Topo

Vamos Falar Sobre o Luto?

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Como tornar velórios e funerais mais interessantes e inspiradores

Bilhetes colocados no mural, Cemitério Parque das Cerejeiras, em São Paulo - Pipandreoli
Bilhetes colocados no mural, Cemitério Parque das Cerejeiras, em São Paulo Imagem: Pipandreoli

Colunista do UOL

26/05/2022 04h00Atualizada em 26/05/2022 19h07

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Qual foi a melhor cerimônia de casamento a que você assistiu? E de formatura? O melhor chá de bebê? Ou, mais modernamente falando, o melhor chá de revelação? E o melhor funeral?

Deve ter sido fácil responder as primeiras perguntas, mas difícil —ou quase impossível— responder a última.

Todas essas cerimônias marcam importantes etapas de uma vida, ocasiões em que queremos estar cercados de familiares e amigos. A não ser pelo funeral, costumamos investir bastante —tempo, energia e dinheiro— nessas celebrações.

Por conta da tradição brasileira de realizar rapidamente as despedidas e de pouco promover conversas sobre a morte, os funerais costumam ser desinteressantes e constrangedores. Idealmente falando, as cerimônias de despedida deveriam servir para trazer conforto e encaminhar lutos saudáveis, afinal, elas são o ponto de partida deles. Velórios e enterros nunca deixarão de ser tristes, mas podem se tornar mais interessantes e inspiradores.

Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos em 2010 pela FAMIC (Funeral & Memorial Information Council) trouxe depoimentos de pessoas sobre a dificuldade de comparecer a esse tipo de evento. Um dos entrevistados comentou que costumava sair deles pior do que tinha entrado. E sugeria "criar rituais que pudessem ajudar a trazer alguma luz". Outro disse que a falta de um roteiro para as cerimonias gerava o desconforto de uma espera interminável durante a qual ninguém sabia muito bem o que dizer ou como se comportar.

Esse "the end" é muito assustador, principalmente num tempo tão narcisista quanto o nosso. Em vez de apenas nos encher de morte, os funerais deveriam celebrar o que foi cada vida, sublinhando sua singularidade e desfazendo a névoa de constrangimento em torno da partida.

Rituais são importantes porque organizam nossos sentimentos, criam possibilidades de expressão, constroem simbologias. Funcionam como percursos que, roteirizados em etapas, facilitam que as pessoas se sintam confortáveis, se conectem entre si e com aqueles em torno dos quais acontece o evento. Rituais colam significados.

Espaço de contemplação, Cemitério Parque das Cerejeiras, em São Paulo - Pipandreoli - Pipandreoli
Espaço de contemplação, Cemitério Parque das Cerejeiras, em São Paulo
Imagem: Pipandreoli

Já faz tempo que seguimos as tradições quando se trata de despedidas fúnebres. A minha sensação é de que a tradição aponta para o passado falando de algo que quer permanecer.

Mas como permanecer igual em um mundo que mudou?

Meu palpite é de que a resposta está em fazer avançar a cultura para o planejamento do fim de vida. Porque apesar de também buscar coisas no passado, diferente da tradição, a cultura provoca movimento, olha para trás para poder vislumbrar o futuro.

Vejo esse movimento cultural começando a acontecer, até mesmo em cemitérios, que vem pouco a pouco investindo em ações e recursos que incentivam a expressão de sentimentos, como os murais onde se é possível deixar bilhetinhos para aqueles que partiram. Na arquitetura que acolhe os sentimentos. Um exemplo é o dos espaços de contemplação que convidam a refletir ou a simplesmente tirar alguns minutos para parar e respirar, conectando-se a si mesmo e ao momento presente.

O melhor funeral de que participei aconteceu num espaço acolhedor, numa sala cheia de verde e com entradas de luz natural. Havia cadeiras e outros móveis confortáveis dispostos de maneira a promover a possibilidade de conversas, encontros, tudo em texturas suaves. Foram servidos pratos de "comfort food" —uma sopinha quente conseguiu passar pelo nó na minha garganta.

Conduzida por uma celebrante, a cerimônia contou a história de vida da minha querida amiga, de quem me despedi naquele dia. Com palavras doces, a narradora nos convocava a acender uma pequena velinha a cada marco importante, num exercício de celebração daquela trajetória.

Dessa experiência eu saí melhor do que entrei, ainda que, obviamente, cheia de dor e saudade.