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Gustavo Cabral

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Apartheid vacinal no Brasil e no mundo nos condena ao medo

Siphiwe Sibeko/Reuters
Imagem: Siphiwe Sibeko/Reuters

Colunista do UOL

06/12/2021 04h00

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Caro leitor, ao ler um título desses, de que existe apartheid vacinal no Brasil, você deve estar achando extremamente contraditório, pois sempre falamos tão bem do nosso PNI (Programa Nacional de Vacinação), que ele tem por princípio a busca da equidade.

Caso pense assim, você não está completamente errado, pois somos realmente referência internacional em vacinação, pois temos uma estrutura de distribuição de vacinas e aplicação simplesmente maravilhosas. Pois no Brasil, temos aproximadamente 37 mil pontos de vacinação e, em momentos de campanha, conseguimos obter 50 mil pontos tranquilamente, com frios para receber, estocar e aplicar as vacinas.

Imaginem, muito por baixo, 50 pessoas vacinadas diariamente em 50 mil pontos de vacinação: 2,5 milhões de doses aplicadas por dia. Além disso, temos nos postos de saúde os agentes comunitários de saúde, que são pouco falados, mas que exercem uma função primordial para o funcionamento dos projetos de saúde da família, como exemplo a vacinação.

Bom, se temos tudo isso e estamos com mais de 60% da população imunizada completamente no Brasil, que historia é essa de apartheid vacinal brasileiro?

Apesar de o PNI ter como princípio a equidade, no Brasil a gente vive momentos que podemos dizer: "poucos por alguns e quase ninguém por todos", e com um sistema político muito bem arquitetado para buscar e se aprofundar no individualismo. Um exemplo claro é a "briga" para saber qual estado brasileiro vacina mais.

E quais estados vocês imaginam que estão conseguindo? Alguma novidade? Nenhuma! Os estados de São Paulo (mais de 75%), e os do Sul, além de Mato Grosso do Sul, todos estão acima, se aproximando ou ultrapassando os 70% da população completamente vacinada.

Enquanto vemos estados como Roraima com pouco mais de 30% e Amapá com menos de 40%. Conseguem ver que a equidade do PNI está indo para o ralo?

Bom, apesar de o Brasil viver isso, temos vacinas e podemos trabalhar para tentar sanar esse problema. Mas, para alguns lugares no mundo, a questão é ainda mais complexa. O exemplo mais claro de desumanidade está na África, em que um continente inteiro está na casa de 10% de imunizados completamente. Agora você, caro leitor, imagine como uma situação de pandemia vai acabar com esse apartheid vacinal!?

Falando em pandemia, precisamos compreender que o problema é global, ou seja, enquanto todos não sairmos desse problema, todos estaremos sob o medo do surgimento de novas variantes que possam aniquilar todo um trabalho feito em algum país rico e egocêntrico.

Não custa nada falar que, quase dois terços das vacinas produzidas no mundo estão retidas em pouco mais dos 10 países mais ricos. Mas vocês acham que é "só" mandar vacina para a África para resolver esse problema?

Sinto decepcionar se acha que sim, mas a questão é mais complexa. Pois além de ter as vacinas, precisamos ter estratégias muito bem montadas para que as vacinas cheguem na população e sejam aplicadas. Para isso, precisa-se de uma logística muito bem feita por profissionais do mais alto nível, além de uma massiva campanha de conscientização e orientação social para aceitar as vacinas.

Em todos os lugares do planeta tem que ter um projeto muito bem articulado de orientação social, então na África não poderia ser diferente. Caso contrário, as vacinas chegarão e não serão aplicadas, ou demorarão tanto tempo para a população aceitar a aplicação que as vacinas podem perder a validade e/ou degradar, por serem mantidas em condições desfavoráveis.

E isso é muito importante de ser levado em consideração, caso contrário, pode gerar uma tremenda confusão na cabeça das pessoas, pois olharão apenas números e verão que uma grande parte da população foi vacinada, mas não obtiveram os resultados esperados, sem saber que podem ser esses os motivos supra-citados.

Falando em programa de orientação social e ações políticas efetivas para termos a vacinação em massa e contenção do vírus para evitarmos que surjam novas variantes, ou que as variantes que já surgiram possam se tornar dominantes, como a ômicron, temos que estar em cima para termos projetos muito bem articulados para isso acontecer.

Vale lembrar que entramos numa pandemia sem um comitê sólido de combate à crise da covid-19 para buscar conter a dispersão do vírus e a busca intensa pela arma mais eficiente contra as doenças infecciosas, que é a vacina.

Além disso, temos vivido constantes ações do governo federal liderado pelo presidente da República, para atrapalhar todo o trabalho de combate da pandemia. E isso se prolonga ao ponto do dito cujo falar há pouco tempo que não faz sentido exigir o passaporte vacinal de pessoas que vêm de outros países. Isso é para nos lascar de vez!

Não temos como aceitar que pessoas vindas de qualquer lugar do mundo possam entrar em nosso país sem estarem vacinadas e com teste negativo para covid-19.

Por essa falta de ações políticas efetivas, além da fuga de responsabilidade de muitos governantes, a grande maioria dos meios de comunicação teve que assumir uma função que não era deles. Tiveram que assumir todo o projeto de orientação social, juntamente com a gente, cientistas, para chegarmos na população e abrir os olhos para os problemas e buscar o máximo de responsabilidade possível, como exemplo a busca pela vacinação em massa e o uso da máscara.

Com isso, surgiram varias iniciativas para ajudar a controlar a pandemia, desde os programas Todos Pelas Vacinas, VivaBem Com Vacina, o Programa InfoVacina, da Agência Bori com suporte do Sabin Vaccine Institute, entre outros que têm lutado de forma incansável para combater a pandemia e os grupos antivax, que propagam o caos social.

Vale ressaltar, por exemplo, que o Programa InfoVacina está tentando, em colaboração com a "AVAC, advocates for HIV prevention to end AIDS" direcionar as ações para conectar cientistas/especialistas e jornalistas brasileiros com jornalistas africanos, para que a gente possa compartilhar experiências e elaborar ações de orientação social mais efetivas para combater a covid-19.

Embora saibamos que essa luta é importante, temos a certeza que sem a participação social e ações políticas menos egocêntricas, o resultado não será como esperado.

Dessa forma, precisamos unir forças para quebrarmos esse apartheid vacinal e de informações, assim como cairmos em cima dos responsáveis por gerir as ações nacional e internacionalmente contra a covid-19, para que possamos vacinar toda a população mundial o mais rápido possível, e conter a dispersão e o surgimento de novas variantes do coronavírus para podermos ter um mínimo de paz em nossas vidas, pelo menos sem esse problema da pandemia.