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Larissa Cassiano

Você está pronto para ser atendido por um médico negro?

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

17/11/2020 04h00

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A minha pergunta é uma reflexão. Gostaria de abordar um tema que aparenta estar fora da ginecologia, mas sabemos que o racismo está em todo lugar.

Nesta semana eu gostaria de falar sobre o racismo, mais especificamente sobre o quanto isso se relaciona com a saúde. Sim, quando uma pessoa negra é hostilizada, existe algo além de um mal-estar social, que não deve ser minimizado, mas também existe o mal-estar emocional.

Segundo Silvio de Almeida, em seu livro Racismo Estrutural: "Em resumo: o racismo é uma decorrência da própria estrutura social, ou seja, do modo "normal" com que se constituem as relações políticas, econômicas, jurídicas e até familiares, não sendo uma patologia social e nem um desarranjo institucional. O racismo é estrutural".

Mulheres e homens negros são humanos, eu sou humana e como qualquer ser humano sou passível de erros, não sei de todo conteúdo médico produzido mundialmente, tenho afetos e desafetos como qualquer outra pessoa.

Muitas vezes me deparo com situações em que meu trabalho é questionado ou colocado à prova pela cor da minha pele, de uma forma mais discreta, mas ainda pautada por racismo.

Estar em uma posição profissional diferente da maioria das pessoas negras não me transforma em um ser perfeito e inquestionável, mas ser cobrada diferentemente de outros colegas, que não são negros, mostra que, apesar de a sociedade ter passado por uma evolução inegável referente ao racismo, essa forma diferente de lidar com as pessoas por causa da cor da pele só afirma o quanto estamos precisando aprender ainda mais sobre o racismo, ora estrutural, ora um racismo consciente e perverso que ganhou força com o pensamento polarizado atual.

Já vivi dias em que meu único desejo era poder filmar a reação das pacientes ao entrar no consultório, ficaria feliz se elas pudessem perceber sua própria reação de surpresa, espanto, frustração e alegria.

Já me deparei com todas e confesso que muitas vezes tive vergonha da própria pessoa se deixar levar a essa situação. Perguntas do tipo: "Você é médica mesmo?", "Você é do programa de médicos estrangeiros?", "Você é a enfermeira?", "Você sabe fazer parto?", "Moça, mas quando eu vou passar com a médica?", "A médica vai demorar para chegar?", "Você não tem cara de médica", entre outras.

Não penso que essas frases foram ditas para me ofender, gostaria apenas de propor uma reflexão: será que em um consultório com um médico branco elas também seriam pensadas/ditas?

Como diz Djamila Ribeiro em seu livro Pequeno Manual Antirracista: "Obviamente não estou questionando a dignidade dessas profissões, mas o porquê de pessoas negras se verem reduzidas a determinados estereótipos, em vez de serem reconhecidas como seres humanos em toda a sua complexidade e com suas contradições."

Semana passada, a vitória da chapa americana de Joe Biden e Kamala Harris foi algo historicamente importante, mas quanto não se ouviu sobre a origem da vice e quantos ataques ela já não tem recebido?!

Não me lembro de se falar com a mesma intensidade do atual vice do Trump e me assusta ver que estamos falando mais sobre o fato de Harris ser negra e filha de imigrantes do que de sua capacidade para governar.

Sobre isso que quero pensar, pessoas negras já carregam um fardo racial que a sociedade impõe, não só pensando sobre sua capacidade ou mérito, a cor da pele vem antes disso.

Atualmente, algumas pessoas têm buscado por mais indicações profissionais através das redes sociais ou até mesmo pelas plataformas de busca e analisando as avaliações dos profissionais, e isso é algo incrível que a tecnologia trouxe para facilitar a nossa vida ao buscar qualquer tipo de profissional.

Então não se acanhe, utilize essas ferramentas, mas também dê uma olhada na especialização do profissional que você está buscando para ver se está vinculado com o seu caso.

Isso vai ajudá-lo a encontrar um profissional ideal para o que você está passando. Busque profissionais pela capacidade, conheça, pesquise e acredite que a capacidade profissional não tem cor.