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Blog da Lúcia Helena

Períneo: uma região que as mulheres vivem esquecendo ou, pior, maltratando

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

24/11/2020 04h00

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Quando a adolescência chega mudando as formas do corpo e empinando o bumbum das meninas de vez, pronto: com a lordose exagerada da coluna, ele pode ser obrigado a se esticar todinho e, vivendo assim estirado, lá adiante irá sofrer. Já a obesidade tão comum nos dias de hoje é um fardo danado ali, bem ali mesmo, na zona mais íntima. Um bebê no ventre também é capaz de lhe fazer uma baita pressão.

O parto? Basta um descuido para arrasá-lo. O esporte intenso muitas vezes é outro que castiga. E a falta de uso, para bons entendedores, talvez irá deixá-lo fraco para segurar a sua barra — e que barra! Leia, segurar o útero, a bexiga, o intestino, tendo apenas uns 10 centímetros de diâmetro para arcar com tudo isso, quando muito.

A ansiedade, se duvidar, o deixa tenso e dolorido, virando então um estraga-prazeres, que não relaxa nem... E na tal da maturidade, quando os hormônios sexuais femininos entram em derrocada, vai-se embora o colágeno. Daí, menina, se o rosto despenca, aposte, despenca também o assoalho pélvico — o conjunto em formato de cuia de treze músculos, ligamentos e fáscias —, que fica na região do períneo, entre o púbis e o ânus.

E vou lhe dizer: quando o assoalho pélvico desmorona, a mulher é que perde o chão. Um períneo que caiu no esquecimento sempre cobra caro por esse abandono, que pode começar nos tempos de garota. Causa dores, deixa o prazer na cama mixuruca, bagunça a geografia interna das vísceras — e isso pegando leve. Desculpa a escatologia, mas é fato: fica difícil até segurar o pum. E, em última instância, o problema provoca incontinência fecal ou urinária. Esta, aliás, inclusive por causa de um períneo renegado, costuma ser bem comum.

"Os homens também possuem assoalho pélvico", lembra a fisioterapeuta cearense Pamella Ramona, especializada em saúde da mulher, com doutorado em ciências pela Universidade de São Paulo. Sim, eles têm — usam, mas não abusam. Como a anatomia deles é outra, não têm a carga extra de um útero instalado na pelve, nem dão à luz, tampouco há a questão hormonal provocando o sumiço ligeiro do colágeno, a partir dos 40 anos só 15% dos representantes do sexo masculino deixam escapar um xixi de vez em quando.

"No entanto, isso pode acontecer com cerca de 45% das mulheres na mesma faixa etária, que sentem o escape de urina se tossem de repente ou se espirram do nada, se fazem uma ginástica mais forte ou simplesmente se soltam uma gargalhada. Após os 70 anos, então, o risco do problema aumenta de cinco a seis vezes. E infelizmente ele deixa de acontecer apenas em situações esporádicas, virando corriqueiro", relata Pamella, que integra o recém-inaugurado Centro de Saúde da Mulher Pro Matre.

O prédio, anexo a uma das mais tradicionais e conceituadas maternidades da capital paulista, oferece a oportunidade de um olhar 360 graus para a saúde feminina. "Aqui, vamos integrar cuidados preventivos nas mais diversas áreas não só para quem espera um bebê, mas acompanhando toda a jornada de vida da mulher a partir da adolescência, com uma atenção especial para a saúde mental e emocional", me contou a ginecologista e obstetra Carla Delascio, quando me apresentou de perto o lugar, onde ela é um dos líderes especialistas.

Foi nessa ocasião que descobri o espaço que funcionará feito uma academia, só que dedicado, entre outras coisas, ao fortalecimento do bendito assoalho pélvico. Achei que devia lhe contar o porquê dessa história. "Já entrei com fisioterapeutas em sala de parto a pedido da mãe", diz a médica.

A fisioterapia na saúde da mulher

Se hoje em dia o tabu vem sendo substituído pela curiosidade, com a mulherada correndo atrás de exercícios para o períneo nas redes sociais, na visão de Pamella Ramona falta um bocado de informações sobre hábitos e descuidos no dia a dia que podem prejudicar essa região.

"As pessoas nem sequer sabem que existe essa especialidade, a fisioterapia da mulher. E, em uma cultura ainda tão opressora, um dos nossos papéis é promover o autoconhecimento do órgão genital feminino, levando a paciente a observar como o corpo dela responde a diferentes estímulos capazes de ter repercussões musculares e esqueléticas." E o assoalho pélvico bem no meio disso tudo.

Na primeira consulta, que ela me descreve, depois de uma conversa longa para entender a queixa, Pamella faz uma análise da postura — sim, como já disse, os desvios na coluna afetam essa espécie de cama elástica no fundo da bacia.

Na sequência, se a paciente se sente à vontade, é feito o exame físico, naquela posição ginecológica velha conhecida. É quando a fisioterapeuta introduz o dedo na vagina e, por exemplo, pede para a paciente apertá-lo, contraindo e soltando. Pela experiência da especialista, a cada três mulheres, apenas uma sabe fazer essa contração direito — o que, aliás, bate com dados de estudos internacionais. O períneo, decididamente, parece ter ficado de fora da tal consciência corporal.

