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Elânia Francisca

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

"Não, eu não posso ajudar!": até que ponto é saudável estar disponível?

lalesh aldarwish/Pexels
Imagem: lalesh aldarwish/Pexels

Colunista do UOL

05/03/2021 04h00

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Há algumas semanas eu escrevi um texto sobre autonegligência. Nele, conto o quanto eu tive dificuldade para dedicar um tempo para o autocuidado, já que o excesso de trabalho me fez "desaprender a cuidar de mim mesma".

Depois que escrevi essa reflexão, muita gente entrou em contato comigo dizendo ter se sentido atravessada por aquela escrita e que vivenciava a mesma coisa cotidianamente. Eu achei essa identificação muito importante, mas também preocupante, pois significa que estamos trabalhando demais e nos descuidando nesse processo.

Quero frisar que contar a própria história para ilustrar uma questão que é coletiva é uma forma potente de sensibilização e acolhimento. Algumas situações e sentimentos que você acredita acontecer somente contigo fazem parte da vida de muitas pessoas e por isso merecem ser coletivizadas, compartilhadas e respeitadas. Precisamos visibilizar nossas "escrevivências", como ensina Conceição Evaristo.

Mas quero voltar a falar da rotina atarefada e do exercício que decidi fazer após perceber que eu tinha desaprendido a cuidar de mim.

Decidi observar melhor minha rotina e procurar entender os motivos que me faziam não ter tempo de descanso e, quando tinha, não saber o que fazer para relaxar e aproveitar a pausa.

Aluna dedicada e obediente que sou, anotei todos os meus compromissos num quadro e acrescentei tarefas que, embora não precisassem de anotações, consumiam meu tempo de alguma forma. Anotei tudo: horário de almoço, idas ao banheiro, pausas para beber água, tomar banho, ver televisão, namorar, psicoterapia etc. Tudo mesmo! Tendo anotado os compromissos, era hora de me monitorar.

Durante um mês fiz a análise das tarefas que assumi e as categorizei em compromissos de autocuidado, de trabalho, familiares e amorosos. Percebi que 90% do meu tempo estavam diretamente relacionados a atividades trabalhistas. Os 10% restantes eram distribuídos nas outras categorias. É importante salientar que me alimentar e ir ao banheiro estavam dentro dessa pequena porcentagem. Ou seja, eu estava trabalhando demais e me cuidando de menos.

Foi aí que, em uma sessão de psicoterapia, fui questionada: "Por que você aceita tantos compromissos em detrimento de sua saúde?". Eu poderia dizer que preciso trabalhar para ter dinheiro e pagar minhas contas, poderia indagar que sou autônoma e não sei o dia de amanhã. E todas essas respostas seriam verdadeiras, porém o que eu respondi foi: "Eu preciso aceitar todos os compromissos porque fui educada para obedecer, então, se alguém me pede, eu faço!".

Naquele momento me lembrei daquelas pessoas que trabalham com atendimento ao cliente e vestem uma camiseta com o dizer "posso ajudar?". Alguns comércios trocaram essa frase por "sim, eu posso te ajudar". Pensei nisso porque me dei conta de que eu raramente digo: "Não, eu não posso te ajudar!". É como se essa camiseta de "sim, eu posso ajudar" estivesse tatuada em minha pele, inscrita em minha memória.

Lembrei-me de minha infância e das vezes que eu fui valorizada por ser obediente e prestativa, ou das vezes que minha punição foi mais branda quando eu pedia desculpa, mesmo quando eu não era culpada. Desculpe a demora em responder, desculpe não poder falar mais, desculpe não estar disponível quando me procurou. Sim, eu posso ajudar!

A criança também passou por uma educação que o ensinou a ser obediente e se sentir culpado por não atender uma expectativa do outro? Quantas vezes você disse "não, eu não posso ajudar" e se sentiu tranquilo com essa frase?

Saí da sessão de terapia com o compromisso de exercitar esse lugar de não pedir desculpas por não poder ajudar. Não se pode pedir desculpas por ter limites. Somos humanas e isso silenciar nossa humanidade é apagar nossa existência. Precisamos aprender que, em alguns momentos, será necessário à nossa saúde física e mental trocar o "sim, eu posso ajudar" pelo "não, eu não posso —ou não quero — ajudar" e não pedir desculpas por ter limites. Essas palavras presas precisam ser libertas, pois como diz Audre Lorde, o seu silêncio não vai te proteger.