfica, que é professor associado de imunologia da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina).

Para ele, a pergunta levantada pelos colegas americanos é importantíssima. Isso porque, até hoje, apesar de oficialmente mais de meio bilhão de pessoas terem contraído o coronavírus desde o início da pandemia, mal e mal se conhece o impacto das reinfecções no organismo.

"A informação alarmante que eles apresentam é a seguinte: a quantidade de infecções pelo Sars-CoV-2 de um indivíduo está associado ao risco de patologias em diversos órgãos a longo prazo. Ou seja, esse perigo aumenta conforme o número de reinfecções", comenta o imunologista, um dos pesquisadores mais respeitados do país na busca de soluções para a covid-19.

"Isso significa", continua ele, "que existiria um efeito cumulativo. Portanto, ter uma segunda infecção é mais grave para a saúde do que só ter uma e, pior ainda do que pegar a covid-19 duas vezes, é ficar com o vírus três vezes ou mais."

Mesmo depois da vacina

As pessoas analisadas no estudo foram divididas em três grandes grupos. Um deles era o de quem conseguiu passar ileso pela pandemia e não tinha sido diagnosticado com covid-19 até aquele momento. O segundo era de quem pegou a doença uma única vez e, finalmente, havia o grupo de quem se reinfectou mais tarde. Neste último, os pesquisadores ainda diferenciaram quem teve a infecção duas, três ou — credo! — quatro vezes ou mais.

Então, cruzaram com os registros dos problemas que toda essa gente experimentou ao longo de seis meses a partir do instante em que testou positivo no serviço de saúde pela primeira vez ou na reinfecção, mas sempre usando como grupo controle, ou parâmetro, aqueles sortudos que nunca souberam o que era estar com um Sars-CoV-2 no corpo.

As comparações do trabalho eram sempre feitas depois de apontarem quantos em cada mil indivíduos de cada um desses grupos foram flagrados com diabetes, problemas de coagulação e outras questões hematológicas, doença do coração e muito mais.

Os gráficos do artigo científico deixam claro que o risco para qualquer um dos males listados, sem contar a ameaça de morrer, sempre aumenta entre quem contraiu o coronavírus em relação a quem escapou da covid-19. E ele vai crescendo na medida em que sobe o número de reinfecções.

Com as pessoas vacinadas, esse padrão não foi diferente. Será que isso, então, quer dizer que a vacina não funcionaria? Já imagino a nuvem dessa pergunta passando sobre a sua cabeça e respondo: nada disso!

Isso quer dizer que, se você compara quem se vacinou com quem não se vacinou, o risco de quadros graves é invariavelmente bem menor na primeira turma. No entanto, se você compara pessoas vacinadas entre si, verá que o perigo de ter algum problema é sempre maior entre aqueles que, muitas vezes por excesso de confiança, de algum modo se descuidaram e contraíram o vírus múltiplas vezes.

Aliás, se duvidar, como estamos vendo agora, com o povo sem máscara em lugares fechados e deixando o álcool em gel para as mãos esquecido em algum canto.

Qualquer pessoa corre maior perigo ao se reinfectar?

Por mais que o trabalho tenha sido bem conduzido, ele não é perfeito. "A maioria dos dados usados é referente a uma população de homens brancos", repara o professor André Báfica. "Esse é um ponto de cautela. Precisamos de novos estudos com populações com uma diversidade maior."

Sim, em tese os resultados poderiam ser diferentes dependendo da etnia, da idade — lembrando que os reservistas analisados são mais velhos — e até do sexo. Infelizmente, a pesquisa não incluiu mulheres.

Logo, por enquanto não dá para saber se as reinfecções são igualmente ameaçadoras para uma senhora da mesma idade dos reservistas ou para um rapaz jovem, por exemplo.

"Independentemente disso, como esse é o primeiro estudo que mostra de uma maneira sistematizada que as reinfecções são capazes de elevar o risco de problemas médicos, seus achados já servem para sugerir que ações de saúde pública sejam implantadas o mais rápido possível para evitar as reinfecções causadas pelas novas subvariantes circulando por aí."

De infecção em infecção

A imunologista Cristina Bonorino, professora da UFCSPA (Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre), no Rio Grande do Sul, conta: "Noutro dia, observei com colegas que a gente quase nunca fica examinando o que acontece quando uma pessoa tem uma reinfecção por qualquer vírus, presumindo que ela ficaria protegida mais tarde, principalmente por conta de vacinas".

Segundo ela, no fundo o que o trabalho americano revela é que, a cada vez que o Sars-CoV-2 nos reinfecta, há uma diminuição da expectativa de vida.

"Talvez seja uma característica dele. Mas talvez a mesma coisa aconteça com outros vírus, despertando em nós a curiosidade de realizar mais estudos levantando quantas vezes alguém teve infecções virais, como bronquiolite na infância, sarampo e tantas outras."

Será que, de infecção em infecção aparentemente curada, nosso corpo acumularia problemas capazes de atrapalhar a vida? Mais um enigma que a pandemia traz para a ciência resolver.