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Blog da Lúcia Helena

REPORTAGEM

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Aneurisma cerebral: nova estratégia resolve o problema com mais segurança

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

14/06/2022 04h00

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A gente não faz ideia, mas aproximadamente três em cada 100 pessoas têm um aneurisma no meio do cérebro. Isto é, uma dilatação em um trecho de um de seus inúmeros vasos sanguíneos porque, bem ali, ficou enfraquecido e cedeu.

Na imagem do exame, o que se vê então até parece uma bexiga de festa, E, aí é que está, justamente como uma bexiga, quanto mais enche e fica maior, mais fina se torna a sua parede, sendo capaz de estourar por qualquer bobagem.

Um aneurisma, aliás, é capaz de acontecer em qualquer canto do corpo. Mas, no caso aqui, no meio do território nobre do sistema nervoso central, o vazamento de sangue pode levar à morte. Daí que muitos, ao descobrirem a anomalia, se sentem com uma bomba-relógio dentro do crânio, embora nem sempre seja isso tudo.

"A maioria dos que apresentam essa dilatação vai conviver com ela sem nunca nem sequer saber que teve algo assim", tranquiliza o neurorradiologista intervencionista Thiago Abud, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. "O aneurisma é, na maioria das vezes, assintomático."

A gente só vai sentir alguma coisa quando cresce demais, comprimindo um nervo ou outra estrutura cerebral. Ou quando, infelizmente, ele se rompe. "Aí, provoca uma dor lancinante, acompanhada ou não de um sintoma neurológico, como a convulsão", conta o doutor Abud.

Casos assim, nem se discute, são urgências — e daquelas! O derramamento de sangue no cérebro, quando não mata, pode deixar o indivíduo bastante debilitado e com sequelas.

Mas todo aneurisma é tratável antes de alguém chegar a esse ponto. E, às vezes, é até recomendado fazer algo para resolvê-lo, sem passar perto do risco de uma situação assim.

Nos anos 1990, surgiram espirais metálicas, feitas de fios quase como um cabelo mais grosso, com as quais os médicos criam novelos dentro do aneurisma até preenchê-los, evitando que o agito da circulação faça qualquer estrago ali.

"Hoje, já existem opções de dispositivos de formatos e materiais diferentes. O desafio é fazer a escolha correta — se vou precisar de molas ou se vou usar uma rede ou, ainda, um balão — e acertar no tamanho exato também", ensina o neurocirurgião Michel Frudit, já paramentado para mais um desses procedimentos, o qual seria realizado na sala ao lado.

O lugar estava mais alvoroçado do que o normal. Pudera. Primeiro, tudo o que fosse feito ali seria transmitido em tempo real para um telão no hotel paulistano onde acontecia o IV Simpósio Internacional de Neurorradiologia até sábado, dia 11.

Além disso, o doutor Frudit iria percorrer o labirinto dos vasos sanguíneos — até alcançar a área problemática da cabeça, iniciando o percurso por um furinho na veia femoral, na altura da virilha — ao lado de um dos maiores expoentes do mundo nessa área, o médico francês René Chapot, que na verdade atua na Alemanha, no Alfried Krupp Hospital.

Tudo pronto. A postos, o contraste para ser injetado e tornar todo o trajeto visível. Um raio "X" de altíssima definição se encontrava acionado sobre a maca para transmitir a imagem nítida da vascularização às telas nas quais os médicos se mantinham de olho. Equipe igualmente atenta. Iria começar. Mas, sob o lençol cirúrgico azul, o que todos viam eram veias e artérias de silicone apenas. Seria o caso de pensar: cadê o paciente?

O treino realizado na véspera

O paciente tinha sido submetido ao exame capaz de fornecer a imagem mais detalhada possível de seus vasos — a angiotomografia. Ela serviu de base para o trabalho de uma impressora 3D.

A impressão 3D é uma artimanha da tecnologia que produz protótipos rapidamente. Ela começou a ganhar espaço em centros de saúde de ponta há cerca de uma década. "A grande novidade é usá-la para criar um molde com o revestimento de um silicone especial, possibilitando ao médico treinar o que será feito no dia seguinte", esclarece Rodrigo Gobbo Garcia, que coordena a área de radiologia intervencionista no Einstein.

Essa simulação faz total diferença, como se viu naquele mesmo dia durante um procedimento anterior: o material usado, ao chegar no aneurisma, mostrou que era curto demais e saiu depressa do lugar. "No paciente real, isso poderia se transformar em uma falha brutal, o que já não corre o perigo de acontecer porque agora sabemos que aquele dispositivo não serve para o seu caso", explica o doutor Gobbo.

