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Blog da Lúcia Helena

REPORTAGEM

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Covid longa: no que você deve ficar de olho até um ano depois da infecção

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

09/06/2022 04h00

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Se existe uma discussão difícil nos meios científicos é sobre a covid longa, mas está se tornando impossível deixar de encará-la. Enquanto isso, a população, isto é, gente como eu e você fica um pouco perdida.

Para quem pegou o Sars-CoV-2 — e, na era ômicron, infelizmente estamos falando de cerca de metade de nós — qualquer coisinha diferente já é motivo de cisma. Será que a causa, lá no fundo, não seria a covid-19? E no que qualquer um deveria ficar atento nos primeiros meses, para não dizer no primeiro ano, se foi testado positivo um dia?

Segundo o CDC (Centers for Disease Control and Prevention), nos Estados Unidos, uma em cada cinco pessoas com menos de 60 anos que tiveram a covid-19, incluindo crianças e adolescentes, terá manifestações tardias ou persistentes da infecção pelo coronavírus. E a proporção sobe para um em cada quatro indivíduos, quando são sexagenários ou até mais velhos.

Se é assim, veja só o tamanho da encrenca que temos pela frente: até ontem, dia 8, o Brasil acumulava 31,3 milhões de casos de covid-19 e o mundo, 534 milhões. Pense que entre um quarto e um quinto de toda essa gente poderá ter covid longa.

Em princípio, sob esse rótulo, valia quase tudo o que aparecesse de novidade depois da infecção e estamos, então, falando de uma lista com mais de duas dezenas de sintomas desagradáveis, alguns complicados pra valer, como a dificuldade para manter o fôlego.

Mas, no final do ano passado, a OMS (Organização Mundial de Saúde) resolveu organizar um pouco esse barraco e definiu uma lógica para os médicos afirmarem que alguém está mesmo com um quadro de covid longa. Parte importante desse critério tem a ver com a duração das queixas.

A covid longa, por definição

Primeiro ponto: o critério da OMS implica em você apresentar sintomas que tenham surgido junto com o diagnóstico de covid-19 e que não tenham sumido mesmo depois de 12 semanas, ou seja, três meses após o raio da infecção, como se tivessem chegado para ficar.

Mas também valem sintomas que deram as caras apenas depois de você já ter se livrado do Sars-CoV-2, desde que aparentemente não exista a possibilidade de terem outra causa qualquer e que também ultrapassem as tais 12 semanas, sendo a data da infecção o "zero" dessa contagem.

Se desaparecerem antes desse prazo, não estamos mais falando de covid longa, mas da recuperação esperada e chata de uma doença igualmente chata.

Só isso? Não! Segundo ponto: esses sintomas têm que persistir por no mínimo oito semanas, ou dois meses. Onde quero chegar: aquela pessoa que ficou um mês e meio com a cabeça estourando de dor, mesmo que esse incômodo tenha ultrapassado as 12 semanas, não está enquadrada na covid longa, de acordo com a orientação da OMS. E tudo porque não padeceu por dois meses inteiros de cefaleia. Passou? Não foi covid longa, foi mais uma recuperação chatinha e ponto.

Em resumo, a queixa deve ter duração de dois meses sem muita trégua e estar presente após três meses do diagnóstico de covid-19.

Último detalhe: a OMS considera como integrantes da definição de covid longa os problemas respiratórios, os cardiológicos, como a famosa miocardite, que é infinitamente mais comum depois da infecção pelo Sars-CoV-2, e os neurológicos, desde que sejam aqueles que atrapalham de maneira muito significativa o dia a dia das pessoas, como a fadiga e as questões ligadas à memória.

Segundo o médico Max Igor Lopes, coordenador do Ambulatório de Infectologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo) e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia, ninguém está minimizando o sofrimento de quem tem sintomas que não se encaixam nessas situações, que vão de problemas de pele a dores pelo corpo.

"A ideia da OMS, neste momento, é focar naquilo que é mais importante, direcionando um perfil para o atendimento tanto na saúde pública quanto na privada", justifica. "As complicações respiratórias tendem a ser mais graves, por exemplo."

Portanto, no primeiro ano após a infecção pelo Sars-CoV-2, os três primeiros meses de observação são cruciais — até para você sair dizendo que teve ou que tem pra valer covid longa.