"E mesmo quando a mulher sabe como deve contraí-lo", conta a fisioterapeuta, "muitas vezes não há tanta força, porque ele se encontra flácido", explica. Na contrapartida, a tensão de um assoalho pélvico, digamos, bem duro também não é nada boa — provoca de dores na hora de fazer o test-drive desse equipamento entre os lençóis à vontade constante de ir ao banheiro.

Quando dói para entrar

O tratamento do assoalho pélvico sempre passa por corrigir as raízes do problema em questão, sem se limitar a exercícios, massagens e uso de acessórios fisioterápicos. "Vale pedir ajuda ao psicólogo para lidar com traumas que travam essa musculatura na hora da entrada do pênis, se a queixa é de vaginismo. A fisioterapia, no caso, só ajuda a soltá-la", explica Pamella.

Mas não são apenas os traumas que deixam esses músculos cheios de dor: "A ansiedade é outra culpada", continua a fisioterapeuta. "Ela contrai o períneo, o que é fácil eu sentir no exame: da mesma forma como, ao encostar as minhas mãos no trapézio de uma pessoa estressada, que é um músculo na altura dos ombros, ela pode se contorcer e fazer careta de dor, a paciente também reclama quando eu toco em pontos tensos do assoalho pélvico, contraindo tudo quase que por reflexo."

Nesse exemplo, de novo, é fundamental tratar a causa — a ansiedade. O assoalho contraído, somado a esse estado de espírito, é um possível gatilho de uma bexiga hiperativa. "Encontro cada vez mais meninas muito jovens e com transtorno de ansiedade no consultório", contata a fisioterapeuta.

Como é o tratamento fisioterápico

Fique claro: mesmo com o envolvimento de profissionais de saúde de várias áreas, a fisioterapia nunca é dispensada quando uma condição qualquer envolve um assoalho pélvico que não está em sua melhor forma. Até em casos de um prolapso da bexiga, quando esse órgão cai por falta de sustentação adequada, não adianta os cirurgiões simplesmente colocarem fitas, os chamados slings, para alçá-la de volta ao seu canto se, depois, não resolverem a situação de quem deveria suportá-la. Ou, mais cedo ou mais tarde, a bexiga tombará de novo.

Em geral, as sessões de fisioterapia duram uma hora, mais ou menos, são semanais e, nelas, são ensinados os treinos, vamos chamar assim, para malhar o bendito períneo. "Não é diferente de tentar fortalecer o bíceps em uma academia", compara Pamella. "Não acontece da noite para o dia. E pode ser que uma jovem consiga sentir diferença depois de umas cinco semanas e que uma mulher com mais de 40 leve três vezes esse tempo. Mas, com disciplina, os resultados sempre surgem." Claro, desde que, mais do que botar o períneo para trabalhar, você consiga poupá-lo de maus-tratos.

Quando a postura maltrata

Ninguém associa um problema nas costas na juventude a uma incontinência urinária na terceira idade — mas, sim, pode acontecer essa relação. "Os desvios mais acentuados da lombar sempre podem mexer com a musculatura do períneo, esticando-a ou encurtando-a demais", explica Pamella. Vou ser precisa: se você costuma sentir lombalgia de vez em quando, saiba que tem três vezes mais probabilidade de apresentar alguma disfunção no assoalho pélvico.

Aliás, não são apenas os quadris empinados os potenciais causadores de confusão. A coluna mais retificada do que o ideal, aquela que deixa uma impressão de bumbum para dentro, também. Portanto, fica a dica: quando existe um diagnóstico de problema postural, melhor checar se ele chegou afetar a região do períneo. E, se isso aconteceu, é bom deixá-la do jeito certo antes de maiores consequências.

Tamanhos de membros inferiores diferentes, a mesma coisa. "É preciso entender que o assoalho pélvico é como um eixo, separando pés e pernas do abdômen. E, do ponto de vista da Física, ali existe uma distribuição de forças", diz Pamella. "Eu não me refiro apenas à gravidade, embora ela conte bastante — ora, se não fossem os músculos do períneo, os órgãos internos escorregariam. Há também a força que vem do solo, cada vez que você bate os pés no chão. Ela sobe e acaba sendo neutralizada na pelve", ensina.

Portanto, se não fosse o tal do assoalho, sentiríamos qualquer caminhada daqui até a esquina nas entranhas. E digo mais: sem um períneo tonificado, essas forças acabam, sim, tirando os órgãos de lugar, o que vai atrapalhar o seu funcionamento mais dia, menos dia.

Excesso de exercícios de alta intensidade

Cá entre nós, o cross fit é uma das modalidades execradas por muitos fisioterapeutas. Os movimentos e o esforço nesse tipo de treino aumentam a pressão interna do abdomen na hora agá — e sobra pra quem? Você deve imaginar a resposta.

O mesmo vale para as aulas de jump nas academias. "A cada salto naquela espécie de pula-pula, é como se os órgãos internos socassem o assoalho pélvico", descreve a especialista. Segundo ela, a corrida, se praticada com exagero e sem qualquer orientação, tem o mesmo efeito a cada passada da atleta.

