Adultos não namoram adolescentes: refletir é necessário e urgente
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Crianças e adolescentes são pessoas em fase peculiar de desenvolvimento. Isso significa que estão vivenciando uma fase muito delicada, aprendendo a lidar com o mundo e consigo. Tudo o que nós, pessoas adultas, já dominamos —ou deveríamos dominar — é novidade para crianças e adolescentes. Por isso temos o compromisso de proteger, informar e escutar a população infanto-juvenil.
Aqui no Brasil temos uma legislação específica para cuidar dos direitos e deveres de crianças e adolescentes, o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e, enquanto este não for um país seguro para meninas, meninos e menines*, precisaremos seguir falando dessa lei e a defendendo.
Costumamos escutar muitas críticas com relação ao ECA e eu já escrevi um texto sobre isso. "O ECA tem muitos direitos e poucos deveres" é a frase que mais escuto em meu trabalho como psicóloga e educadora nas questões de sexualidade infanto-juvenil. O caso é que todo direito pressupõe um dever, ou seja, para cada direito que uma criança ou adolescente tem, o dever está presente.
O direito à educação, por exemplo, pressupõe o dever de frequentar as aulas. O direito à saúde pressupõe comparecer às consultas agendadas (quero ressaltar aqui que educação não se faz somente na escola e saúde não se faz somente no hospital).
A defesa dos direitos humanos de crianças e adolescentes é um compromisso que deve ser assumido por toda a sociedade —o ECA informa que é dever da família, da sociedade e do Estado cuidar dessa população, mas tenho a sensação de que só lembramos da família no momento de cobrar uma postura protetiva (em especial, a mãe) ou culpabilizamos crianças e adolescentes quando sofrem alguma violência (sobretudo as violências sexuais).
"Desfilava de toalha na frente do pai, queria o quê?"
Recentemente eu participei de um curso sobre direitos humanos de crianças e adolescentes e um colega de turma (homem adulto, professor de ensino fundamental) disse que a educação em sexualidade era essencial em seu trabalho, afinal "é preciso orientar as meninas para que não 'dêem em cima' de seus professores, pois o homem, por mais íntegro e ético que seja, ainda é um homem".
Essa frase, além de machista, abusiva e adultocêntrica, me fez refletir sobre minha postura enquanto educadora e psicóloga quando estou diante de crianças e adolescentes. Eu sempre abordo o tema de afetividade e digo para as educandas que não é saudável para adolescentes namorar pessoas adultas, buscando explicar os motivos e efeitos psicológicos desse "namoro", mas eu pouco converso com adultos sobre isso, e nesse ponto eu errei! Porque, ao falar sobre isso somente com adolescentes, eu estou passando a ideia de que é obrigação exclusiva de adolescentes se protegerem de possíveis agressores.
"Se envolveu com homem/mulher adulto(a) porque quis, não aprendeu na escola que não pode?"
Me dei conta de que, por mais que me pareça obvio, é urgente e necessário que pessoas adultas entendam o motivo de não poderem namorar adolescentes, ainda mais se esse adulto representar alguma figura de admiração e poder para essa população, como professores, médicos, treinadores, amigos da família, lideranças religiosas, artistas etc.
Recebo relatos semanais de jovens dizendo que, ao completar 18 anos, alguns ex-professores do ensino médio lhes desejam feliz aniversário com tom de assédio. "Agora já é uma mulher, já pode namorar" ou coisas semelhantes.
Adultos sabem que não se deve namorar adolescentes, mas reduzem o motivo à criminalização. Há, entretanto, efeitos psicológicos em adolescentes que, muitas vezes, só serão percebidos na idade adulta.
Adolescentes podem se apaixonar por uma pessoa adulta? Sim, porque estão numa fase peculiar de desenvolvimento e apaixonar-se faz parte desse processo, mas é a pessoa adulta quem deve dizer não. Justamente porque, sendo adulta, ela já viveu muita coisa no campo afetivo-sexual e tem mais experiência de mundo, mais validação de sua voz e mais poder. Além do fato de que é obrigação dessa pessoa adulta colocar a proteção de adolescentes acima de seu desejo sexual.
Abordar esse tema com pessoas adultas é parte do trabalho da educação em sexualidade infanto-juvenil.
*A linguagem neutra, ou linguagem não binária, propõe uma modificação na língua portuguesa para incluir pessoas trans não binárias, intersexo e as que não se identificam com os gêneros feminino e masculino.
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