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Elânia Francisca

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Pessoas adultas, precisamos falar sobre a vida sexual ativa de adolescentes

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Imagem: Getty Images

Colunista do UOL

18/03/2022 04h00

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Chegou a hora, família! Aquela criança que você viu dar os primeiros passos e balbuciar mamã e papá cresceu e se tornou adolescente.

Você pode até dizer que foi rápido demais, que o tempo voou e você ainda vê essa pessoa como bebê, mas o caso é que essa criança adolesceu e é hora de lidar com o fato de que o desejo sexual pode ser algo presente na vida dela.

A adolescência é um período em que muitas mudanças estão acontecendo e uma delas pode ser a presença do desejo sexual. Vale lembrar que nem toda pessoa na adolescência sente desejo sexual, e está tudo bem!

Não vou adentrar nas questões fisiológicas desse período, mas o fato é que muitas pessoas nessa fase da vida sentem desejo de fazer sexo e, em alguns casos, concretizam esse desejo, mesmo que a pessoa adulta ache cedo ou não. Então, o melhor é abrir um diálogo franco, sem ideias moralistas e autoritárias. Mas como fazer isso?

Trouxe aqui algumas reflexões para nos prepararmos para o diálogo com adolescentes sobre ato sexual.

1. Conversar sobre sexo com o público adolescente não estimula ou antecipa o desejo de fazer sexo

Tente pensar em sua história de vida e se pergunte: seu desejo por sexo foi estimulado por uma aula de sexualidade ou por você se interessar sexualmente por alguém?

Falar sobre sexo de forma respeitosa, ética e informativa proporciona reflexão sobre formas seguras de se fazer sexo e prevenir IST (infecções sexualmente transmissíveis) e/ou a gravidez não-desejada. Vale lembrar que até os anos 90, era recorrente o diálogo com adolescentes sobre sexo no ambiente escolar, utilizando imagens de pênis e vulvas com ferimentos, corrimentos ou ainda contando uma aterrorizante história da menina que introduziu uma agulha de tricô na vagina após fazer sexo sem camisinha e engravidar.

Essa abordagem era utilizada como forma de amedrontar adolescentes e inibir o desejo de fazer sexo. Nem preciso dizer não funcionou nadinha, né? Os índices de IST e gravidez antes dos 18 anos só fez aumentar, mostrando que aterrorizar pessoas só promove desinformação e aumento da vulnerabilidade diante das questões relacionadas ao sexo. Então, se for dialogar com adolescentes, não seja a pessoa que assume a postura de amedrontar ou mentir, afinal você sabe que sexo consensual com pessoas da mesma faixa etária é gostoso e, com proteção, é seguro!

2. Sexo entre adolescentes e pessoas adultas pode prejudicar o desenvolvimento sexual saudável

Obviamente não estou falando de uma pessoa de 15 e outra de 18 anos, afinal, embora legalmente uma seja adolescente e a outra seja adulta, respectivamente, a distância entre as idades é pequena e, dessa forma, as vivências se aproximam mais.

A grande questão aqui é, por exemplo, uma menina de 15 anos e um homem de 30. Embora exista uma lei que fale do consentimento sexual ser a partir dos 14 anos, não podemos esquecer que numa sociedade que duvida da palavra de crianças, adolescentes e das mulheres, fazer sexo com homem adulto é sim um risco para adolescentes. Se houver algum tipo de agressão ou opressão por parte da pessoa adulta, é a adolescente que será julgada ou terá sua palavra questionada.

Adultos têm mais vivência e privilégios na sociedade, então é inegável que adultos têm possibilidade de exercer algum tipo de poder sobre adolescentes. O ideal é que adolescentes, se desejarem fazer sexo, que seja com pessoas de idade aproximada. E numa sociedade verdadeiramente protetiva e com adultos que priorizam defender direitos de adolescentes, isso nem deveria ser tema de questionamento. Mas numa sociedade como a nossa, infelizmente precisamos convencer adultos de que eles devem buscar sexo com pessoas da sua idade.

3. Se adolescentes desejarem, farão sexo, quer você proíba ou não

Precisamos parar com a hipocrisia de achar que proibir é a melhor ferramenta de reflexão em sexualidade. Dizer para adolescentes "Não, você não pode fazer sexo antes da idade adulta" não fará com que o desejo sexual suma, nem convencerá de que sexo é algo que precisa ser pensado com calma, respeito e carinho por si.

É preciso que assumamos que a probabilidade de o ato sexual acontecer antes dos 18 anos é grande. Em 2008, o Prosex (Programa de Estudos em Sexualidade), da USP (Universidade de São Paulo), realizou uma pesquisa que revelou que a primeira relação sexual de adolescentes no Brasil é de 15 anos de idade e, considerando que estamos num contexto de proibição de diálogos sobre sexualidade em ambientes seguros como as escolas, é muito possível que adolescentes estejam fazendo sexo sem ter informação adequada ou sofrendo pressões para ter contatos sexuais que não desejam.

Nas escolas, precisamos conversar com adolescentes sobre sexo, e essa ação é para proteger e não para banalizar seus corpos.

4. Reflita com franqueza: por que incomoda assumir que adolescentes fazem sexo entre si?

É importantíssimo que nós, pessoas adultas, analisemos nossa postura diante desse tema e pensemos se nossos medos ou preconceitos com relação à adolescência não estão nos impedindo de romper com barreiras sobre esse assunto.

Muitas pessoas adultas dizem que adolescentes não têm maturidade para fazer sexo, mas como conseguirão esse amadurecimento se nós, pessoas adultas, nos propomos a conversar sobre isso pela via da proibição ou negação de qualquer poder de reflexão de adolescentes? Precisamos quebrar a ideia de que adolescentes não são capazes de refletir sobre si e seus desejos, e uma das formas de fazermos isso é buscar conversar com profissionais da área da sexualidade sobre nossos medos e preconceitos com relação ao sexo na adolescência.

5. Adolescentes precisam saber que fazer sexo é assumir uma responsabilidade individual e coletiva

Conversar com adolescentes sobre sexo é apontar esse ato sexual como algo positivo, quando feito sem pressão e com consentimento mútuo. Sexo é um ato que exige assumir uma responsabilidade consigo e com quem se deseja fazer essa troca.

Não se pode ensinar à adolescentes que fazer sexo é só sobre você e seu corpo, porque sexo é uma atividade coletiva. Não se pode ensinar aos meninos cisgênero e heterossexuais que sua responsabilidade com o sexo se resume a perguntar para a menina cisgênero se ela está tomando pílula anticoncepcional. Ele também precisa se comprometer com o uso de camisinha.

Atualmente, muitas pessoas da área da educação em sexualidade têm trabalhado um tema chamado "negociação do uso de preservativo". Eu, particularmente, considero que se uma pessoa precisa negociar a proteção durante o ato sexual, há outra pessoa que está convicta de que não vai usar o método de prevenção. Penso que só negociamos algo quando alguém está irredutível em sua decisão, a ponto de precisarmos criar um acordo para convencê-la a usar camisinha. É desgastante ter que convencer alguém sobre algo que deveria ser básico, mas isso é reflexo da ausência de educação em sexualidade em nossas vidas. Sabendo disso, não podemos manter esse ciclo, precisamos conversar com adolescentes sobre responsabilidade individual e coletiva no ato sexual.

Essas reflexões não encerram o assunto, pelo contrário, elas servem para iniciar uma conversa que é longa e cheia de dificuldades que nós, pessoas adultas, precisamos admitir, pois só assim conseguiremos avançar.