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Blog da Lúcia Helena

REPORTAGEM

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Estudo prova: vale muito a pena se vacinar, mesmo se você já pegou ômicron

Getty Images
Imagem: Getty Images

Colunista do UOL

30/05/2022 15h46

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Será que, diante da explosão de casos de covid-19 provocados pela variante ômicron, as pessoas ainda saem ganhando quando completam o esquema vacinal ou correm atrás do seu reforço?

A resposta é tão preciosa que, por encontrá-la, um estudo de cientistas do Instituto Gonçalo Moniz, da Fiocruz-Bahia, acaba de sair na revista científica The Lancet e, mais do que isso, foi a escolha do editor. Explico: pela tradição nos meios acadêmicos, os editores apontam aqueles artigos que, em sua opinião, todo cientista não poderia ficar sem ler. E, sim, de acordo com os resultados do trabalho brasileiro, a vacinação faz a maior diferença até mesmo — atenção! — para quem já teve a doença.

Aqui, no nosso quintal, a informação chega em um momento dos mais críticos, do qual muitos não estão se dando conta.

Só ontem, 29, o Brasil registrou 8.195 novos diagnósticos da infecção por ômicron, segundo o Ministério da Saúde. E não vamos ser ingênuos: o número deve ser bem maior. Ora, todo mundo conhece alguém que recebeu o resultado positivo de um autoteste e só contou o perrengue para pessoas próximas, escapando de engordar os dados oficiais.

Paralelamente, se ômicron faz a festa em ritmo acelerado, a vacinação no Brasil que ia bem, obrigada, começou a andar devagar e, infelizmente, quase parando.

Segundo boletim da Fiocruz divulgado na semana passada, oito em cada dez brasileiros acima de 25 anos de fato estão com o esquema vacinal completo. Isso significa que eles tomaram as duas primeiras doses que ensinariam o seu organismo a se defender do Sars-CoV-2.

Parece bom. A questão é que o sistema imunológico precisa rememorar essa lição de tempos em tempos — zero surpresa, porque a imunização contra vírus respiratórios costuma ser assim.

O que preocupa demais é que nem 65% dos brasileiros entre 55 e 59 receberam o reforço. Aliás, quanto mais jovem a faixa etária, pior é: só 25% dos moços entre 18 e 19 anos têm o carimbo do reforço na carteira de vacinação.

Parte desse descaso, deixando pra lá a ida ao posto, vem de uma percepção de que ômicron pegaria mais leve. A variante é mesmo diferente de suas antecessoras. E isso menos pelos quadros brandos que provoca —algo que, ironicamente, tem o mérito da vacinação também.

Ômicron é diferente porque é transmitida com tanta, mas com tanta agilidade que a sensação é de que basta estar vivo e pisar na rua sem muito cuidado para ser infectado por ela.

Segundo, sabe-se que a proteção das vacinas para ômicron parece não ser a mesma coisa. A pessoa pode pegá-la com facilidade mesmo já sendo vacinada.

"A cada nova variante do coronavírus, a proteção se torna mais fugaz e, contra a ômicron, parece baixar depois de um tempo até mesmo em adolescentes", constata o imunologista Manoel Barral-Netto, líder do trabalho que está causando alvoroço. Volto então à questão: é para se dar por vencido, pegar logo ômicron e deixar a vacina de lado? "Longe disso", rebate o pesquisador.

Imunidade híbrida

Até o dia 11 deste mês de maio, a estimativa era de que 519 milhões de pessoas, por baixo, tenham sido infectadas pelo Sars-CoV-2 no mundo inteiro. Também foram aplicadas pelo menos 11 bilhões de doses de vacinas no mundo inteiro.

Nesse cenário, é importantíssimo compreender a chamada imunidade híbrida, aquela que o seu organismo obtém depois de passar por duas experiências distintas, a de ser infectado pelo vírus da covid-19 pra valer e a de ter recebido o imunizante.

Esse conhecimento — que o estudo brasileiro esclarece, daí seu sucesso — proporcionará um planejamento mais inteligente das campanhas de vacinação. Ora, será que é preciso oferecer a dose de reforço para todo mundo que já se infectou ou seria exagero? Um outro modo de questionar a mesma coisa: quem já pegou ômicron pode se dar ao luxo de esnobar a dose de reforço?

"O Brasil é um dos poucos lugares que pode fazer esse tipo de estudo", explica Barral-Netto. "Aqui, temos registros nacionais e, por isso, conseguimos avaliar a população inteira. Existem países com mais recursos para a ciência, mas seus dados sobre a vacina e a covid-19 se encontram fragmentados. Portanto, neles os pesquisadores não conseguem respostas para perguntas como essas."

No passado, o mesmo grupo da Fiocruz-Bahia já tinha encontrado evidência científica de que as vacinas ofereceriam uma boa proteção adicional para quem tinha pegado a variante gama antes, popularmente chamada de variante de Manaus. E isso também foi observado por eles com a variante delta. Desta vez, queriam saber de ômicron.