O resultado é um períneo em frangalhos depois de vários treinos, maratonas e afins. As marteladas internas desgastam sua estrutura, estirando seus ligamentos e levando a uma perda mais acelerada de colágeno, a proteína que forma as fibras de sustentação dos tecidos humanos.

Tem saída que não seja abandonar o esporte? "Tem", responde Pamella. 'Mas é preciso muita consciência corporal e saber o instante exato de contrair o períneo ao fazer determinado movimento e a hora de soltá-lo depois. Se não é feito esse jogo de contração e relaxamento sincronizado com os movimentos da modalidade, então certamente o assoalho pélvico começará a fraquejar."

O efeito dos quilos a mais lá embaixo

O sobrepeso e, principalmente, a obesidade não só impõem uma carga extra ao assoalho pélvico — os quilos em excesso ainda aumentam a pressão intra-abdominal. "Imagine um balão de gás que você aperta", sugere a fisioterapeuta. "Essa pressão terá de ir para algum lugar, certo? E o normal é que ela desça." E o que está lá embaixo?

Por isso, é aconselhável que mulheres com obesidade nunca se descuidem do períneo. Evidentemente, o ideal seria que também eliminassem o excesso gordura acumulado no corpo. "Devemos ficar mais espertas ainda se a pessoa já está acima do peso há anos. Ora, então são meses e meses sobrecarregando o períneo, o que tem um efeito cumulativo", informa Pamella.

O peso da gravidez e o parto

O bebê, se tudo correr conforme o esperado, nascerá com 2 quilos e pouco, 3 quilos e pouco. O útero deve aumentar de peso, cerca de 1,5 quilo. Acrescente uns 900 gramas da placenta e mais um tanto do líquido amniótico — tudo isso para cima do períneo na melhor das hipóteses. Isto é, se a mãe não estiver à espera de gêmeos, se não estiver fora de forma, se não engordar demais na gestação...

"O efeito de uma gravidez sobre o períneo em princípio é o mesmo da obesidade. Há uma vantagem, você pode me dizer: esse períneo não será obrigado a aguentar a sobrecarga por anos e, sim, por nove meses apenas", observa Pamella. "É verdade. Em compensação, há um ponto desfavorável : a placenta e o corpo lúteo secretam um hormônio chamado relaxina, cuja função é deixar todos os tecidos bem molinhos, justamente para que não ofereçam tanta resistência à passagem do bebê na hora do parto." Em resumo: por causa desse hormônio, o períneo da grávida já é mais vulnerável.

Então, vale esclarecer: não são apenas as futuras mamães que passaram pela experiência do parto normal que devem fortalecer essa região e, sim, toda grávida. Em geral, os exercícios para o assoalho pélvico são liberados depois de a mulher completar 12 semanas de gestação.

O foco principal é trabalhar a musculatura do períneo para ela se distender um bocado e, depois, voltar ao estado de origem sem atropelos. Aí talvez você pense que a medida só é desejável para quem planeja um parto via vaginal. Errado. "O nosso corpo não sabe o que é cesárea. Uma vez que tenha um bebê lá dentro, ele sempre vai se preparar para um parto pela vagina", avisa Pamella. Em outras palavras, até mesmo em mulheres que não alcançam a dilatação ideal por um motivo ou por outro, o assoalho pélvico já não é o mesmo — ele se distendeu.

Menopausa é mais do que hora de malhar o períneo

Aí mesmo é que, sem manutenção, o assoalho pélvico vai para o brejo — então, além de causar incontinências, o sexo perderá parte da graça. Tudo acontece porque o estrógeno, cujos níveis declinam nessa fase, tem uma série de funções no organismo. E manter nossa musculatura firme e forte — a dos braços, a das pernas, de onde for e, claro, a do períneo — é um desses papéis.

Por isso, quando nada é feito — de uma eventual reposição hormonal prescrita por médicos a exercícios —, perdemos massa magra em todo o corpo. Nas redondezas da vagina e do ânus não seria diferente.

Há também, segundo Pamella, uma diminuição acentuada do colágeno, igualmente provocada pela falta de hormônios. Resultado: os ligamentos da região se transformam em fios frouxos. Os órgãos caem. O orgasmo perde a força. A urina fica gotejando. Para que sofrer com isso?! A ordem é malhar a região no centro de tudo.

O certo, certo, certo é você procurar um serviço especializado e uma profissional de fisioterapia. Exercícios genéricos ajudam, mas não resolvem completamente. Afinal, há movimentos e macetes específicos para cada caso.

Agora, se já quer partir para um aquecimento, aprenda: "O básico é fazer três séries de 15 repetições de contração por 5 segundos, como se quisesse segurar o xixi, relaxando os músculos da região na sequência." E, sem medo de encarar o exercício, quem sabe seja uma boa apontar um espelhinho para a vagina nas primeiras vezes. Isso ajuda você a perceber se ela está se contraindo bem. Como brinca Pamella, o que nos falta é um GPS íntimo.