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Blog da Lúcia Helena

Câncer de próstata, hiperplasia e prostatite: um trio esquecido na pandemia

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

05/11/2020 04h00

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Diria que são os 20 gramas que mais pesam na saúde masculina — sim, porque a próstata não tem muito mais do que isso, não, com o seu formato de noz. Eu sempre acho que, apesar de ter esse tamanhinho, ela carrega em si uma responsabilidade gigante, muito além da fisiológica, que seria produzir certos fluidos para garantir a vida e — por que não? — o sucesso dos espermatozoides.

Afinal, quando chega novembro e o mês se tinge de azul, tom usado para alertar os rapazes de que eles precisam visitar um médico, é nela que todos pensam primeiro — embora, cá entre nós, homem que é homem deveria se cuidar da cabeça aos pés.

Mas vamos lá: é por meio de campanhas destacando o exame da próstata que se passa o recado tão necessário do autocuidado. Pena que alguns senhores ainda o recebam com um dedinho de preconceito. Sem contar que muitos postergam a ida ao consultório do urologista por causa do medo mesmo, um sentimento que ganhou novas camadas com a pandemia.

Isso nem espanta: infelizmente, anda acontecendo em outras situações e com as mulheres também. Paradoxalmente, este 2020 em que não se falou de outra coisa que não fosse o receio de adoecer afastou muita gente da prevenção.

Pesquisa dá uma noção do problema

A SBU (Sociedade Brasileira de Urologia) acaba de divulgar os resultados de uma pesquisa online com 499 participantes distribuídos em 22 estados do país para entender o impacto da pandemia em problemas que acabam chegando aos médicos dessa especialidade. E assim 55% dos homens com mais de 40 anos, que representavam três em cada quatro respondentes, puderam assumir: eles deixaram de fazer alguma consulta ou tratamento neste ano dominado pelo novo coronavírus.

"E, detalhe, 51% deles admitiram que já se cuidavam menos do que deveriam", observa a urologista Karin Jaeger Anzolch, que é, além de médica do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, vice-presidente da seccional do Rio Grande do Sul da SBU e coordenadora da pesquisa, sobre a qual ela conta mais: "Pelo que vimos, 23% dos homens alegaram dificuldade para marcar consulta durante o período de maior distanciamento social, mas 40% nem sequer tentaram."

Se tem alguma coisa no meio do resultado que, ao menos, deixou a médica gaúcha um pouco feliz foi o fato de que 33% dos entrevistados nessa faixa etária declararam que iam ao urologista regularmente e outros 38% já foram a esse especialista pelo menos uma vez na vida — oba, é para frente que se anda! Já 27% dos homens acima dos 40 anos nunca foram ao uro, mas garantiram que essa consulta faz parte dos seus planos — só espero que não demorem por causa do coronavírus. E apenas 3% disseram que nunca visitaram um urologista e que nem sequer pretendem fazer isso um dia — uma covarde minoria.

Por que a próstata vai parar nas mãos do urologista

O que conhecemos como esperma é, na realidade, uma mistura de três líquidos onde ficam mergulhados os espermatozoides, cada um deles com funções bem específicas para favorecer que a nossa espécie se reproduza — afinal, não podemos perder de vista que, na natureza, esse seria o objetivo primordial de uma ejaculação.

"Um desses líquidos vem das duas vesículas seminais que, lembrando orelhas de coelho, ficam atrás da bexiga. Outro vem dos testículos. E, finalmente, temos o fluido da próstata", enumera Karin Anzolch. "Este último nutre os espermatozoides e, ainda, facilita os seus movimentos. Isso porque, logo que o sêmen é ejaculado, ele coagula. E é o famoso PSA produzido por essa glândula — sigla do inglês para antígeno prostático específico — que o liquefaz, liberando os espermatozoides para que possam nadar até óvulo."

Ora, se a próstata tem tudo a ver com a reprodução, talvez você se pergunte por que então a saúde da bendita é checada por quem cuida do aparelho urinário, o urologista. A questão é puramente anatômica: no projeto do corpo masculino, a próstata não só fica sob a bexiga, mas a uretra, que seria o canal por onde essa bolsa escoa a urina, passa bem no meio dela.

Não à toa, problemas de próstata às vezes são notados na hora em que o homem vai fazer xixi e o jato sai tímido, a conta-gotas ou faz arder, por exemplo. Existem três problemas principais que podem acometer a glândula masculina e que, até por causa de sintomas assim, é o urologista quem costuma flagrar.

Prostatite: uma inflamação relativamente comum

Dizem que até 30% dos homens já experimentaram uma inflamação na próstata, encrenca que não tem idade para aparecer. "Na maior parte dos pacientes, o problema é assintomático, silencioso feito uma hipertensão", compara a doutora Karin.