Como foi o estudo

Os pesquisadores liderados por Barral-Netto compararam gente que teve o RT-PCR positivo com gente que testou negativo, entre o primeiríssimo dia de janeiro a 22 de março deste ano. Nesse período, sabemos que ômicron dominou totalmente o nosso pedaço, sendo muito improvável que alguém infectado estivesse com qualquer outra variante. E, nele, foram registrados 9.266.235 testes, feitos em 8.471.562 pessoas.

Antes que você estranhe o número de testes ser maior do que o de indivíduos, basta lembrar que tem gente que, desconfiada do resultado negativo, resolve repetir o RT-PCR para confirmar se está mesmo livre da covid-19 — simples assim.

No final, porém, ficaram apenas 918.219 testes de 899.050 pessoas no estudo. Pura cautela. "Descartamos tudo o que poderia confundir os resultados, como os exames feitos por pessoas que não informaram a idade", exemplifica o imunologista. Também caíram fora os testes de quem tinha menos de 18 anos ou que tinha tomado vacinas diferentes, como AstraZeneca na primeira dose e Pfizer, na segunda.

De toda essa gente, pouco mais de 52% tiveram resultado positivo e, portanto, perto de 48%, negativo. Barral-Netto e seus colegas, então, focaram naqueles que estavam com a covid-19.

Mais de um terço dos infectados — ou 35,2% — eram indivíduos que não, não estavam vacinados. E, se você olhar só para esses 35,2%, eles são a soma de 2,4% —porcentagem de quem já tinha tido a covid-19 e que, talvez até por causa disso, desprezou a oportunidade de ser vacinado ou tomar reforço — e 32,8% que disseram que aquela era sua primeira vez com o Sars-CoV-2.

A proteção depois de ômicron

Segundo o estudo, a proteção oferecida exclusivamente pela própria doença causada por ômicron, no sentido de evitar a reinfecção, foi de 28,9% — cá entre nós, bem baixa.

Ou seja, quem confia que está de boa porque acabou de pegar a covid-19 se engana redondamente. A maior probabilidade — bem maior, diga-se de passagem — é de sair por aí e pegar ômicron outra vez.

É bem verdade que a infecção pra valer mostrou que pode proteger contra quadros graves em uma eventual reinfecção — uma proteção de mais de 60%, em alguns grupos, beirando os 85%, às vezes.

O que já era bom, porém, tornou-se ótimo em quem deu o braço a torcer depois de se infectar e tomou vacina ou a dose de reforço, ficando com a carteira de imunização sem qualquer atraso em matéria de covid-19.

E a proteção de quem recebeu vacina após pegar ômicron

Quem toma a vacina depois de já ter contraído ômicron aumenta um pouco sua proteção contra quadros com sintomas brandos, se der o azar de se reinfectar, mas não muito. É uma proteção adicional de apenas 7,3%, isto é, em cima do que essa pessoa já tinha por ter sido infectada pelo vírus.

Assim, imagine alguém que, após pegar ômicron, ganhou 50% de proteção contra uma infecção leve ou moderada. Com a vacina, isso não subiu para mais do que 53%, 54%, uma pequena vantagem.

No entanto, o aumento de proteção contra formas graves, que fazem o sujeito parar no leito de hospital ou até morrer, foi um espetáculo à parte. A adicional foi acima de 88%. Veja bem, adicional, além da que já existia. Portanto, na prática, isso quer dizer que a imunidade híbrida faz a proteção contra casos severos beirar os 100%.

O melhor: isso aconteceu com qualquer vacina contra a covid-19. Os cientistas compararam pessoas que tinham tomado Pfizer, AstraZeneca, CoronaVac e Janssen, os quatro imunizantes que foram aplicadas no país, e todos deram show.

"Portanto, pegar ômicron até evita que você, depois, fique muito mal se for reinfectado. Mas quem, além disso, toma a vacina quase zera esse risco por um tempo.", resume Barral-Netto.

Só não se decepcione: ficar em dia com a vacinação não vai evitar ter a covid-19, nem a quebradeira que vem com ela. E nem é só por isso que você deveria continuar se cuidando.

Cuidados devem ser mantidos

"Poucas vacinas existentes protegem ao longo da vida inteira", ensina Barral-Netto. "E, claramente, os reforços da imunização contra a covid-19 têm um prazo de duração. Não são um salvo-conduto para você sair por aí sem tomar cuidado para não se infectar, ainda mais com tão pouca gente com a vacinação em dia."

O imunologista fez uma excelente comparação: "Quando você entra em um carro com airbag, nem por isso você deixa de usar o freio para evitar uma colisão".

Pois é, a vacina seria o airbag. Mas frear a festa de ômicron cabe a nós.