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Blog da Lúcia Helena

REPORTAGEM

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Novo exame faz diferença em uma doença comum: a insuficiência cardíaca

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Imagem: iStock

Colunista do VivaBem

21/09/2021 04h00

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Bastam 90 segundos e nem é preciso tirar a camisa. Feito um fone de ouvido branco e grandalhão, mas encaixado no ombro como uma alça de bolsa em vez de ficar na cabeça, um equipamento com uma tecnologia inédita no país, que aterrissou por aqui mal faz dois meses, só leva esse tempo para dizer sem erro quanto fluido se encontra dentro dos pulmões.

A informação pode fazer total diferença para quem apresenta insuficiência cardíaca. No final das contas, ela acaba aparecendo, mais dia, menos dia, em todo mundo que já teve algum problema agredindo o músculo cardíaco — da longa convivência com uma pressão nas alturas a um infarto ou um defeito de válvula, por exemplo.

Neste setembro — avisa o calendário da Medicina que a próxima quarta-feira, 29, é o Dia Mundial do Coração —, está aí uma encrenca de que pouco se fala, como se uma multidão não sofresse disso. Mas, só no Brasil, são 240 mil novos casos da doença a cada ano. Ouso dizer que essa estimativa é por baixo.

Se fosse resumir o que seria o perrengue em uma frase, o Marcelo Franken, gerente médico da cardiologia do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, diria assim: "A insuficiência cardíaca tradicional, que nós chamamos de sistólica, é a incapacidade do coração de bombear o sangue adequadamente para o corpo humano." Simples.

Pois, sem romantismo, em vez de abrigar amores, o coração nada mais é do que uma espécie de bomba hidráulica que — como devemos lembrar das velhas aulas de Biologia —, ao mesmo tempo em que impulsiona um jato de sangue oxigenado para circular dos pés à cabeça, recebe outro tanto desse líquido vermelho para ser ejetado. Sai um determinado volume e entra outro, tudo ao mesmo tempo, em uma mesma batida.

Mas talvez se indague o que esse baticum tem que faz aquela pessoa com um coração fatigado acabar com pulmões cheios de líquido. O cardiologista, então, me descreve direito essa história: "Quando é assim, por falta de força, um pouco de sangue não segue, acaba voltando e fica se acumulando dentro do próprio coração", começa.

Entendo: entra mais um bocado sem que a remessa anterior tenha saído. "É feito um congestionamento de trânsito no lado esquerdo do coração, a porção dele que bombeia" compara Franken. Chega uma hora em que, como em uma estrada cheia em dia de feriado, por causa de algo que está parado bem adiante, esse sangue não consegue avançar lá atrás. E o "lá atrás", nesse caso, significa nos pulmões.

"Aliás, é assim mesmo que a gente chama: congestão pulmonar", informa o médico. Se ela acontece, de cara a pressão dos pequeninos vasos nesse órgão aumenta demais — "é muito sangue por ali", garante Franken.

Em uma tentativa de safarem sem se arrebentarem com o volume inesperado, os vasos pulmonares deixam vazar parte do fluido que estava em seu interior. Para eles, um alívio danado Porém, para os alvéolos, aqueles microscópicos saquinhos onde acontecem as benditas trocas gasosas, um sufoco. Repletos de água, já não oferecem tanto espaço para o ar da respiração. Por isso, o principal sintoma da insuficiência cardíaca é mesmo a falta de fôlego.

E é por isso também que a nova tecnologia, conhecida por ReDS (do inglês, sensoriamento dielétrico remoto), que o Einstein é o primeiro hospital do país a ter, está sendo festejada. De um jeito muito rápido e fácil — pense que alguns pacientes graves com insuficiência se cansam até para tirar a roupa! —, ela revela as variações desse fluido no interior dos pulmões.

Com esse dado, os cardiologistas podem antecipar ou ajustar medidas para diminuir o aguaceiro pulmonar. Sem enxergá-lo com precisão, muitas vezes o paciente, que tinha sido internado e recebido alta porque aparentava estar sob controle, passa mal novamente e volta para o hospital em menos de um mês. Acontece, infelizmente, com 20% dos casos. Trabalhos publicados mundo afora sobre o novo equipamento mostram que ele diminui bastante o risco de isso ocorrer.

Por que o coração fraqueja?

"Com a melhora no tratamento das doenças cardiológicas, os pacientes até vivem mais. Só que, muitas vezes, com sequelas", observa Marcelo Franken. E a mais comum delas é um músculo cardíaco que, depois de atacado, passou a funcionar pior.

Toda pessoa que sofreu um infarto, por exemplo, especialmente se demorou para encontrar socorro após o início dos sintomas, fica com uma porção do músculo cardíaco prejudicada para sempre.