Alguns homens, porém, sentem ardência na hora de urinar, talvez uma queimação ou dorzinha insistente abaixo do umbigo, no baixo ventre. Outros notam o incômodo no períneo, a região entre o ânus e o saco escrotal. Veja bem, há um sortido e variado de sintomas e, logo de cara, o recado é: não dá para achar que qualquer desconforto na sua intimidade é coisa de macho. Esse papo de macho quase nunca é normal.

Aliás, não repare só no desconforto. Melhor eu falar em diferença, afinal... "Pode ser que o esperma fique com uma cor amarelada ou com sangue. E pode ser ainda que ele pareça mais fluido do que antes", explica a urologista. Ou seja, uma ejaculação que aparenta estar mais aguada, não tão viscosa como sempre foi ou, quem sabe, com grumos esquisitos também merece a marcação de uma consulta.

Existem até mesmo homens que — de uma maneira muito semelhante à descrição feita por mulheres que sofrem de cistite, embora esse seja um problema bem diferente — reclamam com o urologista que, quando terminam de urinar, sentem que ainda tem mais líquido para sair. E, no entanto, não pinga uma gota sequer. "A gente então pede um exame de imagem e vê que, de fato, a bexiga esvaziou. A sensação, portanto, possivelmente vem de uma prostatite", ensina a médica.

Há até mesmo casos em que surge uma febre alta de uma hora para outra e esses costumam ter a ver com infecções mais chatas. Mas, cá entre nós, nem sempre as causas da prostatite são lá muito claras. Por trás dela pode existir uma infecção, sim, como a clamídia ou a gonorreia. "Aí, quando detectamos uma doença dessas, prescrevemos depressa antibióticos, sendo importante tratar também a parceira ou o parceiro sexual', avisa Karin Anzolch.

Às vezes, foi uma uretrite que serviu de estopim. Ou seja, uma inflamação no canal que atravessa a próstata, talvez contaminado por uma bactéria do intestino durante um sexo anal sem preservativo. Se é assim, basta tratar o paciente mesmo, sem prescrever um remédio para quem está ao seu lado na sua cama.

Naquelas inflamações em que o especialista não identifica o culpado, o jeito é observar e acompanhar — o que implica, desculpem a minha insistência, em não faltar ao médico. Sem controle, a prostatite pode levar a problemas de fertilidade masculina — este é um ponto.

Além disso, embora não existam evidências científicas certeiras no caso do câncer de próstata, pelo sim, pelo não, é bom ficar esperto. Ao menos pelo que a gente vê em estudos envolvendo outros tumores, inflamações constantes em determinado órgão podem pavimentar o caminho para o surgimento de células malignas amanhã ou depois. E eu, teimosa, repito: mais um motivo para fazer exames de rotina.

Quando a próstata começa a crescer

Na contramão da maioria dos nossos órgãos que, com o avançar da idade, atrofia, a próstata tende a crescer e a crescer. Daí que mais ou menos metade dos homens com mais de 40 anos apresenta algum grau do que os médicos chamam de hiperplasia benigna da próstata.

E como, digamos, esse crescimento começa pelo miolinho, pela parte mais central e interna da glândula, a uretra se vê em um aperto. O trajeto de saída da urina vai se tornando, então, cada vez mais vez estreito. Resultado: diminui a força e o calibre do jato urinário. Às vezes, até para compensar e aliviar a bexiga, já que não sai tudo depressa de uma vez, o homem acaba que se levantando mais vezes à noite para ir ao banheiro.

"O ruim é que muitos acham que esse tipo de sintoma faz parte da idade", comenda Karin Anzolch. Essa tolerância é ruim mesmo porque vai sobrecarregando a bexiga, que precisa fazer uma força de contração redobrada para vencer a obstrução da uretra comprimida e expulsar o seu conteúdo. Com o tempo, ela fica exaurida. "É quando a urina fica retida de maneira aguda. O paciente não consegue urinar de jeito algum e precisamos solucionar a situação introduzindo uma sonda", explica a médica.

É por essa razão que o diagnóstico precoce e o acompanhamento são tão importantes. A hiperplasia não tem relação alguma com o câncer de próstata, mas essas complicações desagradáveis no mínimo atrapalham um bocado a qualidade de vida.

"Quem tem pais e irmãos com esse problema deve prestar mais atenção, porque há um componente hereditário", diz a doutora Karin. "Há também fatores comportamentais, como o tipo de alimentação, e a presença de síndrome metabólica, mais uma que favorece a hiperplasia." Mas, no fundo, é a idade que conta mais. Portanto, todo homem mais maduro deveria ficar de olho.

