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Elânia Francisca

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

"E as namoradinhas?": o que constrange adolescentes nas festas de ano?

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

24/12/2021 04h00

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Antes de qualquer reflexão sobre convívio familiar, quero sugerir que leiam a cartilha elaborada pela Fiocruz com orientações e sugestões de autocuidado e cuidado coletivo sobre como se prevenir contra o coronavírus nas festas de fim de ano.

Há uma personagem nas festividades de fim de ano que já virou meme: o tio do pavê. "É pavê ou é pá'comê?".

Esse tio, não necessariamente é um tio, às vezes é a mãe, o avô, ou algum outro parente que se acha muito engraçadinho e autodetermina que será a alegria da festa.

O caso é que, além do tio do pavê, existem outras figuras nas festividades familiares que podem até ter boas intenções, mas se comportam de forma invasiva, fazendo perguntas e comentários constrangedores sobre os corpos e as afetividades de adolescentes na frente de toda a família.

Sem perceber, essa pessoa acaba expondo adolescentes a uma situação vexatória.

Esse texto propõe que você e eu façamos uma autorreflexão: Será que estou sendo invasiva e expondo a intimidade dos adolescentes de minha família durante as festividades de fim de ano?

Antes de responder essa pergunta, vamos pensar um pouco mais sobre a adolescência.

Essa é a fase da vida que fica entre a infância e a idade adulta. Embora, legalmente, ela seja curta, durando seis anos (dos 12 aos 18), é uma fase de intensas mudanças no modo como a família, comunidade e serviços em geral passam a tratar adolescentes. Junto com a adolescência, está acontecendo um momento chamado puberdade, que gera mudanças intensas no corpo, como crescimento de pelos e o estirão puberal (quando adolescentes crescem de forma rápida).

Então, se para adolescentes já é complexo olhar-se no espelho e não reconhecer-se nessas mudanças bruscas, imagine ter essas características expostas na mesa do jantar ou na recepção feita no portão de casa?

Nós, pessoas adultas, desconsideramos muitas vezes o direito à intimidade e perguntamos à adolescentes: "E aí, já tem pelo no saco?".

Ou ainda pressupomos uma heterossexualidade ao perguntar: "E as namoradinhas?", não dando sequer margem para que o menino, por exemplo, responda que não haverá namoradinhas, já que ele está se interessando por pessoas do mesmo gênero. Além disso, a pergunta sobre namoradas parece revelar o desejo do adulto em saber algo íntimo num momento em que não há nenhuma privacidade para uma conversa como essa.

Apertar as bochechas, bater nas nádegas, tocar os cabelos ou "elogiar" o crescimento dos seios de adolescentes são comportamentos adultos por vezes banalizados em festas familiares.

Além disso, há uma pressão estética sofrida durante as festas de fim de ano, principalmente pelas meninas, com frases do tipo: "Você tá uma moçona, seu pai vai ter que comprar uma arma para espantar os urubus."

Expor adolescentes a situações vexatórias passa a informação de que a sua sexualidade, intimidade e corporeidade são públicas, logo podem ser invadidas por qualquer pessoa.

Neste fim de ano, além de observar se as outras pessoas estão sendo o parente inadequado da festa, é importante fazermos a pergunta: será que estou sendo invasiva e expondo a intimidade de adolescentes de minha família?