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Blog da Lúcia Helena

REPORTAGEM

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Dieta: os enganos que a gente comete quando fala de gorduras boas e más

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

12/10/2021 04h00

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Se a gente está pensando na balança, todo tipo de gordura parece igual, sempre entregando ao organismo 9 calorias por grama, mais do que o dobro do que as 4 das proteínas e dos carboidratos. Mas, se a preocupação é com a saúde do coração, há gorduras e gorduras. Algumas podem ser boas. Outras podem ser ruins. E outras, até mesmo terríveis.

Aliás, foi mais ou menos assim o nome da aula que a nutricionista Alice Lichtenstein deu durante o recente XIX Congresso Brasileiro de Obesidade e Síndrome Metabólica, deixando claro, porém, que quase nunca é tão simples classificá-las desse jeito e que, por isso mesmo, terríveis também são as confusões que todos nós fazemos na hora de colocá-las ou cortá-las do prato.

Professora da Universidade Tufts, nos Estados Unidos, onde coordena e é pesquisadora sênior do laboratório de saúde cardiovascular, a doutora Alice é considerada uma das maiores investigadoras do mundo no papel dos lipídios no sentido de eles ajudarem ou, muito pelo contrário, jogarem contra o nosso coração, sendo ainda uma das líderes do grupo de cientistas que elaborou as diretrizes alimentares para a população americana.

"Com certeza, as gorduras já provocaram muita polêmica por aí no passado recente", afirmou ela no início de sua conferência. "Na década de 1980 até cerca de 1995, nós recomendávamos que as pessoas, para protegerem seu coração, tivessem uma dieta com porções bastante reduzidas de gorduras em geral, sem fazer distinção", contextualizou. "Já por volta do ano 2000, passamos a dizer para todo mundo escolher uma dieta que fosse moderada nas porções de gorduras, apenas procurando consumir um pouco menos daquelas que fossem saturadas, que na maior parte das vezes são de origem animal, bem como diminuir o consumo alimentos ricos em colesterol."

A maior razão de devolver pitadas de gordura ao cardápio foi simples: a constatação de que as pessoas preocupadas com a saúde cardiovascular, com os olhos totalmente fixados nos teores de gordura de tudo o que levavam à boca, estavam ocupando o seu lugar no prato com opções tremendamente ricas em carboidratos refinados, como pães e doces.

"O problema é que, com isso, estamos promovendo uma explosão de casos de indivíduos com triglicérides nas alturas, o que também não é bom", ensinou a doutora Alice. "Isso porque esses carboidratos logo viram glicose na corrente sanguínea. E por sua vez, quando temos uma quantidade muito alta de glicose em circulação e ela não consegue ser aproveitada imediatamente pelo organismo, é o fígado que irá lidar com esse excedente de energia, empacotando-a não apenas como moléculas de triglicérides, mas na forma de colesterol de baixa densidade, o LDL."

Ou seja, para quem teme a elevação do colesterol ruim e, na outra ponta, a derrocada do colesterol bom, que ajuda a prevenir placas nas artérias, simplesmente trocar as gorduras por carboidratos nas refeições foi uma espécie de roubada para o peito, que continuou ameaçado do mesmo jeito — estão aí os números de infartos, um dos campeões em mortalidade no planeta, não nos deixando mentir.

Em 2015, porém, tudo mudou outra vez nas recomendações. O foco foi diminuir ao máximo somente as gorduras saturadas, o que deixou alguns cientistas desconfortáveis porque esse tipo de orientação, digamos que mais radical, até causa a impressão de que gorduras, por si, teriam algo de demoníaco, fazendo-nos muito mal. E não é bem assim. Elas são necessárias não apenas como fonte de energia, mas para um sem-número de funções no organismo.

Quando uma entra, outra sai

Por causa dessa imagem negativa, não à toa em uma pesquisa de 2018, 48% dos americanos associavam uma alimentação saudável àquela que evitava todo e qualquer alimento mais gorduroso. Ao mesmo tempo, apenas 28% estavam preocupadas em reduzir os carboidratos refinados

Na opinião da cientista, essa talvez seja a primeira das confusões: na dúvida sobre como deveria ser uma boa alimentação, muita gente acredita que é melhor tirar os alimentos gordurosos do prato.

