Não caia no marketing dos pães 'saudáveis'
Ler resumo da notícia
Natural, 5 zeros, 100% nutrição: se você pensa que essas palavras garantem que um pão é mais saudável, cuidado. A crença pode estar prejudicando seus objetivos.
A indústria aproveita a boa fama desses termos e os coloca nos rótulos para vender mais. Mas a verdade é que eles nem sempre significam que o alimento é melhor.

Outra estratégia de marketing adotada pelos fabricantes é dizer que seus produtos são "sem lupa". Com a mudança na legislação, que introduziu esses alertas de alto em açúcar, gordura saturada e sódio nos rótulos, houve a reação do mercado de reforçar que seus alimentos não são assim.
Ressaltar o que o produto deixa de ter é uma estratégia de publicidade que desvia a atenção do consumidor do que mais importa: o que, de fato, o alimento contém.

Pão 5 zeros

Um exemplo disso é o pão "5 zeros", da Wickbold: zero lactose; zero gordura trans; zero colesterol; zero adição de açúcares; zero adição de gorduras totais.
Avaliando o rótulo, vemos que seu principal ingrediente é a farinha de trigo branca refinada. Assim como os demais pães, o produto é rico em carboidratos e não oferece grandes vantagens.
A ausência de gordura na composição não torna o alimento automaticamente mais saudável. Uma tendência que tenho notado nesses pães é a adição de glúten às receitas, provavelmente com o objetivo de conferir uma textura mais macia quando a gordura é removida. Mas se você é celíaco ou possui sensibilidade ao glúten é importante evitar esse tipo de produto.
Atenção! Se você tem diabetes ou busca algo com baixo carboidrato, não confunda a alegação "zero adição de açúcares" com low carb. Mesmo que o pão não contenha açúcar adicionado, ele pode ser feito de farinhas ricas em amido, como ocorre nesse produto e na maioria dos pães.
O que significa 100% nutrição?

Esse termo que ocupa uma grande parte do rótulo de outros pães da Wickbold não está previsto na legislação. Como é algo subjetivo, pode levar o consumidor ao engano, já que não se traduz em benefícios concretos.
Em 2023, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) apresentou uma queixa contra as marcas de pão Nutrella e Wickbold. O Idec alegou que essas estratégias publicitárias dificultam a identificação imediata e clara da composição real dos produtos. De acordo com o instituto, as afirmações usadas nos rótulos enganam os consumidores.
Ser 100% natural nem sempre é superior

A marca Nutrella também aderiu à tendência, batizando seu pão de 100% natural. Mas será que isso realmente faz diferença?
Essa crença de que coisas "naturais" são sempre melhores, mais saudáveis ou mais seguras é baseada na falácia naturalista e não tem respaldo científico. Ser de origem natural ou sintética não é um indicador confiável de segurança. Faz mais sentido avaliar os alimentos pela sua composição e pelo impacto que têm no organismo — e não pela sua origem.
Tudo o que existe no planeta é composto por substâncias químicas, inclusive os alimentos in natura. No caso desse pão, o extrato de acerola é adicionado porque contém ácido ascórbico (vitamina C), que atua como antioxidante. A substância química seria exatamente a mesma se fosse produzida em laboratório, mas escrever "acerola" na embalagem soa mais amigável do que "ácido ascórbico". No fim, trata-se apenas de uma forma disfarçada de adicionar esse conservante.
Certos alimentos em estado natural — nada processados — podem levar à morte, como alguns tipos de cogumelos ou a mandioca-brava. Isso não significa que a palavra "natural" seja algo ruim ou perigoso, mas mostra que a naturalidade, por si só, não garante segurança.
Mas se existe um pão "100% natural" é porque algumas pessoas têm uma fobia exagerada do "artificial".
Embora evitar o consumo excessivo de aditivos seja um bom conselho para melhorar a alimentação, a alegação "zero conservantes artificiais" usada no rótulo do pão reforça a quimiofobia, uma aversão irracional e exagerada aos compostos químicos.
Mas a ausência de aditivos não o torna automaticamente superior a outros. Do ponto de vista nutricional, ele é apenas mais um pão integral.
Os apelos de vendas usados nesses produtos abusam da ingenuidade do consumidor que busca algo mais saudável, mas não compreende as armadilhas dos rótulos. Da próxima vez que você estiver no supermercado, escolha seus industrializados com atenção, desconsiderando a linguagem publicitária das embalagens.
Cada um é livre para escolher o que comer, mas só a informação nos permite escolher conscientemente. Quem aprende a ler os rótulos não cai nas promessas de marketing
****
Eu sou Sari Fontana, química industrial de alimentos e faço avaliações didáticas para ajudar você a comer de forma mais consciente (me siga no Instagram).
Como você já sabe, o Guia do Supermercado não é patrocinado por nenhuma marca. Por isso temos a liberdade de criticar, mas também de elogiar os produtos que merecem um lugar no nosso carrinho de compras.
Os produtos apresentados aqui são usados como exemplo ilustrativo, mas as explicações valem para alimentos similares de outras empresas. O mais importante é mostrar para você como interpretar a tabela nutricional e a lista de ingredientes dos alimentos, para fazer boas escolhas.
Lembre-se sempre de conferir o rótulo dos produtos que avaliamos, pois o fabricante pode alterar a receita a qualquer momento, adicionando ou substituindo ingredientes.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.