A pressão alta, por sua vez, se deixou de ser cuidada, também provoca esse tipo de estrago. Afinal, por causa dela, o coração precisou se esforçar mais no bombeamento, a fim de vencer a sua resistência. Até o momento em que seu músculo se assemelha a um elástico que, após ter sido esticado várias vezes, se tornou laceado

"Na verdade, tudo o que sobrecarrega o coração em algum momento vai levar à insuficiência. Até mesmo infecções virais são capazes disso", esclarece Franken.

Um problema enorme

A insuficiência cardíaca é uma questão grave de saúde pública, capaz de matar e levando a gastos exorbitantes com internações frequentes. No mundo inteiro, são mais de 20 milhões de pessoas suportando essa condição e, se nada for feito, pouco a pouco a falta de ar dessa gente vai se tornando incapacitante. Pode faltar fôlego até para o movimento de se ensaboar durante o banho.

Antes mesmo de chegar a esse ponto, o indivíduo passa a faltar ao trabalho sempre que o coração descompensa, o que pode acontecer se ele deixa de tomar remédios por um dia, bebe um pouco a mais de água, ingere uma pitada a mais de sal ou até por causa de um resfriado.

Até há algum tempo, o que os médicos faziam era controlar essa emergência, que acaba sendo recorrente em boa parte das vezes. Agora, a tendência é nem deixar que ela aconteça, prevendo quando está para se instalar. E medir a porcentagem de fluido pulmonar, como faz o ReDS, é um jeito de detectar a ameaça iminente.

Antes de o coração descompensar

O equipamento, que permanece encaixado por alguns instantes no ombro direito, lança mão de ondas eletromagnéticas para revelar em um monitor portátil o fluido acumulado no pulmão. Por que do lado direito? "Porque, no esquerdo, existe um órgão cheio de líquido, isto é, de sangue, que confundiria a medição", explica Franken, se referindo ao coração.

Existe, deixa eu lhe dizer, uma outra tecnologia para acusar a porcentagem de fluido pulmonar. Mas, no caso, se trata de um sensor implantado em um vaso capilar do pulmão por meio de cateterismo. Cumpre o seu papel, mas com a desvantagem de exigir um procedimento invasivo, diferentemente do ReDS.

Se esse exame revelar que o fluido pulmonar está em alta, isto é, acima de 35%, o médico poderá ajustar os remédios, quem sabe até aumentando a dose de diuréticos. "Se há muito líquido se acumulando no organismo, vou usar um medicamento que age como se abrisse o ralo para esvaziar um pouco", raciocina Franken.

Já se houver exagero nos diuréticos e a porcentagem de fluido nos pulmões ficar abaixo de 20%, o equipamento também avisará. Hora, então, de diminuir a dose. Claro que existem outros remédios no arsenal para tratar a insuficiência e os diuréticos são apenas um exemplo deles.

Mas, tão importante quanto prescrevê-los, será checar se aquele paciente, o qual a nova tecnologia afirma correr o risco de sofrer uma descompensação em breve, está mesmo fazendo a sua parte — seguindo a dieta direito, entre outras coisas.

O uso da nova tecnologia

O dispositivo pode ser recrutado logo que um paciente pisa na sala de emergência reclamando de falta de ar. O sintoma pode ser causada por uma série de coisas e a insuficiência é apenas uma delas. O ReDS aponta se não é o caso.

Na internação de alguém com insuficiência, por sua vez, a nova tecnologia ajuda bastante no acompanhamento do quadro. "Pressão arterial, frequência cardíaca, temperatura, frequência respiratória e oxigenação do sangue são os cinco sinais vitais que examinamos em qualquer pessoa. Mas dizemos que, no caso de quem tem insuficiência, a porcentagem de fluido pulmonar seria um sexto sinal vital", diz Franken, mostrando a sua importância.

No momento da alta, então, nem fala. "Antes, ela era guiada pela melhora dos sintomas. Mas se, mesmo assim, a porcentagem de fluido pulmonar continua alta, o que antes podia passar despercebido, ela pode ser postergada pelos médicos", conta a enfermeira Tarsila Mota, do setor de cardiologia do hospital, que sai passeando pelos quartos repetindo o exame. Aliás, ele poderia ser feito em visitas domiciliares periódicas também — essa é outra vantagem considerável.

Desse modo, conforme o que o monitor mostrar, os cardiologistas poderão recomendar cuidados mais intensivos mesmo em casa, para evitar a necessidade de uma outra internação. Acima de tudo, essa é uma chance extraordinária para cuidar do coração e garantir, mais do que anos de existência, a tão desejada qualidade de vida.