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Blog da Lúcia Helena

REPORTAGEM

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Clitóris: a nova cirurgia brasileira que resolve quando ele cresceu demais

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

16/12/2021 04h00

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É bem em sua intimidade que meninas e até mesmo mulheres feitas podem esconder um problema: um clitóris tão avantajado que deixaria até mesmo de merecer o nome que tem . Afinal, ele deriva da palavra grega kleitoris, que significa "pequeno monte". Mas, no caso, a forma se assemelha à de um pequeno pênis, isso sim.

A causa dessa aparência volumosa, lá no fundo, é uma só: a presença de andrógenos, hormônios masculinos, em dosagens bem acima do normal para um organismo feminino.

Isso acontece quando a menina já nasce com um problema nas glândulas adrenais, logo acima dos rins. E, agora, começa a surgir com relativa frequência na idade adulta, mas aí como efeito colateral do uso abusivo de testosterona pela mulherada que bota fé na substância para tornear os músculos, secar a barriga e turbinar os ânimos — turbinando, conforme a sensibilidade individual ao hormônio, o clitóris junto.

O tamanho desproporcional não alteraria a função desse órgão que parece só existir para dar à sua dona momentos de diversão e gozo. O potencial para o deleite, vamos dizer assim, continuaria sendo o mesmo, nem a mais, nem a menos. Mas, para muitas mulheres com um clitóris extremamente graúdo, todo prazer se desfaz, levado embora pelo constrangimento de exibi-lo na hora agá do sexo.

Aliás, a vergonha pode aparecer em momentos vivenciados fora das quatro paredes de um quarto também: "É quando a moça veste um biquini e ele fica marcado por uma protuberância", exemplifica o urologista Ubirajara de Oliveira Barroso Júnior, professor da UFBA (Universidade Federal da Bahia). Foi ele que desenvolveu uma técnica cirúrgica, inédita no mundo, para resolver a situação. E levou merecidos aplausos por isso.

As vantagens em relação a outras cirurgias realizadas até o momento para tratar a clitoromegalia, isto é, o aumento atípico do clitóris são várias, a começar pelo fato de o novo procedimento passar longe do feixe de nervos do órgão. Qualquer dano ali e já viu...

Há outros pontos positivos. "Essa cirurgia é bem mais rápida, sendo realizada em cerca de 90 minutos. E bem mais simples também", resume o professor Ubirajara Barroso. Durante o 38.º Congresso Brasileiro de Urologia, que terminou ontem, ele apresentou os seus resultados em 30 pacientes operadas na UFBA e no Hospital Geral Roberto Santos, em Salvador. No final, o trabalho ficou em segundo lugar na eleição dos melhores do evento.

O velho e o novo jeito de operar

Para entender o que a técnica cirúrgica brasileira tem de diferente, é preciso entender primeiro o próprio clitóris, órgão que só deixa visível, entre os pequenos lábios dos genitais femininos, o que seria a pontinha de sua estrutura. Ali, dizem, ele concentra umas 8 mil terminações nervosas — ui!

A sua maior porção, porém, é interna: sob a pele, se estendem por até 10 centímetros dois cilindros esponjosos, conhecidos por corpos cavernosos, tais e quais os do pênis. "Quando há estímulo e excitação, eles se distendem e são preenchidos por sangue", explica o professor Ubirajara Barroso. "É um tecido erétil."

Portanto, com os corpos cavernosos cheios de sangue, o clitóris incha, cresce e aparece — o que, atenção, até aí é normal. Esse volume extra, transitório e, ouso dizer, desejável não tem nada a ver com a clitoromegalia. Mas, dá para imaginar, ela exacerba de vez nessas horas de ereção feminina.

"Todos os estímulos que levam a essa excitação local, por sua vez, são percebidos por uma inervação, a dorsal", explica o médico. Pelo que entendi da descrição, se você estivesse de frente para uma mulher em posição ginecológica, esses nervos viriam de cima, abraçariam os corpos cavernosos, descendo lateralmente e contornando a vagina.

E aí é que está: "Nas técnicas que existiam até o momento, o cirurgião faz uma incisão na região de cima para, daí, dissecar esses nervos, descolando-os dos corpos cavernosos em uma primeira etapa. E, claro, os vasos sanguíneos são descolados junto", conta o urologista. "É um processo delicado e minucioso. Tanto que só essa parte da cirurgia já leva uma hora ou mais. É preciso ter muita experiência." Não, não é mesmo para qualquer um.