Para decidir se é hora de iniciar um tratamento, o urologista começa sua investigação com um questionário capaz de avaliar a percepção dos sintomas — por exemplo, o que aquele paciente sente depois de urinar. Isso é para o início da conversa.

O exame de toque retal dá mais informações. Só de palpar a próstata, que está bem ali, vizinha ao intestino, um médico experiente consegue sentir se ela já cresceu demais. A área equivalente à ponta do digital corresponderia a uns 10 gramas. Portanto, duas vezes isso e ele estará tocando em uma próstata de tamanho ainda no tamanho normal.

"Se a glândula estiver com 40 gramas, o dobro de seu peso habitual, ela certamente já estará atrapalhando o sistema urinário", explica a doutora Karin, que, então, pede exames como a ultrassonagrafia para calcular quanta urina permanece na bexiga depois de o sujeito tentar esvaziá-la. "Em geral, até 50 mililitros é uma tolerância razoável", explica.

O tratamento da hiperplasia benigna da próstata pode envolver medicamentos para diminuir as glândulas —sim, elas que crescem e se multiplicam lá dentro. O uso de medicações específicas também pode melhorar o tônus de pequenos músculos circulares ao redor da uretra.

No entanto, talvez a saída seja cirurgia mesmo. "Não é necessário retirar a próstata inteira", tranquiliza a urologista. "Basta extrair a parte mais central, criando um espaço com folga para a passagem da uretra "

A ameaça do câncer: mais ignorada na pandemia

A realidade é: ninguém conhece todos fatores que levam a esse tumor, o mais comum entre os homens, se você não considerar aqueles de pele que são não melanoma. Conta o histórico familiar? Conta. Raça? Também, já que se trata de um câncer mais frequente em homens negros, os quais deveriam começar os exames de rastreamento cinco anos antes, ou seja, aos 45. Mutações genéticas? Sim, quem tem alterações no BRCA1 e no BRCA 2, dois genes já associados ao câncer de mama — inclusive em homens — corre maior risco.

E fatores ambientais? Sim também, porque há evidências de que homens muito expostos a determinadas substâncias, como alguns derivados do petróleo, têm maior tendência à doença. "O cigarro, aliás, é outro que foi recentemente envolvido com o aparecimento de tumores de próstata", acrescenta Karin Anzolch. No mesmo caminho, despontam estudos sobre o consumo excessivo de gordura animal e esse pode ser mais um fator de risco.

Mas conta, acima de tudo, a idade. "Isoladamente, ela é o fator mais importante de todos", diz a médica. 'O número de casos aumenta bastante após os 50 anos."

Vale a gente sempre repetir que, flagrado cedo, o câncer de próstata é curável em mais de 90% dos casos. Para a urologista, um dos problemas é que seus sintomas iniciais se confundem com os das outras doenças da próstata. E tudo piora quando a pandemia vira argumento para adiar a avaliação médica.

De acordo com o Inca (Instituto Nacional do Câncer), até o final deste ano deveríamos ter 65.840 casos novos de tumor de próstata. Mas, atenção, a estimativa agora é que 50 mil deles — maioria absoluta — ficaram sem diagnóstico. "Esses homens estão perdendo a janela de oportunidade, deixando de se tratar enquanto é cedo", lamenta a médica.

Karin Anzolch lembra que, em um dos maiores laboratórios de análises clínicas do Rio Grande do Sul, seu estado, houve uma queda de 38% nos pedidos de dosagem do PSA de março a junho deste ano comparando-se com o mesmo período de 2019.

Na melhor das hipóteses, os laboratórios do país registram um número 18% menor de pedidos desse exame. O PSA elevado não é garantia de um câncer, mas levanta a suspeita. Por isso, ao lado do toque retal, ele é uma das primeiras medidas para rastrear se há algo errado com a saúde da próstata.

De mulher para mulher com a médica — embora o papo seja sobre homens —, questiono se, em pleno 2020 da pandemia, os rapazes ainda têm o tabu do toque retal, que além de tudo é rápido e indolor. Ao menos, bem mais rápido e menos doloroso do que muitos exames que nós, mulheres, fazemos.

Particularmente, não acredito que esse continue sendo o principal motivo. Aliás, acho que o principal motivo sempre foi o medo do resultado. "Homem, em geral, tem de fato um receio maior de adoecer", concorda a doutora Karin. "Há o mito do super-herói, segundo o qual ele não deve demonstrar fragilidade. Fantasia que, se descobrir algo no check-up, isso não combinará com sua força e virilidade", me diz a doutora, contando inclusive que a campanha da SBU para este mês faz uma espécie de trocadilho ao trazer o slogan "seja o herói da sua saúde." Bem, se os homens tentavam esconder seu medo, aviso: os números da pesquisa o escancaram. Melhor esse a super-herói deixar cair a máscara.