Sem contar que a simulação evita o desperdício: ora, a mola minúscula introduzida no aneurisma, que a olho nu parece menor do que a ponta de uma caneta, pode custar em torno de 40 mil reais. Imagine quando ela não se encaixa à perfeição e precisa ser trocada no ato...

O que de fato muda

Segundo o doutor Gobbo, antes também era possível treinar com a imagem dos vasos de quem tinha o aneurisma. "Isso acontecia em telas, como se fosse um videogame", compara. "Só que o emaranhado de curvas e, acima de tudo, a topografia dos vasos de um indivíduo são únicos e apenas esse silicone especial pode traduzir todas as percepções que podemos ter na hora agá", justifica. Ele está se referindo ao tato.

O material do molde é tal e qual a vasculatura do paciente até nisso, na percepção tátil que temos dele. "O médico consegue sentir se dá para colocar um pouco mais de força ou não, se deve puxar um pouco mais uma mão do que a outra e assim por diante", descreve Gobbo.

A simulação é exata até na pressurização. Porque, lembre-se, o sangue passa fazendo uma pressão contra as paredes dos vasos. "Nas curvas, enquanto o médico conduz o dispositivo pelo cérebro, essa pressão precisará ser vencida, mas sem ele empurrar demais", diz Gobbo.

Sem contar que, na proximidade do aneurisma em si, podem se formar turbilhões de sangue para atrapalhar. Tudo faz diferença na execução de movimentos precisos.

"O fato de esse treinamento ser feito na mesma sala que será realizado o procedimento com o paciente de verdade depois também colabora para o realismo e, então, a segurança aumenta demais", comenta o doutor Michel Frudit.

Diga-se que, em breve, o Einstein deverá introduzir a mesma estratégia em procedimentos para tratar aneurismas em outros cantos do corpo, como os abdominais e os torácicos.

Quando tratar

"Quando um aneurisma é pequenino e único, em princípio não há maiores motivos para preocupação", pensa Thiago Abud. O que aumentaria o risco seria o trio pressão alta, tabagismo e colesterol elevado. Aí, fique esperto.

Fácil entender por que a pressão: em um pico mais intenso, ela talvez rompa a região dilatada. "Já o cigarro e o colesterol mexem com as paredes dos vasos e, se duvidar, o aneurisma poderá até inflamar e sangrar", explica Abud.

Claro, existem ainda fatores de risco genéticos e outras condições associadas à encrenca. "Quem tem rins policísticos possui tendência a apresentar aneurisma cerebral e, no caso, há maior probabilidade de ele se romper", exemplifica o neurorradiologista.

Também acende a luz amarela quando, no cérebro, os médicos enxergam vários aneurismas, mesmo que sejam pequenos. Então, geralmente escolhem aquele que parece mais ameaçador para ser cuidado primeiro.

É levada em consideração, ainda, a idade do paciente. Se ele é jovem, é uma história. Mas, com os anos, os vasos tendem a se enrijecer, o que os torna, em uma figura de linguagem, mais quebradiços. Fazer qualquer procedimento será mais difícil. Porém, a ameaça do aneurisma se romper aumenta também.

Seja como for, um aneurisma com mais de 7 milímetros não dá pano para muita conversa: ele precisa ser tratado.

Aneurisma e dores de cabeça

Sossegue: aquela enxaqueca clássica e infernal raramente tem a ver com o problema. O que acontece é que, muitas vezes, ao fazer exames de imagem para investigar a amaldiçoada cefaleia, você descobre sem querer um aneurisma.

Este só dói para valer quando se rompe. Se bem que existe o que os médicos chamam de dor sentinela. "Muitas vezes, pouco antes do rompimento do vaso, há rupturas pequeninas", conta o doutor Gobbo. São como trincos, por onde escapa um pouco de sangue até o organismo administrar o acidente. E isso pode doer. Daí que vale fazer uma consulta médica se a cabeça vive prestes a estourar.

Para esquecer o problema

Perguntei ao doutor Rodrigo Gobbo Garcia em que situações o procedimento minimamente invasivo não pode ser realizado. "Existem casos, mais raros, em que a localização do aneurisma é desafiadora ou até o seu formato", explica. "Se é assim, os médicos podem chegar à conclusão de que a cirurgia convencional é a melhor saída."

Mas, na maioria das vezes, molas, redes e fios metálicos que viajam até o cérebro guiados pelos médicos intervencionistas dão conta do recado. E a recuperação é bem mais rápida: "Basta uma noite na UTI semi-intensiva, mais um ou dois dias de hospital", conta Gobbo.

Em uma semana, a criatura está nova. Os dispositivos na cabeça passam de boa até por detectores de metal. "A pessoa pode fazer de tudo, até pular de pára-quedas", brinca o médico. O recado é: uma vez que o aneurisma é tratado desse jeito, é mesmo para tirá-lo da cabeça.