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Edmo Atique Gabriel

ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

O que o menino Henry Borel sentiu nos seus últimos momentos de vida?

Henry Borel, 4, morreu no dia 8 de março no Rio de Janeiro - Reprodução/Redes Sociais
Henry Borel, 4, morreu no dia 8 de março no Rio de Janeiro Imagem: Reprodução/Redes Sociais

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Vocês conseguem imaginar o que acontece em nosso corpo quando, por algum mecanismo traumático, ocorrem lacerações do fígado, hemorragia interna e lesão cerebral? No caso do menino de 4 anos de idade, Henry Borel, foram exatamente estes os diagnósticos apontados no laudo do IML do Rio de Janeiro.

Infelizmente, já posso adiantar que este conjunto de lesões foi demasiadamente brutal, impedindo qualquer possibilidade de sobrevida e certamente causando dor, sofrimento e muita tensão nesta criança.

Torna-se fundamental discutir especialmente os aspectos biológicos e clínicos destas lesões, visando demonstrar não somente tudo pelo que Henry Borel passou, como também deixar um alerta acerca do impacto que um acidente ou a violência, seja sob qual formato (doméstica, feminicídio, contra o idoso, contra as crianças), exerce em nosso corpo, nossa alma e nossa estrutura familiar e social.

A primeira informação, de cunho biológico, que merece ser mencionada, é que o volume de sangue total em um corpo humano corresponde a cerca de 7% de seu peso corpóreo. Portanto, uma pessoa adulta de 70 kg armazena em seu corpo aproximadamente 5 litros de sangue.

Obviamente, no caso de Henry Borel, por ter estatura e peso corpóreo inferiores, esta quantidade de sangue é bem menor e sua tolerância a perdas sanguíneas é mais limitada.

Vamos começar comentando sobre o fígado. Trata-se de um órgão insubstituível, de complexidade ímpar, que desempenha incontáveis funções, muitas delas possivelmente ainda desconhecidas pela medicina. O fígado é um dos órgãos mais vascularizados do corpo humano, ou seja, a quantidade de veias, artérias e ramos vasculares dentro do fígado é algo absolutamente colossal.

Uma laceração no fígado, que significa uma rotura de uma parte do fígado ou mesmo uma "explosão" da estrutura deste órgão, implica em um sangramento ou hemorragia de grande vulto. E qual o destino deste volume de sangue imenso que está extravasando pelo tecido do fígado?

Os problemas clínicos do Henry começaram neste momento. Devemos lembrar que o sangue, bombeado pelo coração para irrigação dos órgãos, transporta diversos nutrientes, oxigênio e substratos energéticos essenciais ao pleno funcionamento dos órgãos.

O sangramento do fígado de Henry começou a promover os primeiros sintomas debilitantes. Este volume profuso de sangue literalmente caía dentro da barriga do menino, ou seja, em cada bombeamento do coração para o fígado, o sangue simplesmente não irrigava e nutria o fígado; ao contrário, acumulava gradativamente dentro da barriga da criança.

A barriga começa a distender progressivamente, os órgãos abdominais começam a reagir à presença daquele sangramento volumoso por meio de uma resposta inflamatória intensa, com parada dos movimentos intestinais.

Nosso corpo é dotado de uma preciosa capacidade de identificar a perda de sangue. Considerando que o sangue tem a função de circular somente dentro de vasos sanguíneos, num sistema considerado fechado, existem "sensores" em nosso corpo que reconhecem o extravasamento do sangue dentro de cavidades, como na barriga e no tórax.

Nesta condição, nosso coração, numa tentativa desenfreada de se adaptar e compensar as perdas sanguíneas, apresenta também algumas mudanças.

O coração de Henry, desde o momento em que o fígado começou a sangrar, certamente apresentou muitas variações da frequência cardíaca, com tendência para taquicardia (aceleração dos batimentos cardíacos) e arritmias (quando o ritmo do coração fica muito desorganizado).

Como consequência destas variações da frequência cardíaca, Henry deve ter sentido muito desconforto para respirar, dor ou desconforto no peito, suor frio e muito mal-estar.

Não bastasse a laceração hepática, com subsequentes hemorragia interna e modificações do ritmo cardíaco, houve lesão cerebral por algum mecanismo traumático associado. Este tipo de lesão é tão ou mais letal que a hemorragia oriunda da lesão no fígado.

Um trauma de crânio com lesão cerebral em uma criança de 4 anos implica em repercussões muito graves, pois as estruturas neurológicas são mais frágeis e ainda estão em desenvolvimento.

Dessa forma, o que houve com Henry foi que uma outra hemorragia começou a se instalar dentro de sua cabeça, hemorragia essa que pode tanto representar laceração no tecido cerebral como compressão do tecido cerebral pelo próprio volume de sangue em expansão. Em outras palavras, um caos completo.

Nosso cérebro é um órgão de tamanha complexidade e com funções tão exuberantes que não tem muita tolerância a lacerações e hemorragias. A capacidade cerebral de suportar e de se regenerar, frente a lesões traumáticas como no caso de Henry, é extremamente limitada.

Uma vez lesado, aquele segmento do cérebro não exerce mais suas funções. Caso haja, por exemplo, lesão do segmento cerebral que controla nossa respiração, a repercussão é fatal.

Ainda existem relatos da perícia, constatando contusões nos rins e nos pulmões. Para ficar mais claro, uma contusão consiste em um trauma direto, podendo causar hematomas nos órgãos e prejuízo na sua função.

Um hematoma nos rins pode provocar dor na região lombar, sangramento abdominal e alterações na diurese.

Um hematoma nos pulmões tem como consequências dor torácica e dificuldades significativas para respirar.

Henry Borel, independentemente do que verdadeiramente aconteceu, não conseguiria sobreviver à dimensão e impacto de tantas lesões brutais em seus órgãos ainda muito frágeis.

Henry Borel, um menino de apenas 4 anos, foi vítima de lesões traumáticas que não se restringiram aos órgãos acometidos, houve uma repercussão sistêmica e sobrecarga de seu coração.

O caso de Henry Borel, caso seja definitivamente constatada ação violenta por parte de pessoas próximas a ele, retrata mais um caso inadmissível de violência, mais um caso de ignorância humana, mais um caso de brutalidade humana diante da fragilidade de órgãos e estruturas corporais.

O caso de Henry Borel, dependendo das conclusões das investigações, poderá retratar que o ser humano é capaz de ferir o próprio ser humano, que o ser humano é capaz de ferir e lacerar uma criança.

Para saber mais sobre a saúde do coração, me acompanhe no Instagram: @edmoagabriel.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do informado, o volume de sangue total em um corpo humano corresponde a cerca de 7% de seu peso corpóreo e não 70%. A informação foi corrigida.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL