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Jairo Bouer

Como o racismo e a discriminação mexem com a saúde mental dos jovens

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Imagem: iStock

Colunista do VivaBem

15/09/2020 04h00Atualizada em 15/09/2020 12h38

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Nos últimos meses, o país ficou estarrecido com as mortes do adolescente João Pedro, de 14 anos, e do norte-americano George Floyd, nos EUA, em operações policiais, o que trouxe à tona diversas histórias semelhantes lá e aqui. A reação foi inevitável: nunca houve tantas buscas no Google relacionadas a racismo e violência contra negros. Na semana passada, eu comentei neste espaço que combater o preconceito também é uma forma de evitar o suicídio, mas acho importante explicar com mais detalhes como isso interfere na saúde mental das pessoas.

Conviver com o preconceito é difícil em qualquer idade, mas é ainda mais complicado para crianças e adolescentes, que ainda não têm recursos internos para lidar com adversidades. Para piorar tudo, essa discriminação é manifestada, muitas vezes, por quem deveria proteger esses jovens de problemas: policiais e outras autoridades, quando não os próprios professores ou colegas de classe.

A família, que é o porto seguro nessa fase da vida, muitas vezes, fragilizada por esse racismo estrutural, não consegue oferecer o suporte necessário para os mais novos. Esses pais, mães, tios e irmãos mais velhos podem ter sofrido agressões, abusos, exclusões e preconceitos ao longo de suas próprias histórias pessoais. Ou seja: há motivos de sobra para temer a violência e a falta de oportunidades dos filhos mais novos.

Com o passar do tempo, crianças e jovens podem começar, sem se dar conta, a "introjetar" percepções de "inferioridade" ou "incapacidade", geradas pelos preconceitos e pelo racismo estrutural, ao seu psiquismo. É como se, de forma inconsciente, a pessoa começasse a acreditar que ela não é capaz de conseguir alcançar seus objetivos ou assumir um papel de liderança. Esse mecanismo é reforçado diariamente por ela viver em uma sociedade que insiste em não permitir que esse espaço seja ocupado por pessoas iguais a ela.

Na live comigo e com o Dr. Dráuzio Varella, na semana passada, a psicóloga Ana Claudia da Silva deu uma dimensão do problema: "Noventa por cento dos meus pacientes são negros e, nesses 90%, eu encontro uma crença de incapacidade muito forte", contou.

As consequências de todo esse processo a gente vê nas estatísticas sobre transtornos mentais e suicídio. Segundo cartilha publicada no ano passado pelo Ministério da Saúde, a cada 10 adolescentes que tiram a própria vida, seis são negros. Em 2016, adolescentes negros de 10 a 19 anos apresentaram um risco 67% maior de suicídio em relação a brancos da mesma faixa etária.

A tendência de autoagressão e suicídio é de crescimento, especialmente para os garotos e até entre as crianças, algo que algumas pesquisas norte-americanas também vêm apontando. Segundo dados publicados no periódico Pediatrics, as taxas de suicídio vêm aumentando entre meninos negros de 5 a 12 anos —o risco, nessa faixa etária, é o dobro daquele observado em brancos. Como conclui outra pesquisa, da Universidade de Houston, a dor provocada pela discriminação é tão forte que supera o desejo de viver.

Com jovens de minorias sexuais, os mecanismos que afetam a saúde mental são muito semelhantes. Um dos maiores estudos já feitos sobre o tema, o The Trevor Project 2020, trouxe dados assustadores: 2 em cada 5 adolescentes LGBTQ+ pensaram seriamente em suicídio nos últimos 12 meses. Quase 70%, dos 40 mil entrevistados, reportaram sintomas de ansiedade generalizada, e quase metade se automutilou recentemente. Quando se considera apenas garotas e garotos transgêneros, as proporções são ainda mais altas.

Também não posso deixar de citar os índices alarmantes de suicídios na população indígena. De acordo com o Ministério da Saúde, as taxas, entre adolescentes de 10 a 19 anos, são oito vezes maiores do que a observada entre brancos e negros. Quem vive em reservas, comunidades, favelas ou mesmo em cidades pequenas ou áreas rurais tende a sofrer mais ainda: em casos de bullying ou abuso, não há como procurar outra turma ou mudar de escola.

Por isso, é urgente que o país adote políticas públicas efetivas de prevenção ao preconceito e discriminação nas populações de crianças e adolescentes socialmente excluídas, o que passa por uma discussão importante do papel das escolas na formação desses jovens. Além disso, projetos de capacitação de professores, autoridades e policiais para lidarem com a questão do racismo e homofobia são centrais. E, talvez mais importante do que tudo isso, é cada um de nós perceber e rever o papel que tem na manutenção do racismo estrutural e de outras formas de preconceito, e como tudo isso pode mudar esse cenário dramático da saúde mental de todos os nossos jovens. Faça sua parte!