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Edmo Atique Gabriel

Por que um problema cardíaco pode afetar os pulmões e os rins?

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

30/01/2021 04h00

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Nosso coração é um motor que começa a funcionar no ventre materno, trabalhando de forma contínua até o último suspiro de vida. Este trabalho consiste no bombeamento de sangue para irrigação e nutrição de todos os órgãos, provendo nutrientes e oxigênio aos mesmos.

Por se tratar de um músculo especializado, o miocárdio ou músculo do coração, contrai e ejeta sangue na dependência de fatores como organização das fibras musculares e bom funcionamento das válvulas cardíacas.

Quando o coração não está trabalhando adequadamente, seja por ineficiência das fibras do miocárdio ou por defeitos nas válvulas, dois órgãos em especial —pulmões e rins— são significativamente afetados. Coração e pulmões compartilham uma circulação comunicante; coração e os rins integram um sistema de controle dos fluidos corpóreos.

A insuficiência cardíaca ou a falência da função de "bomba" de nosso coração pode estar relacionada a um infarto do coração, doença de Chagas, processos inflamatórios do miocárdio e alterações estruturais nas válvulas cardíacas —calcificação e perda de elasticidade.

Quando esta falência de "bomba" se instala e começa se desenvolver gradativamente, algumas repercussões pulmonares e renais poderão ser observadas. Tendo como base a relação anatômica e funcional entre o coração e os pulmões e o coração e os rins, devemos ter em mente os seguintes conceitos, visando compreender o porquê de um problema cardíaco afetar os pulmões e rins.

Conceito 1

O lado direto de nosso coração recebe sangue da periferia do corpo e dos órgãos abdominais e, na sequência, bombeia este sangue para o interior dos pulmões, para adequada oxigenação. Uma insuficiência do lado direito do coração cursa com a retenção de sangue na periferia e no abdome. Em virtude desta retenção, as pessoas apresentarão inchaço nas pernas, no rosto e crescimento de órgãos abdominais como o fígado.

Conceito 2

O lado esquerdo do nosso coração bombeia sangue oxigenado para todas as partes de nosso corpo. Um infarto muito extenso, na porção esquerda do músculo cardíaco, pode desencadear falta de ar e comprometimento da oxigenação dos órgãos e tecidos.

Além disso, considerando que existem conexões anatômicas e funcionais entre o lado esquerdo do coração e os pulmões, a insuficiência do lado esquerdo do coração pode provocar retenção de sangue dentro dos pulmões, situação conhecida como "água no pulmão" ou edema pulmonar.

Conceito 3

As válvulas cardíacas regulam o fluxo de entrada e saída no coração. Defeitos na estrutura das válvulas, como perda de elasticidade e calcificação, causam retenção de sangue dentro do coração ou dentro dos pulmões. Nestas duas condições, as pessoas apresentam muito cansaço, falta de ar, limitação para atividades diárias e problemas de cognição, raciocínio e memória.

Conceito 4

O fluxo de sangue que chega aos rins depende, entre outros fatores, da força do músculo cardíaco para ejetar sangue. Especialmente o lado esquerdo do coração controla este fluxo de sangue entre o coração e os rins. Na insuficiência do lado esquerdo do coração, causada por exemplo pela doença de Chagas ou por ação inflamatória do coronavírus, o fluxo de sangue que chega aos rins diminui gradativamente e a produção de urina também. Assim, nota-se que a insuficiência do coração acaba provocando uma insuficiência dos rins.

Conceito 5

A calcificação das válvulas cardíacas pode limitar o fluxo sanguíneo que chega aos rins. Esta calcificação seria como uma rolha obstruindo a passagem de um determinado fluido. Nesta condição, mesmo que o coração contraia suas fibras para ejetar o sangue, existe uma barreira anatômica rígida —um contingente de placas de cálcio— que restringe o fluxo de forma significativa.

Dessa forma, quantidade muito reduzida de sangue chegará aos rins para ser filtrada e produzir a urina. Os rins começam a falhar juntamente com a sobrecarga de trabalho cardíaco.

Conceito 6

Quando ocorre a formação de um coágulo dentro do lado direito do coração, este coágulo pode migrar para as artérias do pulmão, causando entupimento e redução da quantidade de sangue que entraria nos pulmões. A consequência imediata seria uma menor oxigenação, dificuldade para respirar e uma coloração mais arroxeada da pele. Essa situação conhecemos como embolia pulmonar.

Conceito 7

Arritmias cardíacas podem provocar a formação de coágulos dentro do lado esquerdo do coração. A cada contração do músculo cardíaco, estes coágulos podem ser enviados para vários órgãos mais distantes, entre eles os rins, provocando interrupção do fluxo do coração aos rins.

Neste caso, os rins não conseguem filtrar adequadamente o sangue e produzir urina suficiente. A pessoa começa a ficar cada vez mais inchada, com grande retenção de líquidos e pode precisar de diálise.

Conceito 8

Quando ocorre um ferimento cardíaco, como aquele provocado por um projétil de arma de fogo ou um objeto metálico, ocorre perfuração do coração e extravasamento de sangue. Nesta situação, uma rápida e súbita redução do fluxo sanguíneo para todos os órgãos irá ocorrer. Os pulmões e os rins serão gravemente afetados até que o ferimento seja reparado de alguma forma.

Conceito 9

Não é frequente a ocorrência de câncer de coração. Mas existem alguns tumores que podem "nascer" dentro do coração, geralmente muito próximo das válvulas cardíacas. Quando isto acontece, mesmo que as válvulas estejam estruturalmente normais, os tumores podem comprometer o funcionamento delas, causando retenção de sangue nos pulmões ou também na periferia do corpo.

Conceito 10

Uma pessoa que utiliza hormônios anabolizantes para obter hipertrofia muscular e delineamento corporal pode apresentar também um quadro de considerável hipertrofia do músculo cardíaco. Pode parecer estranho, mas um coração muito "musculoso" não trabalha bem; ao contrário, seu desempenho contrátil cai muito e prejudica o bombeamento de sangue para os pulmões e os rins.

O uso inadvertido de hormônios anabolizantes pode ocasionar a formação de coágulos no coração e outras partes do corpo. Estes coágulos poderão entupir a circulação comunicante entre o coração e os pulmões, como também prejudicar o fluxo sanguíneo que chega aos rins.

Está tudo interligado

Precisamos entender que uma doença do coração não compromete somente a função do próprio coração. Os pulmões e os rins são exemplos de órgãos que dependem de uma capacidade ejetiva plena do coração.

Quando isto não acontece, os pulmões podem receber fluxo insuficiente ou acumular quantidade excessiva de sangue. No caso dos rins, a falta de um fluxo adequado compromete a filtração do sangue e a produção de urina, exigindo que a pessoa seja submetida a sessões de diálise.

Embora os pulmões e os rins sejam órgãos duplos, pois temos dois pulmões e dois rins, um quadro de insuficiência cardíaca pode comprometer consideravelmente as duas unidades de cada órgão, provocando deficiência na oxigenação e no controle dos fluidos corpóreos.

Mais preocupante ainda é quando as condições negativas se somam, ou seja, a pessoa desenvolve insuficiência cardíaca com acometimento simultâneo das funções pulmonar e renal.

Imaginem o quão grave é uma pessoa com insuficiência cardíaca, apresentando "água" no pulmão e necessidade de sessões de diálise.

Toda essa discussão serve para alertar que cuidar do coração, ter hábitos de vida saudáveis, evitar excessos alimentares e fazer acompanhamento periódico com um cardiologista são medidas protetivas contra a insuficiência cardíaca, como também contra as disfunções dos pulmões e dos rins.