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Jairo Bouer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Qual a diferença entre querer guardar objetos e ser acumulador compulsivo?

acumular coisas, guardar coisas, desorganização  - iStock
acumular coisas, guardar coisas, desorganização Imagem: iStock

Colunista de VivaBem

23/07/2022 04h00

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A notícia de que o corpo de um homem de 52 anos levou quatro horas para ser encontrado dentro da sua própria casa, em Piracicaba (SP), em meio ao entulho acumulado ao longo de 30 anos, pode indicar um quadro de saúde mental mais comum do que se imagina: a acumulação compulsiva ou patológica.

Sacolas, latas, potes, garrafas vazias, telhas, ripas de madeira, entre inúmeros objetos, chegavam a bloquear o acesso aos cômodos da residência. Bombeiros e Defesa Civil retiraram caminhões de lixo até chegar ao corpo. O homem não era visto pelos vizinhos desde o início da semana, e a causa da morte não foi divulgada.

Acumulação compulsiva se caracteriza pelo comportamento de não conseguir se desfazer dos mais variados objetos, mesmo que eles não tenham nenhuma função, valor, importância ou utilidade, por um longo período de tempo.

Acumular é preciso

Evolutivamente, a ação de acumular (principalmente alimentos e ferramentas) pode ter oferecido aos animais e aos nossos antepassados uma vantagem adaptativa em um cenário de incertezas alimentares e deslocamentos permanentes. Quem guardava poderia se sair melhor do que quem nada tinha e, assim, aumentar as chances de sobrevivência.

Com origens genéticas e biológicas, o ato de "guardar" é um padrão de comportamento presente até hoje entre nós. Mas, um importante contraponto a esse acúmulo é nossa capacidade de selecionar, de prever o que pode ser útil no futuro, de escolher um ou outro objeto pelo qual desenvolvemos uma relação afetiva e, assim, poder liberar espaço, doar, ficar mais leve, jogar fora aquilo que não será necessário.

Tem muita gente que não consegue se livrar de seus pertences facilmente e acaba juntando um montão de coisas em casa. Esse é um dilema comum, que acaba aparecendo de forma mais clara quando precisamos tirar um final de semana todo para organizar os armários de casa ou quando decidimos mudar de casa.

Limites

Mas qual é o ponto de corte entre ter dificuldade de se livrar de coisas que você não usa mais e ser um acumulador?
Como todo padrão de comportamento existe uma linha contínua que vai desde um indivíduo que não junta nada, passando por aquele que sofre para jogar fora roupas e objetos pouco usados, chegando até os acumuladores que mal se deslocam dentro de casa em meio à montanha de entulho que acumulam.

Estudos indicam que até 2,5% da população pode enfrentar o acúmulo compulsivo, tanto homens como mulheres, e o diagnóstico é mais comum nas pessoas mais velhas, principalmente naquelas que já enfrentam outro transtorno psiquiátrico, como ansiedade e depressão.

Pandemia piorou cenário

Algumas pesquisas também apontam que a pandemia pode ter piorado os sintomas dos acumuladores. Será que uma situação de privação e isolamento social poderia agudizar ou amplificar o comportamento em algumas pessoas? Possivelmente sim! Quem não se lembra dos carrinhos cheios de papel higiênico nos supermercados? O medo de que algo vai faltar ou mesmo a vivência da solidão podem se tornar gatilhos.

Muitas vezes, a questão não é apenas não conseguir jogar fora, mas também um forte impulso de adquirir e colecionar objetos, mesmo que eles não tenham nenhuma utilidade imediata. Pode haver uma valorização extrema desses itens, quase como se eles passassem a fazer parte da história e da identidade da pessoa.

O transtorno guarda um parentesco com comportamentos compulsivos e com o descontrole dos impulsos. E ele acaba provocando sofrimento, prejuízo e desorganização na vida da pessoa ou de quem convive com ela.

Traços de personalidade (como perfeccionismo e procrastinação), predisposição genética e história de vida que envolve perda ou privação estão entre os fatores que, combinados, podem aumentar a chance de alguém se tornar um acumulador.

O importante é reconhecer a dificuldade (em si mesmo ou no outro) e procurar alguma forma de apoio. Fortalecimento de redes sociais, grupos de autoajuda, psicoterapias, técnicas de terapia cognitivo-comportamentais, acompanhamento de um profissional de saúde mental e uso de medicamentos são alguns dos recursos que podem ajudar quem está enfrentando esse transtorno.