Guia do Supermercado

Guia do Supermercado

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Nova fórmula! Cientista revela bastidores das alterações de produtos

Você já desconfiou que o sabor daquele biscoito que adorava mudou? Ou foi ao supermercado, pegou seu iogurte de sempre e notou um aviso de "NOVA FÓRMULA" na embalagem? Algumas pessoas reparam. Outras especulam nas redes sociais. Poucas entendem o que isso significa, e só um pequeno grupo procura saber o que, de fato, aconteceu.

Reformulação de produtos não é algo novo, é uma prática comum em diversos setores. Como trabalhei bastante tempo na indústria de alimentos, vou compartilhar algumas situações que acontecem nos bastidores das alterações nos produtos.

Imagem
Imagem: Imagem produzida pela IA Whisk

O que é uma reformulação?

Reformular significa alterar a fórmula, algo que pode soar negativo, especialmente para quem é fã de um produto. Mas nem sempre significa piorar, até porque isso pode colocar em risco a aceitação do produto e, consequentemente, suas vendas. Para o consumidor, porém, o aviso de uma nova fórmula pode gerar desconfiança e até decepção quando a versão preferida era a antiga.

Sempre que ocorre uma mudança importante na composição, alterando a lista de ingredientes, a tabela nutricional ou os alergênicos, o fabricante é obrigado a imprimir no rótulo um alerta de "NOVA FÓRMULA", que deve ser mantido por no mínimo 90 dias —"NOVA COMPOSIÇÃO e "NOVA RECEITA" também são formas permitidas para sinalizar uma mudança.

Imagem
Imagem: Reprodução/Arte UOL

No entanto, não é obrigatório explicar na embalagem o que exatamente mudou, já que nem sempre há espaço para incluir todos os detalhes entre os dizeres de rotulagem, que precisam cumprir regras como o tamanho da fonte. Por isso, a legislação permite que o detalhamento esteja disponível no SAC (serviço de atendimento ao cliente), código QR ou por outros meios — o que, na prática, significa que só vai atrás quem estiver muito interessado. Você já fez isso?

Por que os produtos mudam?

Os motivos são muitos. Sim, reduzir custos é um deles, especialmente quando o preço de um ingrediente dispara, como vem acontecendo com o cacau, devido às crises climáticas.

Mas alterar a fórmula de um produto não é simples e também envolve custos: requer dedicação da equipe de pesquisa e desenvolvimento, a realização de testes (que podem não dar certo de primeira), além das despesas com as novas embalagens. Nos bastidores de uma mudança podem estar aspectos regulatórios, sanitários, de mercado, até fatores tributários.

Continua após a publicidade

Principais motivos para a alteração de produtos:

Custo e eficiência: para manter o produto acessível, empresas às vezes substituem ingredientes caros por outros mais baratos, ou otimizam processos para reduzir perdas. Frequentemente, é a combinação dessas iniciativas que permite a continuidade de um produto a longo prazo.

Normas regulatórias e saúde pública: metas como reduzir sódio, açúcares ou gorduras motivam ajustes. Muitas vezes, a indústria se antecipa à regulação para adequar seus produtos às tendências do mercado e evitar alertas visuais nos rótulos (como as lupas de alto teor).

Mudanças tributárias: em alguns países há tributação relacionada à composição dos produtos, como no caso das bebidas com muito açúcar que pagam mais imposto no Reino Unido. Reformular para reduzir a quantidade desse ingrediente pode significar pagar menos imposto, evitando o aumento de o preço ao consumidor.

Concorrência e marketing: às vezes, mudar a fórmula permite incluir uma alegação no rótulo ("fonte de fibras", "zero açúcares", "sem álcool") que aumenta a atratividade do produto para um determinado público.

Segurança alimentar: há casos em que a mudança evita riscos à saúde, como a remoção de um alergênico, por exemplo.

Continua após a publicidade

Desempenho e estabilidade: para melhorar aspectos sensoriais ao longo do tempo, como sabor e textura, sem comprometer a segurança microbiológica.

Melhorias em qualidade: quando ocorre rejeição dos consumidores, os produtos podem ser reformulados para se adequar às suas expectativas, a ponto de serem percebidos como melhores que a concorrência.

Vale lembrar que existe uma tolerância de até 20% para mais ou para menos nas tabelas nutricionais, já que variações naturais (de safra, clima, lote) e tecnológicas (balanças, dosadores, método analítico) são inevitáveis. Enquanto a mudança ficar dentro dessa margem, desde que também não impacte a lista de ingredientes e os alergênicos, não é preciso declarar nova fórmula.

Reformular é ruim?

Reformular não é trapaça, é uma ferramenta que permite a sobrevivência das marcas ao longo do tempo, num mercado em constante transformação. Essa prática não ocorre apenas com alimentos, mas também em outros setores da indústria.

As reformulações não ocorrem apenas em alimentos, mas também em outros setores da indústria
As reformulações não ocorrem apenas em alimentos, mas também em outros setores da indústria Imagem: Reprodução/Arte UOL
Continua após a publicidade

Algumas reformulações melhoram o produto, outras mantêm o desempenho sensorial mesmo com menor custo. Mas há também aquelas que acabam comprometendo a qualidade, pela perspectiva do consumidor — nesse caso, não deixe de registrar sua insatisfação pelos canais oficiais de atendimento, e lembre-se que deixar de comprar é uma forma de protesto, afinal, as vendas são o termômetro do sucesso das marcas.

À indústria, cabe reformular com cautela, garantindo a transparência e cumprindo a legislação: o consumidor tem o direito de saber os detalhes do que mudou, sempre que questionar.

********************

Eu sou Sari Fontana, química industrial de alimentos e faço avaliações didáticas para ajudar você a comer de forma mais consciente (me siga no Instagram).

Como você já sabe, o Guia do Supermercado não é patrocinado por nenhuma marca. Por isso temos a liberdade de criticar, mas também de elogiar os produtos que merecem um lugar no nosso carrinho de compras.

Os produtos apresentados aqui são usados como exemplo ilustrativo, mas as explicações valem para alimentos similares de outras empresas. O mais importante é mostrar para você como interpretar a tabela nutricional e a lista de ingredientes dos alimentos, para fazer boas escolhas.

Lembre-se sempre de conferir o rótulo dos produtos que avaliamos, pois o fabricante pode alterar a receita a qualquer momento, adicionando ou substituindo ingredientes.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.