Os dois cilindros, os quais se bifurcam feito uma letra "V" de ponta-cabeça, são então retirados da paciente para os médicos fazerem neles uma espécie de plástica e remodelarem assim o clitóris, recuperando o que seria a sua anatomia normal.

"Se tudo é feito corretamente, como é o esperado, não há um comprometimento da sensibilidade", diz o professor. "A paciente sente uma dormência na região, mas isso tende a passar com o tempo", garante.

O que não volta de vez: aquele preenchimento pleno dos corpos cavernosos com sangue. Portanto, embora continue sentindo tudo o que por ventura encoste nele, o clitóris deixa de ficar intumescido. Em tese, na opinião do urologista, sendo justo com as técnicas que antecedem aquela que ele próprio desenvolveu, isso não impediria a mulher de chegar ao clímax. "O orgasmo, na realidade, acontece no cérebro", lembra.

Mas, cá entre nós, a percepção de um clitóris inchado e ávido faz parte da jornada feminina em direção ao seu prazer — prazer que, muitas vezes, está mais nesse caminho, com direito a um clitóris repleto de sangue, do que no eventual ponto de chegada. Coisa de mulher...

Com a nova técnica, porém, nada disso muda — que bom! "O que faço é retirar um pequeno retângulo da porção de baixo do tecido que recobre o clitóris", explica Ubijara Barroso. "Ali, não passa nervo algum", assegura. Portanto, o cirurgião não tem que dissecar a inervação e, por tabela, os vasos.

Por esse retângulo, como se fosse uma janela, ele retira apenas excesso de tecido erétil, que se formou graças ao estímulo dos hormônios masculinos. "Depois, eu pego as pontas desse tecido para uni-las de novo e fecho o retângulo. Simples assim."

Essa simplicidade, além de possibilitar a rapidez do procedimento — "e a gente precisa ressaltar que, quanto mais curta é uma cirurgia, mais segura ela tende a ser" — facilitará a curva de aprendizado para que mais médicos consigam repetir a técnica cirúrgica.

A hiperplasia adrenal congênita

No estudo apresentado no congresso, as pacientes operadas eram meninas, com idade média de 7 anos, todas com HAC ou hiperplasia adrenal congênita, um problema de origem genética. "Mas já operamos mulheres adultas. A nossa técnica pode ser empregada qualquer que seja a razão do crescimento do clitóris", observa o urologista.

Para que compreenda o caso das meninas, saiba que normalmente as adrenais são a grande fonte de hormônios masculinos nas mulheres — sim, o organismo feminino precisa de pitadas deles. Esse par de glândulas produz ainda a aldosterona, que é fundamental para o equilíbrio de sódio e potássio em todo o corpo, e o famoso cortisol, o qual tem inúmeras funções, participando inclusive do controle da pressão.

Em quem tem HAC, porém, as adrenais não conseguem liberar aldosterona e cortisol. "É como um cano que deveria ter três saídas, mas só uma delas está funcionando", compara Ubirajara Barroso. "Daí que todo o líquido sairá por ali." Onde ele quer chegar: em quem tem HAC, toda a capacidade de produção das adrenais, ainda no ventre materno, será destinada aos andrógenos, que ficam sobrando. E o clitóris cresce.

"Às vezes, esse crescimento não é tão evidente", diz o médico, repetindo que vai depender da sensibilidade do tecido ao hormônio masculino, a qual pode ser ligeiramente maior ou menor conforme a pessoa. Mas há casos em que uma cirurgia se torna, de fato, inevitável.

Felizmente, desde 2014 a hiperplasia adrenal congênita é rastreada no teste do pezinho feito na maternidade. Uma vez diagnosticada com essa condição, a menina passa a tomar corticoides desde cedo. Com isso, a produção de hormônio masculino cai e todo o resto se normaliza — "no passado, bebês morriam pela falta de aldosterona, por exemplo", conta Ubirajara Barroso.

No entanto, mesmo com as garotinhas medicadas cedo, um clitóris que cresceu demais à força de hormônios não encolhe sem a ajuda do bisturi depois. E o mesmo vale para o clitóris de mulheres que passam a injetar testosterona. Na intimidade, quem inventa moda corre esse risco.