Primeiras vezes de crianças e adolescentes: construindo espaços seguros
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Até hoje eu lembro direitinho da sensação de quando aprendi a ler. Eu estava sentada na grama, olhando para a cartilha da escola. Juntei as sílabas como se fosse um joguinho e formei uma palavra, depois outra, depois outra e de repente pensei: "Se eu consigo juntar letras e fazer palavras, então será que consigo ler palavras nas letras que outras pessoas juntaram?". Testei a teoria e consegui! Eu li!
Acho que quis gritar. Não me lembro se gritei, mas corri até o meu pai e disse: "Olha pai, aqui é 'O bebê babou. A babá é Bia'". A frase era exatamente essa, disso eu lembro bem!
Meu pai estava trabalhando, ele era jardineiro em um haras que a gente morava. Ele enxugou o rosto suado, reparou o livro, conferiu que era verdade —eu tinha lido mesmo — e daí ele sorriu. Disse que estava orgulhoso e prometeu uma bicicleta (um dia eu conto a história da bicicleta verde que ganhei dele).
Ano passado, minha irmã disse que meu sobrinho tinha aprendido a identificar letras e contar até três. Nós festejamos, não por querer acelerar o aprendizado do pequeno, mas por ficarmos felizes com a primeira leitura dele. Meu sobrinho brinca de identificar letras! São esses os brinquedos dele: as letrinhas. Hoje ele brinca com tudo que tem número e letra.
Meu outro sobrinho gosta de se movimentar. Ele gira, dança, rola no chão, canta, corre, explora a potência do corpo e brinca. O corpo é seu brinquedo.
Fico pensando que para promover saúde e proteção às crianças e adolescentes é importante a criação de espaços seguros para eles vivenciarem essas primeiras vezes.
Desde a primeira vez que o bebê percebeu a própria mão, até a primeira vez que adolescentes sentem desejo e paixão por alguém, precisamos estar próximos enquanto pessoas adultas e criar um ambiente de respeito e validação daquela experiência como algo importante, pois realmente é.
Também precisamos compreender, acolher e respeitar as primeiras vezes que crianças e adolescentes vivenciam alguma dificuldade e lidam com a frustração de não saber. Desde a primeira vez que o bebê fica angustiado por não saber enfiar o braço na manga da blusa até a primeira vez que adolescentes percebem que a pessoa por quem estão apaixonados não sente a mesma coisa por eles.
Diminuir a experiência de crianças e adolescentes acontece de forma tão naturalizada na vida de adultos que às vezes nem percebemos que fazemos isso. Como quando uma criança chora por ter perdido seu brinquedo e nós filmamos a cena com o celular ao invés de acolher sua angústia e ajudá-la a procurar o objeto perdido. Ou quando estamos sentados à mesa com outros adultos e fazemos chacota dos primeiros pelos no rosto do adolescente.
É nosso papel, enquanto pessoas adultas, proteger as primeiras vezes de crianças e adolescentes como forma de contribuir para o fortalecimento de sua autonomia e autoestima. Acolher os primeiros maravilhamentos é importante, mas acolher as primeiras dores é fundamental.
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