No entanto, como o próprio infectologista reconhece, alguns problemas escapam desse critério mais atualizado da OMS e eles merecem um olhar zeloso por um período até mais prolongado.

Atenção na pressão arterial, na glicemia e na saúde do fígado

"Uma dificuldade para falar em covid longa é aquela: você sempre deve tentar provar que há uma relação causal entre o que a pessoa apresenta e a covid-19", diz o doutor Max Igor Lopes. "Com ômicron ficará bem difícil, porque tudo o que aparecer nos próximos dois, três meses em 50% dos brasileiros alguém irá achar que teria ocorrido por causa da infecção por essa variante e será complicado diferenciar."

À frente da equipe que investiga a covid longa no Hospital das Clínicas da USP, ele conta que muitos estudos nesse campo focam um determinado problema de saúde que apareceu após a covid-19 e fazem a comparação com o que acontecia antes.

"Mas, para evitar confusão, sempre comparamos gente que, durante a fase aguda da infecção, passou por situações semelhantes. Por exemplo, olhamos para o antes e o depois daqueles que precisaram de UTI e analisamos separadamente aqueles que ficaram em um leito comum de hospital, sem misturarmos esses grupos."

Foi assim que confirmaram por aqui algo que se nota mundo afora: a frequência de diagnósticos de diabetes, hipertensão e alterações do fígado é maior no período pós-infecção, embora nada disso seja considerado covid longa.

"Não podemos dizer que o coronavírus seja a causa. Mas, de alguma maneira, ele ou as reações desencadeadas por ele no organismo parecem amplificar a tendência de um indivíduo desenvolver esses três problemas", afirma o médico. "Talvez a pessoa se tornaria hipertensa ou diabética de qualquer jeito, mas a covid-19 aceleraria o processo."

Para ele, nesta altura do campeonato, buscar os mecanismos não leva a lugar algum. "Sejamos práticos: a mensagem clara é que, sabendo que a pressão alta, o diabetes e os problemas hepáticos têm maior probabilidade de aparecer, médicos e pacientes precisam reconhecer a importância de monitorá-los até dois anos após a covid-19, sendo o primeiro ano o mais importante". Ele aconselha exames com esse intuito a cada seis meses nesse período.

Vacina ajuda a não ter?

Recentemente, um estudo publicado na Nature Medicine e assinado por pesquisadores do Veterans Research and Education Foundation, nos Estados Unidos, observou quase 34 mil pessoas vacinadas que contraíram o Sars-CoV-2 no ano passado.

Elas foram examinadas seis meses após a infecção e, segundo os cientistas, o esquema vacinal completo só reduziu o risco de covid longa em 15%. Um resultado um pouco decepcionante. Mas será isso mesmo?

Uma das críticas ao trabalho é registrar a prevalência dos sintomas relacionados à covid longa, sem no entanto checar se a pessoa já sentia algo parecido antes de pegar o coronavírus — às vezes, por exemplo, as crises de ansiedade que já existiam no passado só foram valorizadas ao ter ficado doente. A pesquisa também juntou gente que tinha um tempo diferente de vacinada, mesmo sabendo que a imunidade já está mais baixa às vésperas da época do reforço.

"Mas o ponto curioso desse e de outros estudos foi notar que, entre pacientes que por um motivo qualquer, ao receberem alta, ganharam a prescrição para tomar anti-inflamatórios em casa — no caso, corticoides—, os casos de covid longa foram menos frequentes", conta o doutor Max Igor Lopes.

Isso indica que a persistência da inflamação provocada pelo Sars-CoV-2 é mesmo um fator importante para o desenvolvimento de quadros de covid longa e sugere uma possível estratégia de prevenção que, claro, não deverá ser aplicada a torto e a direito, mas naqueles pacientes que tiveram quadros mais severos. "A covid longa é muito mais comum neles" assegura o infectologista.

Por isso mesmo, aliás, a maioria das pesquisas relata que, quando a covid longa aparece em pessoas vacinadas, os sintomas são mais brandos. "E a própria duração deles tende a ser menor também", informa o doutor.

No dia a dia do hospital, ultimamente ele tem encontrado bem menos casos de sintomas persistentes e intensos, daqueles capazes de bagunçar a rotina das pessoas. A mudança, aposta,pode ser atribuída ao avanço da vacinação. É a nossa esperança para segurar um outro tipo de onda, a da covid longa, depois desse arrastão que ômicron anda fazendo por aí.