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Larissa Cassiano

Direito a não querer ter filhos deve ser respeitado pela sociedade

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

20/10/2020 04h00

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Em alguns momentos parece que as pessoas seguem um roteiro na vida e desejam estabelecer esse roteiro para a vida de todos. Namorar, noivar, casar e ter filhos. Parece algo natural para algumas pessoas, mas é isso mesmo? Quantas pessoas têm filhos por desejo? Quantas têm filhos por seguir esse roteiro de vida pré-estabelecido? E quem decide mudar essa ordem? Quem decide não ter filhos?

Nos EUA, surgiu o childfree, pessoas que não querem ter filhos e lutam para que esse "direito" seja respeitado. Parece estranho, mas infelizmente nossa sociedade ainda se sente no direito de considerar que alguns casais podem ou não ter filhos e, muitas vezes, cobram filhos de casais como um presente ou até mesmo uma obrigação.

Quem nunca ouviu aquela frase clássica?: "Quando você vai me dar um netinho, sobrinho?"

Nós precisamos falar sobre o assunto e as possibilidades, para que casais tenham a sua liberdade de escolha respeitada. Quem opta por não ter filhos e parte para a realização de uma laqueadura ou vasectomia enfrenta diversos desafios.

A dificuldade de ter acesso ao procedimento e de lidar com a sociedade que ainda espera que casais tenham filhos, exemplo disto foram todos os comentários que o ator e apresentador Fabio Porchat recebeu nos últimos dias após declarar que não pensa em ter filhos.

A advogada Patrícia Marxs é um exemplo de como ainda precisamos evoluir muito sobre o tema. Ela me contou um pouco deste processo e da criação de seu Instagram que fala justamente sobre este assunto: "Fiz salpingectomia (uma forma de laqueadura) aos 32 anos e zero filhos, nem eu e nem meu marido queríamos filhos, mas a sociedade impõe o tempo inteiro como recibo do nosso amor. Decidi criar o @laqueadurasemfilhossim, pois percebi que o assunto é um tabu, percebi também que muitas mulheres sentem a necessidade de informações sobre os métodos contraceptivos e sobre planejamento familiar, entretanto são devoradas pelas imposições da maternidade compulsória."

Laqueadura e outros métodos contraceptivos

A laqueadura, técnica cirúrgica de esterilização definitiva, possui taxa de falha de 1 a 3% por ano. É feita cirurgicamente com técnicas que podem retirar a tuba (salpingectomia) e fazer apenas ligadura das tubas. Para a sua realização no território brasileiro, existe a lei que é muitas vezes mal interpretada.

A lei do planejamento familiar, de janeiro de 1996, permite que pessoas com mais de 25 anos ou dois filhos realizem o procedimento. Então, se temos uma mulher com 20 anos e 2 filhos pode-se realizar, assim como uma mulher com 30 anos sem filhos também pode realizar. Essas regras não se enquadram para o parto, para o parto vale a regra de risco de vida materno ou mais de 2 cesáreas anteriores com manifestação do desejo 60 dias antes do parto.

Para os casais que decidiram não ter filhos, mas não se enquadram no protocolo citado acima ou ainda não se decidiram, primeiramente eu te diria para não dar mais importância para as opiniões alheias do que elas realmente têm, definitivamente essa é uma decisão sua sobre sua própria vida.

Aqui estão alguns procedimentos transitórios para você utilizar até se decidir, ou até se enquadrar nesse protocolo:

  • Um dos métodos mais conhecidos é a camisinha masculina que possui efeito anticoncepcional, protege de infecções sexualmente transmissíveis e tem como contraindicação principal apenas a alergia ao látex, quem a utiliza corretamente possui uma taxa de falha de 3% por ano, um número baixo no primeiro olhar, porém alto se comparado com outros métodos.
  • Os contraceptivos hormonais são outra maneira de anticoncepção largamente utilizada. Hoje dispomos de diversas opções com hormônio único, combinados, doses contínuas e doses com pausa. Este método precisa de avaliação médica para que seja ajustado aos desejos da paciente e as possíveis contraindicações. Para os anticoncepcionais hormonais, a taxa de falha varia de 0,2% a 3% por ano dependendo do uso e do medicamento, além disso efeitos colaterais como náusea, alteração da libido, acne, fadiga, ganho de peso e queda de cabelo podem ocorrer.
  • Com um aumento da popularidade no momento, temos o DIU, que pode ser hormonal ou não. Entre os hormonais há dois tipos que liberam pequenas doses de hormônio diretamente na camada interna do útero, podendo durar até 6 anos e com taxa de falha de 0,2% por ano. Os modelos não hormonais são feitos em cobre ou em cobre com prata e podem ser usados de 5 a 10 anos, possuem uma taxa de falha de 0,6% a 0,9% por ano. Como são métodos de longa duração e que precisam de procedimento médico para inserção, acabam muitas vezes não sendo a escolha de algumas mulheres, mas os resultados que eles possuem são muito semelhantes a laqueadura e seu custo fica muito parecido ao de anticoncepcionais orais se pensarmos no tempo de uso.

Vamos refletir sobre o assunto e pensar que nosso planeta é grande o suficiente para que alguns casais simplesmente não tenham filhos e ele não seja extinto, esse é um argumento ilógico.

Entender que cada ser humano pode desejar e fazer o que quer da própria vida é o primeiro passo para nos respeitarmos.

Gostou deste texto? Dúvidas, comentários, críticas e sugestões podem ser enviadas para contato@larissacassiano.com.br.