"Precisamos aprender que tendemos a consumir uma certa quantidade de alimento", disse Alice Lichtenstein. "Daí que, quando cortamos drasticamente um tipo, algo entra em seu lugar e nem sempre a troca é vantajosa". Em sua participação no congresso, ela apresentou estudos realizados em vários países, focando a substituição daquelas gorduras, as saturadas, acusadas de não nos fazer tão bem.

Sempre que as pessoas substituíam a gordura saturada das carnes e dos laticínios integrais pelas gorduras poliinsaturadas de óleos vegetais, como o de milho e o de soja — e também presentes nos peixes de água fria —, ou quando trocavam essa gordura saturada pela monoinsaturada do azeite de oliva e do óleo de canola, notava-se uma queda importante nos casos de infarto e outros problemas cardiovasculares. Era uma bela troca, portanto.

No entanto, o mesmo não parecia acontecer quando, ao invés de comerem outros alimentos mais gordurosos — castanhas no lugar de carnes gordas, por exemplo —, as pessoas passavam a ingerir mais carboidratos simples. Aí, o coração muitas vezes se dava mal.

Cápsulas nunca resolvem muito

Uma outra confusão que precisa ser desfeita, na opinião de Alice Lichtenstein, é cismar em comprar cápsulas de ácidos graxos poliinsaturados, como o famosos ômega 3, querendo garantir a saúde das artérias.

"Não se iluda. Uma cápsula de óleo de peixe não dá na mesma do que saborear uma posta de salmão", avisa. "O motivo não é apenas todos os outros nutrientes que o pescado pode oferecer ao organismo", justifica. "Voltamos à história de que, quando as pessoas passam a ingerir alguma coisa, deixam de engolir outra. Portanto, sem estar no prato, o peixe libera o seu espaço para carnes, cremes e queijos lotados de gordura saturada. Depois, não há cápsula que compense esse consumo. Ao contrário, ela só fornecerá um extra de gordura."

Manteiga e óleo de coco

Eles protagonizam dois enganos recentes, de acordo com a professora americana. "Ambos têm muita gordura insaturada, sendo que o óleo de coco, fiquem sabendo, tem até muito mais do que a manteiga", ela informa. "O irônico: este último está constantemente aparecendo em posts sobre alimentação saudável, livros de receitas e notícias da imprensa que o apontam como um ingrediente valoroso para a prevenção de doenças crônicas, o que pensando na saúde cardiovascular não faz o menor sentido."

Para Alice Lichtenstein, quando os cientistas querem saber se uma gordura aumenta ou não os riscos cardiovasculares, basta ver o que acontece com os gráficos dos níveis de LDL entre os seus consumidores — esse colesterol elevado é um marcador de que, amanhã ou depois, o coração poderá passar por apuros.

E não se enganem: esse colesterol, que costuma se depositar nas paredes dos vasos, sobe com o consumo rotineiro de óleo de coco e cai, de acordo com os estudos, quando esse ingrediente é substituído por óleo de soja, de milho e de oliva ou, ainda, quando é simplesmente retirado da dieta sem qualquer fonte de gordura em seu lugar. "Por mais que exista um marketing alegando vários benefícios supostamente relacionados ao seu consumo, para a ciência fica evidente que esse óleo não é uma boa escolha", afirma, categórica.

Um fenômeno parecido acontece com a manteiga, que vem sendo tema de matérias alegando que não há mais qualquer motivo para evitá-la. "De novo, não há respaldo científico para esse tipo de afirmação", diz Alice Lichtenstein.

De onde veio, então, a ideia de liberar de vez a manteiga? De estudos observando que indivíduos que consumiam o ingrediente diariamente não pareciam sofrer mais de infartos do que aqueles que abriram mão de passá-la no pão nem de usá-la na panela.

"Esse é o perigo de você olhar para um alimento isoladamente em vez de examinar a dieta com um todo", esclarece a nutricionista."Alguém que costuma consumir manteiga pode não ter problemas no coração só por causa de todos os outros itens do seu cardápio", conta.

Há, porém, um estudo que promoveu um embate direto da manteiga com o azeite de oliva, mostrando que a primeira, ao contrário do óleo das azeitonas, é capaz de elevar o colesterol ruim. Será que não podemos passar manteiga na torrada de vez em quando? Até podemos, com a palavra que os nutricionistas mais gostam de usar — moderação. E que seja uma torrada integral, já que é o conjunto do cardápio que faz uma gordura saturada não ser assim tão terrível.