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Larissa Cassiano

Aborto talvez seja uma das dores mais complexas da obstetrícia

Getty Images/iStockphoto
Imagem: Getty Images/iStockphoto

Colunista do UOL

05/01/2021 04h00

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Em menos de uma semana, Argentina e a Coreia do Sul descriminalizaram o aborto. Essa mudança é um avanço para todas as mulheres. Descriminalizando o tema, sai do ambiente de algo que não deve ser abordado, a saúde pública feminina ganha, mais estudos são feitos e mais mulheres conseguem passar por esse momento com orientação e apoio.

Aborto não é algo simples, talvez seja uma das dores mais complexas da obstetrícia, porque envolve o filho que não será conhecido e todos os sonhos e planos que isso poderia trazer. Além disso, algumas pessoas subestimam a dor do aborto inicial e criam pensamentos como se o tempo de gestação estivesse relacionado ao tamanho da dor de quem perdeu.

Definimos aborto como a interrupção espontânea ou intencional na gestação antes de 20 a 22 semanas, com feto pesando menos de 500 gramas. O aborto espontâneo acontece em 15 a 20% das gestações e cerca de 75% das gestações que param de evoluir na fase mais inicial podem estar relacionadas a uma dificuldade de implantação do embrião no útero.

Essa dificuldade de implantação pode estar relaciona a hematomas subcoriônicos (estrutura que irá originar a placenta) que podem evoluir com absorção espontânea ou separar por completo, levando ao óbito embrionário e muitas vezes não possuem uma causa identificável.

Quando ocorre sangramento vaginal nas primeiras semanas de gestação, com ou sem dor abdominal, mas com colo uterino sem dilatação, temos uma ameaça de aborto. Sofrer uma ameaça de aborto pode trazer uma incerteza misturada com medo, que para quem já está gestante pode ser ainda mais potencializado. A incerteza de como essa gestação irá evoluir deixa tudo mais complexo. Até o momento, não existe consenso sobre quais as melhores opções terapêuticas para os casos de ameaça de aborto.

Em alguns casos, a progesterona pode ser utilizada para reduzir os riscos, e o repouso, caso a atividade de trabalho seja extenuante, trazendo conforto e tranquilidade emocional. Além disso, seguimos sem outras possibilidades terapêuticas significativas.

Dentro do tema abortamento uma parte complexa para casais que vivenciam essa alteração é o aborto de repetição, que também pode ser chamado de recorrente ou habitual, considerado como a perda gestacional recorrente, espontânea e consecutiva de três ou mais gestações até a 22ª semana, um pouco diferente da Associação Americana de Medicina Reprodutiva, que considera o aborto de repetição quando existem duas ou mais perdas gestacionais sem a definição de uma idade gestacional, mas em ambas temos uma pessoa que já vivenciou situações de perdas que podem ser muito dolorosas.

As causas mais associadas ao abortamento de repetição podem ser:

  • Genéticas: alterações do casal ou de um dos parceiros e fetos com síndromes genéticas;
  • Anatômicas: mioma, pólipos e útero septado;
  • Hormonal: deficiência de progesterona;
  • Infecções: HIV, sífilis, entre outras;
  • Doenças crônicas descontroladas: hipertensão, diabetes e hipo ou hipertireoidismo;
  • Imunológica: síndrome do anticorpo antifosfolípides (SAAF);
  • Desconhecida: infelizmente, na metade dos casos, mesmo com toda investigação possível, não chegamos a uma causa definida.

Pensar sobre essas possibilidades e buscar auxílio é muito importante para evitar a dor de uma nova perda, porque algumas dessas doenças possuem possibilidades de tratamento e controle extremante importantes não apenas para a gestação, mas para a vida da mulher.

E depois da tempestade: quando pensar em uma nova gestação? Quando começar a se preparar para um bebê arco-íris? Não existe uma resposta exata, mas uma das orientações para quem sofre o primeiro aborto espontâneo é que o casal aguarde até o retorno dos ciclos menstruais e quando se sentir psicologicamente apto retorne com as tentativas.

Quem já sofreu mais de dois abortos deve procurar assistência médica para ser avaliada e ter uma orientação específica para seu caso.

Gostou deste texto? Dúvidas, comentários, críticas e sugestões podem ser enviadas para: dralarissacassiano@uol.com.br.

Referências:

MATTAR, Rosiane; CAMANO, Luiz; DAHER, Silvia. Aborto espontâneo de repetição e atopia. Rev. Bras. Ginecol. Obstet., Rio de Janeiro , v. 25, n. 5, p. 331-335, June 2003

KISS, Andrea et al . Anormalidades cromossômicas em casais com história de aborto recorrente. Rev. Bras. Ginecol. Obstet., Rio de Janeiro , v. 31, n. 2, p. 68-74, Feb. 2009

Recomendações SOGESP, volume 7- 1 ª edição - São Paulo, 2019.