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Jairo Bouer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Sem orientação sexual, jovens acham que dá para engravidar ao usar sabonete

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Imagem: iStock

Colunista de VivaBem

27/06/2022 04h00

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Você acredita que, ainda hoje, muitos jovens continuam a imaginar que é possível engravidar das maneiras mais inusitadas possíveis? Será uma espécie de herança maldita dos tempos da cegonha ou isso poderia estar apontando para uma ausência dos pais e professores no processo de educação em sexualidade dos seus filhos e alunos?

Dúvidas de adolescentes sobre saúde sexual costumam ser bem básicas e têm mudado muito pouco ao longo desses quase 30 anos que trabalho com eles. Semana passada, meu perfil no TikTok alcançou a marca de 1 milhão de seguidores, a maioria deles com idade entre 10 e 14 anos, que me acompanham para tentar resolver questões que deveriam estar sendo endereçadas por um programa permanente de educação nas escolas e um melhor diálogo dentro de casa.

Uma dúvida recente de uma jovem leitora de 14 anos que estava apavorada com a possibilidade de engravidar no banheiro da sua casa, me fez refletir sobre esse vazio imenso de informação em sexualidade, que tem sido ocupado pelo acesso maciço à pornografia online, pelos posts e vídeos de influenciadores mal informados e até por profissionais que não foram devidamente capacitados para tratar do tema com os jovens.

Segundo a jovem, uma vizinha bem mais velha e experiente, enfermeira do posto de saúde que ela frequenta, disse que ela correria risco de engravidar se utilizasse objetos de um banheiro frequentado por outros homens. Ela, que mora em uma casa em que só existe um único banheiro, dividido com dois irmãos e com o pai, começou a acreditar que compartilhar sabonete, privada, frasco do xampu e até toalha poderia levar a uma gravidez.

Sendo lésbica e só ficando com meninas, fato que é compartilhado de maneira muito tranquila com a família, colegas e amigos do bairro, poderia levar pessoas e vizinhos a desconfiar que ela teria engravidado de alguém da sua própria família. E ela termina: "aqui no interior de Pernambuco, a gente acredita muito nos mais velhos e em quem trabalha no posto de saúde. Pro senhor ter uma ideia, nem o papel higiênico de casa eu queria usar mais".

Os projetos de educação em sexualidade têm diminuído nas escolas particulares e nas redes públicas nos últimos anos de maneira importante, quase como se os educadores evitassem tocar em um tema sensível, que pode ser considerado inadequado pelos setores mais conservadores, em ascensão na política e na população do país. Mas inadequado e impróprio não é falar de sexualidade com os jovens em casa e na escola e, sim, deixá-los abandonados nesse campo.

Quem paga o preço dessa insanidade são justamente as crianças e adolescentes. Sem acesso à informação adequada, esses jovens ficam muito mais vulneráveis, com dificuldade de entender o que acontece com seus corpos e de saber se defender diante de situações de abuso e de violência sexual. Ficam ainda desprovidos de recursos cognitivos e emocionais para se defender e poder lidar com preconceitos, bullying, sexismo, racismo, homofobia, transfobia, entre outras violências.

Além disso, encontram omissões importantes de conversa e diálogo sobre esses temas dentro de casa. Por falta de tempo, medo de incentivar o sexo precoce, vergonha ou constrangimento, os pais preferem se calar. E, assim, mais espaço para erros, equívocos e angústias são criados na vida dos filhos.

Para terminar fico aqui pensando como as redes de educação e saúde têm trabalhado a adequada formação e reciclagem dos seus colaboradores. Não me surpreende que processos que precisariam ser feitos de forma permanente e controlada, mediados por capacitações baseadas em ciência e pesquisa, estejam sendo tomados por visões personalistas, influenciados por questões políticas e religiosas.

Sem melhorar e investir em todas essas frentes e instâncias, vamos seguir tendo que lidar com sofrimentos e angústias dos mais jovens, que vão continuar a enfrentar desinformação, preconceitos e violências, sem ter recursos adequados para se defender.