Biscoitos 'fit' são banidos por ter menos da metade da proteína declarada
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Na semana passada, aproximadamente 4.000 pacotes de biscoitos WheyViv foram apreendidos no Espírito Santo. Os produtos da marca tiveram sua venda proibida pelo Procon do estado após testes identificarem que os alimentos tinham menos da metade do valor de proteínas declarado no rótulo. A análise foi feita pelo Laboratório Central (Lacen) do ES, após denúncias de consumidores que compraram os biscoitos por indicação médica e perceberam que eles não correspondiam às expectativas.
Eu imagino que a suspeita e a denúncia tenham partido de avaliações de impacto glicêmico (o nível de açúcar no sangue), algo que assinantes da minha newsletter no Substack já haviam suspeitado em 2022, quando avaliei positivamente um suspiro da marca WheyViv, com base nas informações do rótulo.
A lista de ingredientes parecia boa, embora apresentasse uma inconsistência na ordem declarada. A tabela nutricional demonstrava baixo teor de carboidratos, sendo a proteína o nutriente em maior quantidade, algo que faz sentido para um produto que tem proteína de soja e clara de ovo como principais ingredientes. Como não gosto de suspiro, na época não experimentei o doce nem testei seu impacto glicêmico, mas alguns dos meus leitores fizeram isso e me informaram que a glicemia subia muito após consumir os produtos da marca, o que me deixou desconfiada.
Afinal, se não há ingredientes ricos em carboidratos na composição e a tabela nutricional mostra uma quantidade irrisória do nutriente, não faz sentido que o alimento impacte a glicemia de forma exagerada. Os fatos recentes ocorridos no Espírito Santo ajudaram a montar esse quebra-cabeça.
Carboidrato no lugar de proteína?
Alguém adivinha o que é mais barato do que proteína, impacta bastante a glicemia e provavelmente foi usado em seu lugar nas fórmulas?

Avaliando a lista de ingredientes de um desses biscoitos, vemos que eles contêm farinha de arroz e polvilho, ambos ricos em amido e mais baratos do que as fontes de proteína. Será que as proporções dos ingredientes foram invertidas? Se isso aconteceu, não prejudica apenas o bolso do consumidor, que paga mais caro por um ingrediente nobre (a proteína), mas leva só a metade da quantidade informada no rótulo. Também pode prejudicar a saúde de quem tem diabetes ou segue uma dieta low carb por indicação médica —como os consumidores que suspeitaram dos biscoitos.
"Muitos diabéticos que se esforçam para reduzir os carboidratos utilizam opções ricas em proteína para matar a fome sem prejudicar o controle da sua glicose. Da mesma forma, pessoas em uso dos novos medicamentos para emagrecer têm orientação médica de um maior consumo proteico a fim de evitar a perda de massa muscular. Um rótulo incorreto pode trazer impactos reais na vida dessas pessoas", afirma José Carlos Souto, médico e autor do livro "Uma Dieta Além da Moda".
Rótulos amadores dão pistas sobre inconsistências e fraudes
Algo que aprendi ao longo de todos esses anos avaliando alimentos é que, quando um rótulo deixa dúvidas, é melhor deixar o produto na prateleira.
Mas as inconsistências nem sempre são óbvias, pelo contrário, elas podem ser sutis. Foi o caso desses biscoitos, em que a lista de ingredientes parece estar em desacordo com a legislação. A norma atual exige que eles apareçam em ordem decrescente de quantidade, seguidos dos aditivos, e esses dois grupos não devem ser misturados (algo que está em debate para ser modificado, e espero que mude, pois penso que seria mais útil visualizar tudo que o produto contém numa lista consolidada em ordem decrescente de quantidade).
Perceber esse tipo de coisa exige algum conhecimento prévio — saber, por exemplo, diferenciar um ingrediente de um aditivo. Também ajuda ter uma noção da composição típica do alimento em questão para notar quando algo está fora do lugar (como a água, que aparece por último na lista de alguns desses biscoitos, o que é, no mínimo, estranho).
Não é fácil. Muitas vezes, só uma análise laboratorial pode confirmar a suspeita de que algo está incorreto. Mas esse caso mostrou que até um "pequeno" detalhe no rótulo pode sinalizar um problema maior: se nem o básico está sendo feito corretamente — seguir a norma de rotulagem — o que mais pode estar errado?
Se a "sala de estar" está desorganizada, imagina o que está escondido debaixo do tapete.
Seja um detetive dos rótulos
Ao consumidor, cabe fazer a sua parte. Aprender a ler rótulos e entender o básico sobre a composição dos alimentos é uma ferramenta poderosa para se proteger dessas armadilhas. Meu propósito é ajudar com informações práticas, embasadas e úteis, mas também podemos contar com os órgãos oficiais. A Anvisa trabalha com denúncias, que podem ser realizadas diretamente pelo cidadão através do fale conosco na plataforma gov.br — eu já tive ótimas experiências com essa ferramenta.
Fico feliz por ter leitores atentos, que me alertaram sobre seus testes anos atrás e também contente em saber que a fiscalização comprovou as suspeitas das irregularidades, fazendo justiça. Seguimos vigilantes e atentos.
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Eu sou Sari Fontana, química industrial de alimentos e faço avaliações didáticas para ajudar você a comer de forma mais consciente (me siga no Instagram).
Como você já sabe, o Guia do Supermercado não é patrocinado por nenhuma marca. Por isso temos a liberdade de criticar, mas também de elogiar os produtos que merecem um lugar no nosso carrinho de compras.
Os produtos apresentados aqui são usados como exemplo ilustrativo, mas as explicações valem para alimentos similares de outras empresas. O mais importante é mostrar para você como interpretar a tabela nutricional e a lista de ingredientes dos alimentos, para fazer boas escolhas.
Lembre-se sempre de conferir o rótulo dos produtos que avaliamos, pois o fabricante pode alterar a receita a qualquer momento, adicionando ou substituindo ingredientes.






























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