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Edmo Atique Gabriel

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Enchentes de Petrópolis matam pessoas e impactam na saúde mental

Lucas Landau/UOL
Imagem: Lucas Landau/UOL

Colunista do UOL

19/02/2022 04h00

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Imagens fortes, cenas que lembram um filme de ficção. A fúria das águas numa chuva que há 90 anos não acontecia. Tamanha brutalidade da natureza em um espaço curto de tempo, destruindo vidas e a história de uma cidade histórica.

A cidade de Petrópolis, na região serrana do estado do Rio de Janeiro, foi devastada por águas sem controle, que pareciam ondas do mar, atingindo alturas acima de 3 metros, não poupando nada que estivesse pela frente.

Por um lado, poderíamos discutir as causas desta tragédia do ponto de vista climático e da infraestrutura urbana. Por outro lado, também de suma importância, cabe a discussão acerca dos severos impactos desta enchente na saúde das pessoas.

A saúde física destas pessoas indiscutivelmente foi atingida por uma imensidão de elementos tóxicos, poluentes, infecciosos que, somados, irão causar doenças com repercussão pulmonar, renal e hepática, principalmente.

Precisamos lembrar que enchentes desta magnitude produzem detritos de alguns animais como ratos, os quais se misturam com a própria água turva da enchente, tornando-se mecanismo direto de infecção e lesão em pessoas mais debilitadas, como crianças e idosos.

No entanto, se existe um impacto desta enchente que terá espaço na vida destas pessoas por tempo indeterminado, podendo literalmente desequilibrar famílias e relacionamentos, será o impacto mental.

Num primeiro momento, seria muito natural que considerássemos o fator mecânico das águas em fúria, a capacidade destas águas de destruir os lares e arrastar pessoas. Esta parte será apenas o início de uma sequência incontrolável de repercussões, principalmente afetando a estabilidade emocional dos sobreviventes e daqueles que testemunharam de perto tamanha tragédia.

As perdas materiais associadas às sensações de impotência e de ameaça serão responsáveis por muitas modificações negativas no equilíbrio mental destas pessoas. Alguns estudos já demonstraram quais as principais categorias de repercussões mentais a serem enfrentadas por estas pessoas:

1) Estresse pós-traumático

Conviver com as lembranças recentes de uma tragédia, com as sensações de uma ameaça constante, justificam a ocorrência de estados depressivos, transtornos de ansiedade e o uso de substâncias ilícitas. Este cenário é semelhante a sensação de muitos soldados que sobreviveram às guerras e nunca mais conseguiram ter paz mental.

2) Ansiedade

As pessoas passaram a adotar atitudes intempestivas em sua rotina, com certo grau de desespero e aflição para resolver as coisas. O comportamento destas pessoas começa a prejudicar seus relacionamentos familiares e profissionais.

3) Depressão

O poder negativo de uma tragédia sobre a motivação de um ser humano é inquestionável. A sensação de derrota e impotência frente à fúria da natureza, além da constatação da perda irreparável de familiares e amigos, impede que muitas pessoas se reergam emocionalmente. Estas pessoas acabam se tornando mais tristes, mais isoladas e com pouca motivação.

4) Suicídio

A sensação de desespero frente às perdas materiais, mortes, pessoas soterradas e ainda não encontradas, doenças que surgem, pode predispor a uma atitude extrema. Cada pessoa tem um nível de tolerância, cada pessoa reage de forma distinta a uma tragédia e, muitas vezes, num momento de descontrole extremo, pode acontecer um suicídio.

5) Aumento no consumo de álcool e cigarro

Buscar o escape para os problemas é típico em qualquer ser humano. Alguns depositam seus problemas na questão de comer muito, chorar muito, afastar-se de tudo que o cerca. Outros podem declinar para o consumo exagerado de álcool e cigarro. Na verdade, já existe um estado descontrolado de ansiedade que acaba propiciando maior envolvimento com álcool, cigarro e até drogas ilícitas.

6) Aumento no consumo de medicamentos

Poucas pessoas, nos dias atuais, não usam algum tipo de medicamento, isto em condições normais. Diante de uma tragédia com mortes, pânico absoluto e perdas materiais, muito provável que estas pessoas necessitem do uso de medicamentos, por tempo indeterminado. Medicamentos ansiolíticos, antidepressivos e medicamentos indutores do sono estarão entre as principais categorias.

Não seria exagero afirmar que a tragédia de Petrópolis só começou, seus primeiros capítulos já foram publicados. Capítulos brutais e lamentáveis. Muitos fatos ainda virão, atingindo o equilíbrio emocional de muitas pessoas e muitas famílias.

Estas pessoas precisarão de muitas coisas daqui em diante, mais do que apoio logístico e fornecimento de insumos. Estas pessoas precisarão de muitas orações, muita ajuda humanitária, muito apoio das autoridades e muito amparo para sua grave fragilidade mental.

Reconstruir uma casa é extremamente diferente de reconstruir uma mente, voltar a ter paz. A missão de repor tijolos destruídos não será tão dolorosa como a missão de restaurar a motivação, de reencontrar o otimismo da vida e aquela sensação de equilíbrio mental.

A tragédia de Petrópolis resume a maior das carências humanas: a paz. Pode até ser que o tempo apague tantas mazelas desta tragédia e faça com que muitas destas mazelas sejam esquecidas, mas o trauma que fica, este será o grande desafio daqui pra frente.

O que puder ser feito para atenuar este trauma deverá ser feito prontamente e mediante um seguimento de tantas pessoas que perderam tudo, inclusive sua paz de espírito.

Caso você esteja pensando em cometer suicídio, procure ajuda especializada como o CVV e os CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) da sua cidade. O CVV (https://www.cvv.org.br/) funciona 24 horas por dia (inclusive aos feriados) pelo telefone 188, e também atende por e-mail, chat e pessoalmente. São mais de 120 postos de atendimento em todo o Brasil.

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